Por Natalia Viri | Mudanças de comando são sempre complexas. Mas, no caso da Reserva, a saída de Rony Meisler – ainda que não completamente inesperada nos bastidores – trouxe um peso ainda maior.
“Quando cheguei, minha principal preocupação era manter a cultura”, afirma Ruy Kameyama, em sua primeira entrevista como CEO da AR&Co, unidade de negócio da Azzas que reúne, além de Reserva, marcas como Oficina, Simples e Baw, de streetwear.
“Rapidamente fiquei tranquilo por causa do time que está aqui. Encontrei uma equipe fora de série, que tem o DNA das marcas, da companhia como um todo.”
Os oito diretores da AR&Co, que têm entre 8 e 14 anos de casa, passaram a se reportar a ele, agora amarrados a um novo plano de retenção de longo prazo.
Nas últimas semanas, houve uma maratona de passagem de bastão. Foram quatro convenções, com os 2 mil funcionários, franqueados, fornecedores e multimarcas, em que Meisler fez pessoalmente a transmissão do cargo para o novo CEO.
Ambos já eram conhecidos de longa data: Kameyama traz uma ampla bagagem no varejo, nos seus 16 anos na BR Malls, seis deles como diretor-presidente da companhia que se tornou uma das maiores administradoras de shopping centers no país e se fundiu com a Alliansce, formando a Allos, no começo de 2023.
Desde o ano passado, também sentava no conselho do Grupo Soma e faz parte do board da Azzas – um função que deve acumular pelo menos até o fim deste ano.
Ainda que os perfis dos dois sejam diferentes, Kameyama rechaça a alcunha de um executivo mais ‘financeiro’, e vê similaridades entre a BR Malls e o momento da Reserva.
“Sou uma pessoa de gestão e de liderar times. Na BR Malls, foi um processo de crescimento acelerado, de consolidação, gestão e integração. Muitos desafios são parecidos”, aponta.
A transição tem sido, suave, diz. As vendas de inverno 2025 para franqueados e multimarcas, que já estão sendo fechadas, mostraram um crescimento de mais de 20% comparado com a mesma temporada deste ano.
“E isso já depois do anúncio da transição do Rony para essa nova equipe. Acho que demonstra de uma forma inequívoca que os parceiros mais próximos têm confiança na marca, no time e nessa gestão que estamos conduzindo”, aponta.
Eficiência
À frente de um grupo que fatura R$ 1,6 bilhão e vem crescendo a taxa de dois dígitos altos nos últimos anos, Kameyama tem o desafio de manter essa expansão, ao mesmo tempo em que lidera uma agenda de maior eficiência.
“Meu principal foco é crescimento, inovação, produto. Mas, respeitado isso, temos oportunidades de olhar para dentro, avaliar as oportunidades que a escala atual já nos permite e ao mesmo tempo aproveitar as sinergias que fazer parte de uma plataforma como a Azzas”, diz.
Entre alguns investidores, há a percepção de que a Reserva poderia ser mais eficiente em termos de capital de giro e estoque, mas Kameyama minimiza essa questão. “Já ouvi essa conversa, mas o que encontrei foram métricas muito padronizadas, em linha com a média do mercado”, aponta.
Segundo ele, as possibilidades de evolução vêm principalmente da integração, com oportunidades em fornecedores em comum e evitar duplicidade em investimentos em tecnologia, por exemplo.
Nesse sentido, um dos frutos mais baixos é o uso da capacidade fabril da Hering, especialmente em malharia – camisetas são o item mais relevante nas vendas da Reserva. “Em novembro e dezembro, já começamos parte do fornecimento pela fábrica da Hering. A ideia é ir ajustando escalar em 2025”, afirma.
Novo dono – de novo
A compra pela Arezzo &Co, em 2020, já trouxe certa experiência do potencial da extração de sinergias. A mais óbvia delas foi a entrada mais robusta no segmento de calçados.
No ano passado, a Reserva Go, marca de calçados do grupo, já faturou R$ 270 milhões, mais que o dobro de dois anos antes.
