Por Adriana Mattos | As empresas de consumo entraram no período crucial para seus resultados no ano, relativo às vendas de Black Friday e Natal, e os primeiros sinais indicam desempenho um pouco mais animador para os últimos meses de 2024.
Apesar do cenário de endividamento alto da população e elevação na taxa de juros, a “Black” de 2024 deve retomar taxas de crescimento mais altas, após três anos decepcionantes, quando houve queda em volume ou elevação discreta. Essa base de comparação fraca pesa diretamente nas projeções.
Além disso, o fato de a primeira parcela do 13º salário, assim como parte do salário mensal regular, ser pago na sexta-feira da Black Friday (29) – algo que ocorreu anteriormente apenas em 2019 -, também tem efeito positivo.
“Vai ser uma boa ‘Black’ porque viemos de uma base de vendas bem ruim e ainda temos o 13º caindo exatamente na sexta”, diz a consultora e CEO da AGR, Ana Paula Tozzi, que atende clientes de grande porte. Lojas físicas também podem se favorecer de circulação maior de clientes no sábado (30) e no domingo (1º).
Na ponta contrária, além do fato de o consumidor carregar um volume alto de dívidas, a geração de vagas no país com salários mais baixos em 2024 pode ajudar a inibir os gastos, dizem analistas.
Projeções de varejistas e consultorias são de alta nominal do comércio físico e digital, em faturamento, entre 5% e 10% em novembro ou na semana do evento, frente ao ano passado. Ao se descontar a inflação do período, o volume pode subir até um dígito médio ou ficar estável. Em anos anteriores, chegou a ter recuo.
A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) estima aumento de 10,2%, alcançando R$ 7,9 bilhões. A empresa de dados Neotrust Confi estima 9,1%, e a CNC, confederação de comércio e serviços, espera 0,4%, para R$ 5,2 bilhões, já descontada a inflação. Em termos nominais, portanto, a taxa ficaria em torno de 5%.
Além do impacto do fraco desempenho dos últimos anos, há dados que indicam uma expansão sustentada pelos sites internacionais, com seus “marketplaces” locais, e pelo aumento da disputa por mercado entre eles. Inclusive, há “ofertas” de corte de imposto para incentivar a compra. A chinesa Temu está subsidiando 100% do imposto de 17% do ICMS estadual.
Segundo Juliana Lorenzetti, diretora da Neotrust Confi, as plataformas estrangeiras sentiram o início da cobrança de imposto de importação nas encomendas de até US$ 50, válido desde agosto. Mas elas investiram mais pesado em campanhas mensais, como a “11.11”, da Shopee, diz ela, e isso pode ajudar no desempenho.
Até a última terça-feira (19), a venda no on-line avançava 21%, segundo a Neotrust Confi, que simula no índice o desempenho de plataformas internacionais.
De acordo com números da NielsenIQ (NIQ) obtidos pelo Valor, de 4 a 10 de novembro, a venda do segmento de tecnologia e de bens duráveis (eletrônicos, eletrodomésticos, portáteis, entre outros) cresceu 6% nas lojas físicas e no digital, somados. Apenas no on-line, a alta foi de 9%.
Dentro dessa expansão no digital, o faturamento dos marketplaces (venda de itens de terceiros) subiu 14%, e nos produtos de estoques próprios das redes (como eletrônicos e móveis), a alta foi de 6%. Desempenhos diferentes nessa largada da Black Friday são comuns pelo perfil de compra de cada momento do mês.
Acontece que nas compras de valores mais altos, como os duráveis – menos vendidos pelos sites estrangeiros -, o cliente pesquisa e aguarda mais tempo até bater o martelo e fechar negócio.
A questão é que, neste momento do mercado, também não basta apenas vender mais mercadorias. Abel Ornelas, executivo da área comercial (ex-Casas Bahia, ex-GPA e ex-Magalu), lembra que o custo de operar uma Black Friday é bem mais alto que a média do ano.
“Quando se vendia 20%, 30% a mais na ‘Black’ anos atrás, você ficava no zero a zero por causa da alta nos custos, mas trazia nova base de clientes, trazia frequência. O problema é que, se a venda ficar no zero a zero ou subir só um pouco, você terá prejuízo na data se gastar muito na operação”, explica.
Empresas passaram a defender a tese de uma “Black” mais racional nos últimos anos, com vendas menores, mas com custos para operar a data mais baixos. O problema é que a competição não dá trégua.
Especialistas lembram, por exemplo, que será o primeiro ano da chinesa Temu, do grupo PDD, no evento, e a plataforma manteve uma maior agressividade comercial. Além de subsidiar 100% da alíquota de ICMS cobrada dos clientes, está com frete grátis para todas as compras oriundas da China.
A empresa é concorrente direta das asiáticas AliExpress (hoje parceira do Magazine Luiza) e Shopee e do Mercado Livre.
