Por Lucianne Carneiro | Nas análises de macroeconomia, tradicionalmente economistas se referem à participação do consumo das famílias como sendo de cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Estudos mostram que essa parcela é ainda maior, quando se considera também a contribuição das despesas do governo convertidas em oferta de serviços públicos e a das chamadas instituições privadas sem fins lucrativos (IPSFL), ligadas à filantropia.
Um trabalho de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) calcula a despesa do consumo final total das famílias, que inclui na conta os serviços não mercantis, gratuitos ou a preços não significativos que são destinados às famílias. Na parte do governo, entram serviços de saúde e educação, entre outros. Na conta de filantropia, são contabilizados serviços de apoio às famílias, como creches e asilos, por exemplo.
Pelas contas do estudo do FGV Ibre, a parcela de despesas do governo em relação ao PIB pouco oscilou ao longo do período de 2000 a 2021. No primeiro ano do levantamento, essa fatia era de 18,8%, chegou ao pico de 20,4% em 2016, permaneceu em torno dos 20% até 2020 e voltou a 18,5% em 2021, último dado disponível. O indicador é produzido a partir das informações das Contas Econômicas Integradas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponíveis apenas até 2021.
Na avaliação de Roberto Olinto, um dos autores do estudo, a participação ficou “praticamente estável” ao longo das duas décadas e o dado sinaliza que os aumentos de gastos do governo nos últimos anos não estão gerando “oferta equivalente de serviços públicos”.
“Isso é uma questão dramática”, afirma ele, que escreve o artigo ao lado de Claudio Considera. Os dois foram responsáveis, em épocas diferentes, pelas Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), área que calcula o Produto Interno Bruto (PIB). “O gasto do governo está aumentando em itens ou rubricas que não são diretamente associadas à oferta desses serviços”, diz.
De 2000 a 2021, a despesa de consumo final total das famílias foi de 81,5% do PIB em média, mostra o estudo. O consumo das famílias respondeu por 60,7%, a despesa das instituições IPSFL por 1,5% e a do governo, por 19,3%. Os dados mostram a composição do PIB pela ótica da demanda. Assim, a diferença para os 100% do PIB é feita pela soma dos investimentos – medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – e das exportações, descontadas as importações.
Em 2000, a despesa de consumo das famílias era de 62,9% do PIB. Depois, reduziu para a faixa do 58% até 2012, quando volta a aumentar chegando a 63,7% em 2019, sua maior participação na série histórica. Em 2020, cai a 61,8% e, em 2021 a 60,1%. Os serviços das IPSFL variam entre 1,3% – o menor nível, atingido em 2021 – e 1,8%, em 2006. Segundo Olinto, as despesas de consumo do governo também ficam em torno da média no período: “A variação das despesas, em relação à média, é muito pequena para todas as três”, diz.
Os dados das Contas Econômicas Integradas – que permitem o detalhamento – relativos aos anos de 2022 e 2023 só serão divulgados pelo IBGE em 2025. Para Olinto, a proporção do consumo das famílias em relação ao PIB deve ter crescido em 2022 e em 2023, assim como a dos gastos do governo, diante de ampliação de serviços públicos.
“O PIB está crescendo mais e o salário está avançando, dá para ver em outras estatísticas. Então a expectativa é de aumento na renda disponível das famílias e do seu poder de compra. A tendência em 2023 e 2024 é de alta, mas as oscilações são pequenas”, afirma o ex-presidente do IBGE.
Na sua avaliação, as estatísticas disponíveis apontam para uma ampliação dos serviços públicos, o que indica aumento do consumo do governo. “Espera-se que gradativamente vá ter uma melhora do consumo do governo. Mas esses movimentos são lentos, a estrutura não muda rapidamente”, diz.
Economista sênior da LCA Consultores, Francisco Pessoa Faria explica que é possível detalhar as informações sobre os gastos do governo, como proporção do PIB, para retratar melhor o quanto dessa despesa entra como contribuição direta para o bem-estar das famílias.
Faria divide essa parcela do gasto do governo em dois grupos: o primeiro inclui o que chama de despesas coletivas e o segundo, de despesas individuais. As despesas coletivas são as ligadas à manutenção e à máquina pública. As despesas individuais, por sua vez, são contabilizadas quando há uso efetivo pelas famílias do serviço oferecido pelo governo, como é o caso de crianças que frequentam escolas públicas ou quando uma pessoa é atendida em um hospital público.
Dessa forma, defende, é possível apontar o que, do gasto do governo, entra como contribuição direta para o bem-estar das famílias. Na sua análise, os anos de 2022 e 2023 podem ter algum aumento da oferta de serviço público – e de sua parcela no consumo das famílias frente ao PIB – por causa da expansão do PIB da administração pública, sinalizada também pelo aumento de servidores que tem sido mostrada na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua, com recordes de contratação no setor público.
A avaliação é compartilhada pelo economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que acredita em alguma reversão da deterioração da geração de renda pelas famílias nos próximos anos. “Tanto a recessão quanto a pandemia diminuíram participação da renda das famílias em detrimento de empresas não financeiras nos últimos anos, o que demonstra que nesse período as famílias não conseguiram se proteger das perdas decorridas da recessão e da pandemia e as empresas, com maior capacidade de tomada de crédito e mitigação de risco, conseguiram avançar”, afirma Vale.
Fonte: Valor Econômico