“Não só internalizamos a produção [dos calçados], mas principalmente aprendemos muito sobre o sell-in”, diz Joana Bittencourt, diretora de marketing das chamadas marcas ‘Pica-pau’, que nasceram a partir da Reserva.
Com uma fortaleza na experiência de loja e venda para o cliente final (o chamado sell-out), a AR&Co começou a beber da fonte da experiência do grupo Arezzo com franquias e multimarcas – um aprendizado que se estendeu para todas as marcas.
Hoje, a empresa tem cerca de 100 franquias, que representam cerca de 10% do faturamento e a ideia é seguir escalando o modelo. “A maior oportunidade de crescimento que temos hoje é em franquias”, diz Kameyama, que vê espaço para pelo menos 70 novas lojas, voltadas sobretudo para cidades de menor porte.
“Hoje estamos em 900 municípios no Brasil, já temos mais 300 mapeados, sobretudo em multimarcas e franquias”, diz.
O avanço passa por novas modalidades de lojas, como a franquia ‘light’, com menor metragem, sortimento e investimento por metro quadrado. Na mão oposta, a Reserva também vê espaço para expandir seu modelo de flagship, a Casa Reserva, que reúne todas as sub-labels num só espaço.
A unidade inaugural, no Shopping Morumbi, já resultou num aumento de 76% nas vendas em relação ao modelo anterior, aponta o CEO. “Temos espaço para termos uma ou duas flagships em cada uma das grandes capitais. O interesse das administradoras de shoppings é muito grande.”
Marcas Pica-Pau
A extensão das linhas da Reserva é outro modelo que o CEO deve continuar apostando. Hoje, submarcas como Mini, Go e Reversa [de vestuário feminino] já representam um terço do faturamento.
Na semana passada, o grupo já lançou a Reserva Praia, em Trancoso, na Bahia, abastecida em grande parte pelo suprimento de beachwear já disponível nas outras lojas, mas com uma nova coleção exclusiva.
Outra aposta, já para o começo o ano, é de uma linha de athleisure, a interface entre moda, esporte e tecidos tecnológicos, com modelos que vão da academia ao trabalho.
“Acompanhamos muito as mudanças no lifestyle dos nossos clientes esse é definitivamente um nicho com potencial”, diz Kameyama. A ideia é lançar como corners dentro das lojas, e, a depender do sucesso, desdobrar num modelo de loja própria. “É quase como ter um laboratório dentro das lojas. São essas inovações que trazem sempre frescor para a Reserva.”
As ‘insurgentes’
Há ainda um grande potencial em novas marcas, aquelas que surgiram fora do universo da marca do pica-pau.
O destaque aqui fica por conta da Oficina Reserva, empresa de alfaiataria e tecidos tecnológicos, mais premium.
Adquirida em 2018 apenas como ecommerce, ela saiu de um faturamento de R$ 10 milhões em 2020 para quase R$ 200 milhões – ultrapassando sozinha, inclusive, a Foxton, moda de masculina do Grupo Soma, que teve receita de R$ 130 milhões no ano passado.
A marca foi a que recebeu a maior quantidade de investimentos da AR&Co neste ano, quando chegou a 29 lojas, principalmente no eixo Rio-São Paulo. “Já estamos nos tornando uma marca nacional, com expansão para o Nordeste e o Sul”, diz Gabriel Zandomênico, fundador da Oficina e hoje diretor das chamadas marcas “insurgentes” dentro da AR&Co.
No outro extremo, a empresa mantém a aposta na Simples, de moda básica mais acessível. Se num primeiro momento, havia a expectativa de que a marca pudesse ser descontinuada pós-fusão com o Soma pela sobreposição com a Hering, hoje o entendimento é que há espaço para ambas.
“O mercado endereçável nos produtos mais acessíveis é muito grande”, diz Kameyama. “Entramos com uma aceitação muito grande em multimarcas este ano e a Simples está mais que dobrando de tamanho.”
Fusões e aquisições seguem no radar, mas não no curto prazo.
“Temos capacidades desenvolvidas no grupo que podem ajudar qualquer marca. Dito isso, acho que já temos uma agenda grande do que queremos realizar em 2025. M&As são uma opcionalidade para médio e longo prazos.”
Fonte: Exame