Por Marcelo Sakate | André Farber se recorda com clareza das circunstâncias em que assumiu como CEO da Guararapes, um dos maiores grupos de moda do país, dono da marca Riachuelo, há pouco mais de um ano e meio.
“Era um momento em que as pessoas diziam que o varejo iria acabar, havia o impacto da crise da Americanas [revelada poucos meses antes]”, disse Farber em entrevista à Bloomberg Línea. “Mas nós sabíamos na força do nosso modelo, de uma marca forte, de uma empresa de moda que tem varejo.”
Ao longo de 2023, um ano também marcado pelo avanço da concorrência de players asiáticos como a Shein, de dificuldades financeiras de varejistas mais endividadas e o consumidor sob o impacto de juros a 13,75% ao ano na maior parte dos meses, a empresa buscou reforçar seus atributos.
“Investimos muito em conteúdo de moda e na qualidade do produto para reforçar a percepção de valor”, contou Farber. Ele fez questão de ressaltar que, ainda que a distribuição seja relevante e que houvesse pontos a serem ajustados, “antes de tudo, somos uma empresa de moda, que cria produtos de qualidade”.
Passados quase dezessete meses desde que assumiu, Farber – que veio da Dafiti, um e-commerce nativo digital de moda em que também atuou como CEO – disse que Guararapes vive um novo momento.
Os resultados financeiros recém-divulgados do terceiro trimestre superaram as projeções do mercado e apontaram uma evolução contínua sob diferentes perspectivas, de crescimento e rentabilidade (veja mais abaixo) à redução da dívida.
“Estamos em um ciclo virtuoso. Entregamos produtos que o consumidor demanda mais, estamos crescendo e criamos mais oportunidades de empregos”, disse o executivo, que citou mais de 3.000 contratações no último ano, dos quais cerca de 2.000 na fábrica em Natal, no Rio Grande do Norte.
Com uma estrutura de capital que ele definiu como “bastante sólida” como reflexo da melhoria dos resultados – a dívida líquida caiu quase 50% em um ano, levando a alavancagem de 1,9x para 0,6x em relação ao Ebitda -, o executivo disse que enxerga oportunidades adicionais de crescimento.
“Temos condições de fazer mais investimentos, seja em remodelação de lojas, seja em expansão da rede. São investimentos que no passado decidimos segurar até que os resultados melhorassem.”
Ao fazer referência a mudanças em lojas, ele explicou que a Guararapes tem realizado estudos para entender qual o caminho da marca para o futuro e como elas devem refletir esse próximo momento, além do que faz mais sentido oferecer para melhorar a experiência do consumidor.
Para além dos resultados, Farber disse enxergar uma oportunidade de construção ainda maior da marca Riachuelo.
“Esse é um ponto central para mim. Marca tem muito valor. É o que nós comunicamos, como comunicamos, é a experiência na loja. Eu falo muito para o time que somos uma marca de moda que tem varejo, não um varejo que vende roupas”, disse Farber, que, antes da Dafiti, passou mais de uma década e chegou a vice-presidente no Grupo Boticário, em que participou ativamente de um momento semelhante.
“É um processo que começa internamente, como sementes que são plantadas, para que depois possam florescer para o público nas lojas, com uma experiência que sirva como encantamento. Estamos em momento de muita discussão interna na Guararapes nesse sentido”, contou o CEO.
Do ponto de vista de operação no presente, as lojas passaram ao longo do ano por projetos pilotos que buscam ampliar as receitas e a rentabilidade, algo que já começou a surtir efeitos: as vendas por metro quadrado subiram 11,3% em um ano, para R$ 2.430 no terceiro trimestre (veja mais abaixo).
O executivo disse que a Guararapes – sob controle da família Rocha, e Flávio Rocha como presidente do conselho – tem explorado mais o que descreveu como “o diferencial de ser a única empresa de cadeia integrada do varejo de moda do país, com fábrica, logística, lojas e financeira”.
