Por Helena Benfica | Diante da saída de competidores importantes nos últimos anos, a disputa nacional no mercado de delivery de comida se consolidou entre iFood e Rappi. Ambas as plataformas têm planos distintos para escalar suas operações no Brasil.
O mercado de delivery no Brasil cresceu 50,8% entre 2019 e 2023, movimentando R$ 139 bilhões, segundo a Euromonitor Internacional. Os dados consideram vendas por aplicativos próprios e independentes, WhatsApp, telefone e site. A expectativa é que até 2028 esse mercado avance 6,9%.
Com mais de 80% de participação no país, de acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o iFood tem como prioridade expandir seus negócios de entrega organicamente, mas não descarta aquisições para acelerar as operações em novos segmentos, afirma Fabricio Bloisi, presidente da Prosus, grupo holandês de investimentos que controla o iFood desde 2022, em entrevista ao Valor.
Bloisi assumiu a companhia em junho deste ano, após quase 11 anos no comando do iFood.
Avaliada em € 132,1 bilhões, a Prosus possui investimentos em cerca de 90 empresas, incluindo a OLX e a empresa de tecnologia chinesa Tencent, dona do WeChat. Em delivery, eles também controlam as alemãs Delivery Hero e Flink, a norueguesa Oda e a indiana Swiggy.
Segundo Bloisi, o grupo tem US$ 15 bilhões em caixa – cerca de R$ 82 bilhões – para investir em inovação, e o Brasil deve receber uma parcela importante desse valor. O prazo para eventuais aportes não foi informado.
“Estamos trabalhando ativamente em vários investimentos, incluindo aquisições no Brasil, como o iFood e com a Prosus”, diz. Segundo o executivo, a prioridade no momento são ventures, empreendimentos novos com alto potencial de crescimento e inovação.
Em junho, a plataforma comprou a startup de serviços financeiros Zoop, fortalecendo a frente de banco digital, o iFood Pago.
Nessa frente, a companhia ainda tem o iFood Salão, serviço de totens de autoatendimento para pedidos nos estabelecimentos, a ‘Maquinona’, maquininha de pagamentos e o app de atendimento ‘Garçom’. “Estamos crescendo não só pelo aplicativo, mas penetrando cada vez mais na entrega de comida no salão”, afirma Bloisi.
O lucro operacional do iFood somou US$ 96 milhões no ano fiscal encerrado em março de 2024, alta de 249% em base anual, “apoiado pela otimização dos gastos com marketing e maior controle de custos”, conforme o balanço da Prosus.
Vale lembrar que há um ano o iFood teve que ajustar suas operações no país devido à assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que impôs limitações aos contratos de exclusividade firmados com redes de restaurantes com mais de 30 estabelecimentos.
O termo foi o resultado de três anos de um processo administrativo iniciado pela autarquia a pedido de concorrentes como Rappi, Uber Eats, 99Food e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
Ao longo desse processo, dois principais concorrentes da líder do delivery – Uber e 99 -, cancelaram suas operações de delivery no país.
Para Simon Borrero, CEO e co-fundador da colombiana Rappi, era praticamente “impossível” operar com o mercado bloqueado pelos contratos de exclusividade. “O iFood conseguiu bloquear a maioria dos parceiros no Brasil e isso fez com que todos os grandes saíssem do país”, disse. Borrero diz que ainda será necessário mais um ano para que os efeitos do termo se reflitam na dinâmica do mercado
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, afirma que a Rappi teve um crescimento relevante no último ano, mas ainda sobre uma base pequena. “Não acredito que serão um player forte só com crescimento orgânico”, avalia Solmucci. O executivo acrescenta que diante dessa abertura “é pouco provável” que o mercado continue com só essas duas opções. A empresa americana DoorDash chegou a sondar o mercado brasileiro em 2023, mas as conversas não avançaram na época.
Para Sérgio Molinari, da consultoria Food Consulting, a abertura do mercado não será tão simples. “Isso dependeria de fragilidades do iFood que ele não tem demonstrado”. Seja por contrato de exclusividade, ou por gerar mais vendas, a plataforma conseguiu trazer para debaixo de suas asas a grande parte dos estabelecimentos preferidos pelo consumidor, afirma Molinari.
Enquanto isso, a Rappi segue focada em expandir a vertical de entregas ultrarrápidas “Turbo” no país, que acredita ser o seu grande diferencial. Dos nove mercados em que atua, o Brasil é o 3º mais importante para a companhia, atrás da Colômbia e México.
Na frente de Turbo Supermercados, que opera há dois anos, a companhia conta com 50 lojas, todas próprias, distribuídas por 12 cidades nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. Hoje em dia, cada loja conta com uma variedade média de 2,7 mil produtos no catálogo. A meta é encerrar o ano com cerca de 4 mil.
No caso do Turbo Restaurantes, por sua vez, o serviço foi iniciado no país há cerca de 9 meses. Atualmente, a vertical representa 2,5% do total de pedidos em restaurantes e a meta é chegar em 10% até o final de 2025. Para alavancar esse modelo, a plataforma fechou uma parceria com a rede Habib’s em agosto.
Em termos de cobertura, o serviço está disponível apenas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. “O [crescimento] do projeto vai depender 100% de abertura de novas zonas”, afirma Santiago Franco, líder global de Turbo Restaurantes. Apesar de reconhecer a importância de chegar em novas praças, Franco diz que a prioridade para esse ano é ganhar mais força nos dois mercados atuais.
Importante considerar que a Rappi está nos preparativos para realizar uma oferta pública de ações (IPO na sigla em inglês). Isso tende a exigir da companhia resultados mais positivos e sustentáveis, a fim de atrair o interesse de futuros investidores. Segundo Borrero, em 12 meses toda a parte burocrática deve estar finalizada. A partir desse prazo, a empresa passa a avaliar janela de oportunidade para fazer a listagem na Bolsa de Nova York, a alternativa mais provável.
A repórter viajou a convite da Rappi
Fonte: Valor Econômico