Apesar da força da “Black” nos canais digitais, neste ano, as lojas físicas podem surpreender, segundo análises iniciais. Pela primeira vez desde 2019, o evento acontece no dia do pagamento do 13º salário, véspera do fim de semana, quando a circulação de consumidores tende a se acelerar.
“Somos focados no digital mas, nos nossos contatos, clientes têm dito que se prepararam melhor para um movimento mais forte nas lojas”, diz Lorenzetti.
Outro levantamento obtido pelo Valor sugere que, no comparativo da evolução no fluxo de pessoas em lojas em novembro, frente aos três últimos anos, este mês pode ter números melhores, segundo a consultoria Virtual Gate, liderada por Heloísa Cranchi. A companhia faz contagem de pessoas em pontos com mais de 3,5 mil câmeras em lojas. Desde 14 de novembro, o fluxo acumulado supera o dos últimos dois anos nas lojas, mas ainda é preciso acompanhar a evolução.
A má notícia é que, no acumulado do ano até outubro, o fluxo caiu quase 2%, apesar de menor que o recuo de 6% em 2023. Cerca de 85% do faturamento do comércio vem das lojas e 15%, do on-line.
Avanço maior nas promoções de alimentos, e itens de supermercados em geral, também pode elevar a venda na “Black”. O segmento virou grande foco de consumo na data após a escalada da inflação alimentar em 2021.
“Antecipamos as conversas com as indústrias em todas as categorias, e estamos ‘diluindo’ a venda mais forte em quatro semanas, e antes fazíamos isso em duas semanas. E com a mesma intensidade de ações nas lojas e no on-line”, diz Joaquim Sousa, diretor comercial do GPA, dono do Pão de Açúcar, Mercado Extra, e outras redes.
Sousa diz que a escalada inflacionária neste ano tem efeito na percepção de preço na “Black”. Ocorre que, nessa época, os clientes buscam mercadorias que dispararam de preço, para levar para casa a melhor promoção possível. “Itens como azeite e carnes, que subiram muito, tendem a vender bem. Mas não é com 20% de desconto que se convence eles, porque não adianta. Então, é preciso buscar um equilíbrio no que buscam e no que podemos oferecer.”
A ideia é usar a data não apenas para a venda de estoque novo, mas também para a desova de itens, mesmo com a rede, assim como parte do varejo, já com estoques mais ajustados ao longo de 2024. O GPA é forte na venda de bebidas na “Black”, mas vê espaço para aumentar mais volume em beleza, limpeza e itens para “pets”.
Já o segmento de eletrônicos e tecnologia, dependente de crédito num ambiente de juros altos, deve ter desempenho mais discreto. Segundo Ornelas, o mercado tem projetado receita estável frente a 2023, com queda em volume.
O Valor fez um levantamento do nível de estoque de varejistas abertas de 2019 para cá. Parte do estoque a ser vendido na “Black” entra nas contas de setembro. O balanço do terceiro trimestre ajuda, portanto, a identificar melhor o humor das redes para a data.
Houve leve aumento no valor estocado nas redes de moda em relação aos últimos quatro anos. Mas redes de móveis e eletrônicos reduziram o montante, como parte de uma “limpa” para reduzir custos e ampliar eficiência. Foram coletados dados no balanço de julho a setembro de Magalu, Casas Bahia, Renner, C&A e Riachuelo.
Segundo a diretoria da Riachuelo, a projeção é de alta de dois dígitos sobre 2023, com vendas de três a quatro vezes superiores à média diária anual. Para atender à demanda, a rede ampliou em cerca de 2,5 vezes a área do on-line no centro de distribuição de Guarulhos (SP), disse Carolina Guimarães, diretora executiva de ecommerce da rede.
Números gerais do IBGE mostram o quadro de vendas na “Black” no Brasil, e dão uma noção melhor de como não andou fácil a vida das empresas na data. Na “Black” de novembro 2023, houve alta de 5,2% em receita, pouco acima da inflação. Em 2022, o volume andou de lado e foi a escalada dos preços que segurou a receita, mostra levantamento do Valor na planilha de dados da PMC (com ajuste sazonal).
A Black Friday tem forte peso estratégico, e influencia nos planos das redes no Natal. Se a “Black” vai muito bem, pode “matar” a venda do Natal, mas se a data for melhor trabalhada pelo marketing e comercial, a escolha certa das ações pode favorecer a venda nas duas datas.
Para se ter uma ideia desse impacto, novembro e dezembro são de 20% a 30% maiores, em vendas, do que a média de um mês normal. Errar na estratégia é perder faturamento e rentabilidade. Na prática, as encomendas de Natal já foram feitas e a entrega de boa parte dos produtos já ocorreu. Mas, se algum produto foi mal na “Black”, ele entra na queima de dezembro ou de janeiro. Ou pode indicar algum novo comportamento de compra.
“A ‘Black’ deve dar o tom do mês de dezembro e para o Natal. Como há previsões melhores neste ano para a ‘Black’, acreditamos também num Natal mais forte que em 2023″, diz Lorenzetti, da Neotrust.
Fonte: Valor Econômico