Por Natália Flach | Boa parte dos brasileiros não se sente representada pelas campanhas publicitárias veiculadas no país, ainda que nos últimos anos os anúncios tenham se tornado mais diversos, com a inserção de integrantes de grupos minoritários e identitários nas peças. Essa é a conclusão de uma pesquisa elaborada no fim de outubro pela consultoria Ponto MAP, em parceria com a V-Ask, com 1.067 pessoas, a pedido do Valor. O resultado serve de alerta para agências e anunciantes, afinal, a identificação com os comerciais influencia em algum nível a decisão de compra de 45% dos brasileiros.
Uma das explicações para essa dissonância entre o que é apresentado e o que é percebido está no fato de que quase a metade dos entrevistados não considera a diversidade como um valor intrínseco das marcas; e, sim, como uma estratégia de marketing usada para seguir tendências ou atender exigências sociais. Não por acaso, 52% dos respondentes dizem que a representação de pessoas negras, idosas e LGBTQIA+, por exemplo, é feita de forma estereotipada.
Tanto é que 32% das pessoas que se identificam com alguma minoria só se veem representadas esporadicamente nas peças. Outros 27% dos brasileiros dizem que nunca ou raramente encontram atores como eles nas propagandas. Ainda assim, 65% afirmam que houve evolução na pluralidade dos comerciais, seja em quantidade ou qualidade.
Mas, afinal, o que é diversidade nos anúncios? Para 42% dos entrevistados, o termo se refere a atores com diferentes padrões de beleza, cor de pele e orientação sexual. Já 36% ampliam a percepção ao acrescentar crenças e realidades econômicas. “A magia da propaganda é vender o sonho, mas sem se esquecer de quem está sonhando”, diz a presidente da Ponto MAP, Marilia Stabile. A executiva acrescenta que a inclusão da diversidade nos anúncios é um caminho sem volta e que as marcas precisam ser coerentes nas narrativas. “Não adianta só posar, precisa ser.”
A fundadora da agência Nós, Emília Rabello, faz coro ao dizer que a autenticidade traz resultado para os anunciantes, principalmente porque o consumidor vira um defensor da marca. “Houve avanços, mas o movimento é ainda uma marola perto do potencial da diversidade nas campanhas, na dramaturgia, no cinema e no teatro. Enfim, em toda a indústria criativa. O pouco já feito, entretanto, já foi o suficiente para o Brasil se olhar no espelho”, diz.
O segundo censo de diversidade das agências brasileiras, publicado em setembro, mostra que houve queda no número de mulheres negras que trabalham no setor. O estudo elaborado pelo Observatório da Diversidade na Propaganda, pela consultoria Gestão Kairós e pelo Sindicato das Agências de Propaganda (Sinapro), mostra que esse grupo representa hoje 17% do quadro geral de funcionários, um recuo de quatro pontos percentuais em relação ao passado.
Na contramão está a agência Estúdio Ondina que só contrata mulheres. A ideia da fundadora, Alexia Chlamtac, é dar oportunidade para as profissionais que muitas vezes são tidas como ‘de segundo escalão’ em termos salariais. “Somos uma empresa que tem um olhar para outras minorias, como LGBTQIA+. Não posso ter bagunça de discursos, por isso a gente escolhe os clientes que melhor se adequam às nossas diretrizes”, explica. Sobre a contratação de mulheres negras, a executiva diz que faz uma busca ativa pelas profissionais. “Não posso supor que as candidatas vão encontrar as vagas, eu é que vou atrás”, afirma, acrescentando que a companhia deve crescer 148% no ano que vem.
Outra empresa que tem uma linha definida de atuação – voltada para minorias – é a gestora Agbara. O fundo filantrópico investe em iniciativas de mulheres negras, com formação técnica sobre gestão e plano de negócios. “Elas precisam superar inúmeros desafios, e a autoestima é um deles. Por isso, falamos muito sobre a importância da população negra para a economia e para a criação de tecnologias”, explica a diretora-executiva, Aline Odara.
Já a Natura se comprometeu a alcançar 30% de profissionais de comunidades sub-representadas em cargos de gestão – considerando aspectos como diversidade étnico-racial, de gênero e LGBTQIA+, desfavorecidos social e economicamente e pessoas com deficiência. Além disso, foi além da meta dos 30% de mulheres em posições de liderança dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, alcançando 50% no ano passado. Não à toa, foi uma das empresas mais lembradas na pesquisa da Ponto MAP como promotoras de diversidade nas campanhas.
“Mais do que uma crença, a diversidade precisa ser traduzida em ações práticas para que de fato ocorra uma mudança de paradigma e construção de uma sociedade mais equânime. Por isso, ela permeia ao longo dos anos nossas campanhas, projetos patrocinados e ações com influenciadores”, diz a diretora de marketing e líder de pesquisa e desenvolvimento da Natura e Avon, Tatiana Ponce.
A diversidade faz parte do dia a dia da Renner. As mulheres representam 65% do quadro de colaboradores, mais de 60% das posições de liderança e 45% da alta liderança. “Nossas campanhas sempre buscam representar a pluralidade da sociedade brasileira, traduzindo diferentes estilos e realidades por meio da comunicação”, afirma a diretora de marketing do ecossistema da Lojas Renner, Renata Altenfelder. Mais recentemente, a campanha do Dia das Crianças discutiu temas como inclusão, diversidade e autoestima.
Para a diretora de marketing da Unilever, Andreza Graner, a diversidade é um imperativo do negócio. As pessoas querem, cada vez mais, se sentir representadas, vistas e ouvidas, diz a executiva, que destaca a campanha global de 2004 do sabonete Dove, que mostrava mulheres de diversos padrões. Foi idealizada e desenvolvida por brasileiros e tornou-se um marco na comunicação da marca. “Hoje a ‘Beleza Real de Dove’ é percebida como uma verdadeira missão de longo prazo.”
A abordagem da varejista de moda C&A abrange várias frentes. Um exemplo foi a coleção Identidades, de 2022, com peças criadas por estilistas negros e indígenas. No ano passado, foi lançada uma coleção com Robertita, criadora de conteúdo negra. “Há mais de 25 anos, a C&A escolheu ousar e apostar em campanhas que quebram padrões, como na icônica escolha de um bailarino negro [Sebastian Soul, em 1990] para ser nosso garoto-propaganda numa época em que a publicidade não refletia a sociedade. Esse compromisso nunca foi uma questão de tendência ou demanda de mercado, mas de acreditar genuinamente que a moda precisa ser inclusiva”, diz a gerente-sênior de Marketing da C&A, Mariana Prado.
Fonte: Valor Econômico