Na fábrica, são perto de 10.000 trabalhadores; no time de moda, mais de 300, além da logística.
“Temos trabalhado muito no último ano e meio para aumentar a integração da fábrica com o varejo. Isso nos proporciona maior responsividade para criar produtos com preços competitivos.” Esse processo passou a acontecer com a integração de times, novos sistemas e acompanhamento de indicadores.
A integração mais ajustada resultou em lançamento de coleções com maior agilidade e assertividade, além de ganho de margem com a redução do ciclo de produto e dos estoques, disse o CFO da Guararapes (GUAR3), Miguel Cafruni, na mesma entrevista.
O volume produzido pela fábrica aumentou 40% no último ano, o que se traduziu em redução da ociosidade e, portanto, ganho de eficiência nessa operação.
Na frente de logística, as lojas passaram a receber quantidades menores no primeiro envio de novas coleções, com entregas subsequentes mais assertivas e ajustadas à demanda.
Houve redução dos estoques em loja, que hoje concentram cerca de 40% do total, versus 60% em centros de distribuição, uma proporção que era praticamente o inverso um ano atrás.
Cafruni, que chegou à Guararapes em maio deste ano, destacou que o grupo também tem reduzido o gap de performance entre lojas mais populares e as de posicionamento mais premium com o reforço da oferta de vestuário de entrada, a preços mais acessíveis.
O aumento da oferta desses produtos no começo do segundo semestre do ano passado gerou uma resposta imediata, o que sinalizou, segundo eles, um consumidor sob impacto da inflação.
“Temos conseguido definir bem o cluster de cada loja, com os produtos certos, e esses ajustes têm nos dado mais musculatura para crescer e com a perspectiva de continuar acelerando”, disse o CFO.
Essa perspectiva também foi ressaltada pelo CEO.
“Ainda tem muita alavanca e muito potencial de melhora em moda, de produto, de tecnologia, de integração da cadeia, de gestão de categoria”, disse Farber – segundo ele, “não fomos ainda nem para o intervalo”, em alusão à alegoria do momento que marca a metade de uma partida de futebol.
É um plano estratégico que, embora ainda em execução, tem se refletido cada vez mais nos resultados ao longo dos últimos trimestres.
“O consumidor tem reagido. Crescemos há cinco, seis trimestres consecutivos e mais de 10% no acumulado deste ano, e mais em volume do que em receita, o que mostra um consumidor ávido”.
O executivo fez referência aos números do terceiro trimestre, apresentados no começo do mês.
As receitas líquidas de mercadorias cresceram 11% na base anual, para R$ 1,707 bilhão – e 10% nas mesmas lojas; o Ebitda ajustado consolidado – métrica de geração de caixa operacional – quase dobrou, com avanço de 90,5%, para R$ 350 milhões no mesmo período.
E a margem bruta de vestuário subiu pelo quarto trimestre seguido, desta vez em quatro pontos percentuais, para 54,8%.
Farber também apontou o aumento do foco e da assertividade em projetos. “A empresa é muito grande. Passamos a ter menos iniciativas e aprofundamos as que decidimos priorizar, com a certeza de que serão executadas até o fim. E isso tem mostrado um potencial de valor muito grande.”
O processo conduzido por Farber ao longo desse um ano e meio tem sido reconhecido por investidores sob o ponto de vista do preço da ação. As cotações subiram cerca de 90% desde então, para R$ 8,16. Nos últimos 12 meses, os ganhos se aproximam de 40%.
“Ganho de eficiência na planta industrial, maior participação de insourcing (cerca de 50% versus 35% no passado) e otimização de estoques contribuíram para uma expansão de 3,7 ponto percentual na margem bruta (+1,3 p.p. em relação às estimativas do banco)”, apontaram analistas do Itaú BBA, que reiteraram a recomendação de compra da ação com preço-alvo em R$ 10,00.
Fonte: Bloomberglinea