Por Jacilio Saraiva | Sustentabilidade e lucro podem morar debaixo do mesmo teto. Quem garante é João Paulo Ferreira, CEO da Natura, multinacional brasileira que adota um relatório único, com dados financeiros e de sustentabilidade, desde antes da abertura de capital, em 2004. “Não existe incompatibilidade em gerar progresso econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental ao mesmo tempo”, diz o executivo, em depoimento a Stela Campos, editora de Carreira do Valor, e Juliana Prado, da CBN, no novo episódio do podcast CBN Professional.
Além da caminhada da gigante de cosméticos na jornada de descarbonização das operações, Ferreira relata episódios importantes da carreira, como a passagem de 20 anos pela Unilever, e o que precisou mudar ou aprender no comando da Natura a fim de realizar uma gestão centrada no cuidado com o social e o meio ambiente.
Na empresa desde 2009 e CEO a partir de 2016, ele conta que a trajetória no mundo corporativo não foi planejada. “Sou engenheiro e imaginei que ia projetar softwares e computadores”, lembra o ex-aluno de engenharia elétrica da Universidade de São Paulo. “Antes de me formar, trabalhava com desenvolvimento de sistemas e, ao chegar à Unilever, a intenção era atuar na área técnica.”
Ferreira ingressou na companhia em 1990. Em duas décadas de casa, especializou-se em campos críticos para qualquer corporação interessada em um ritmo de crescimento contínuo. “Entrei em um projeto que visava a automatizar a cadeia de valor da empresa”, conta. “Me encantei, fui para a área industrial, e para a logística, onde fiz carreira no Brasil e nas Américas.”
Foi nessa época que acumulou experiências de liderança que guardaria para sempre. “Na indústria, tive contato com os desafios sociais dos colaboradores do chão de fábrica”, diz. Era o início dos anos 1990 e a empresa começava a introduzir nas plantas processos de gestão autônoma, a fim de usar o capital humano para além das atividades de manufatura, afirma.
O gestor relata que à medida que os funcionários eram capacitados e recebiam melhores condições de trabalho, ele passou a conhecer melhor como viviam fora do ambiente de produção, a partir de prismas como o acesso à renda digna, alimentação e educação. “Essa foi a primeira vivência importante na carreira”, afirma. “Fui estudar psicologia social do trabalho para entender como conciliar os arranjos de capacitação do quadro com os problemas sociais.”
Depois de 20 anos de dedicação, sendo boa parte deles na vice-presidência de supply chain, sentiu que era hora de avaliar novas perspectivas. “A Unilever é uma empresa admirável, com a capacidade de formar executivos excelentes”, sustenta o profissional, que participou de projetos em países como Austrália, Índia e Turquia. “[Mas] Eu pensava nas possibilidades futuras e achava que estava começando a me repetir.”
Na Natura, o primeiro cargo foi a vice-presidência de operações e logística, um segmento que conhecia bem, mas que não o isentou de novos desafios. “A empresa estava em um período de forte crescimento e problemas na disponibilização de mercadorias afetavam não apenas o avanço da operação, mas a relação com clientes e consultoras”, revela. “Para profissionais de logística, servir bem o cliente é um dos mantras. Agora, quando aprendemos que uma consultora que não recebe os produtos pode não conseguir gerar renda para colocar comida na mesa, a escala do que é ‘servir’ muda completamente.”
Ferreira conta que a missão entregue a ele foi redesenhar toda a cadeia de distribuição de produtos. Porém, na Natura, tudo o que a gente faz tem que ter resultados financeiros, sociais e ambientais, acrescenta. A receita foi combinar efeitos positivos tanto na fabricação como na entrega dos itens, diz. “Criamos o Ecoparque [centro tecnológico que pesquisa ativos e leva negócios para a região], no Pará, um exemplo de simbiose industrial que se relaciona com as comunidades extrativistas, gerando valor e renda; e um centro de distribuição inclusivo, em São Paulo, onde 20% dos colaboradores têm algum tipo de deficiência.”
Para dirigentes de companhias que visam a operar com resultados econômicos integrados a pilares sociais e ambientais – a Natura é carbono neutro desde 2007 -, o CEO aconselha investir em conhecimento. “É preciso descarbonizar. Não apenas eu, mas todos os executivos que estão na companhia temos de estudar muito [sobre o tema]”, diz.
Fonte: Valor Econômico