Por Guilherme Guerra | O aplicativo de delivery Aiqfome, comprado pelo Magalu em 2020, voltou a crescer pelo que chama de Brasil profundo: são cidades com até 200 mil habitantes, um jeito de se diferenciar dos apps que dominam as metrópoles. Depois de dar uma pausa na expansão nos últimos dois anos para se concentrar em ajustes na operação, a empresa adicionou 35 municípios nos últimos dois meses, num total de 700 – ficando atrás somente do iFood na capilaridade geográfica.
No país, o iFood tem mais de 80% do market share e está presente em 1,5 mil cidades, sendo um terço no interior. A colombiana Rappi está presente em 140 municípios brasileiros, na terceira posição. Quando chegar à marca de mil municípios, o Aiqfome quer enfim ir para os grandes centros urbanos e competir com o gigante nacional.
“Vamos chegar aos grandes centros urbanos nos próximos cincos anos. Mas ainda há muito trabalho a se fazer nesse Brasil profundo”, conta Igor Remigio, CEO do Aiqfome e um dos fundadores, ao lado de Steph Gomides, hoje COO. “Abocanhar mais do que você consegue mastigar é ruim.”
A expansão do Aiqfome pelo Brasil acontece por meio de parceiros licenciados que atuam em uma cidade ou região — são 286 desses ao todo. Remigio, que desenhou o formato em 2014, chama esse modelo de Frankenstein, porque não se trata nem de franqueamento nem de filial própria, mas é o que funciona melhor para o crescimento da empresa, já que é de menor custo e permite uma relação mais direta com a pessoa envolvida na licença, geralmente um vendedor com conhecimento da região local. Em média, os restaurantes geram R$ 350 mil por mês nas cidades onde atuam, e 12% a 18% desse valor é dividido entre a empresa e os licenciados.
O Aiqfome aposta no que chama de modelo “ganha-ganha”: tenta repassar taxas menores para lojistas, com preço mais atrativo para os consumidores. Além da digitalização do cardápio e a plataforma para pedidos, o negócio conta com entregadores próprios (que recebem integralmente pela entrega e recebem um valor adicional em feriados ou dias de chuva) ou deixa a entrega a cargo dos próprios lojistas, que podem usar motoboys próprios. As taxas de comissão podem ser de 12% ou 22% (neste caso, quando a entrega é feita pelo Aiqfome), com mensalidade de R$ 89,90 para lojistas com faturamento acima de R$ 2,5 mil e taxa de pagamento de 2,99% sobre cada transação realizada na plataforma.
Vai ser esse o modelo a ser replicado para as capitais, onde o Aiqfome vai competir de frente com o iFood — no rival, as taxas de comissão são de 12% e 22%, mensalidade de R$ 110 ou R$ 150 para parceiros com vendas acima de R$ 1,8 mil ao mês e taxa de pagamento de 3,2%. Segundo o Remigio, a empresa quer peitar o rival ao se oferecer como uma alternativa às grandes redes de restaurantes, que têm vindo a público se queixar da concentração no ramo de delivery em um único player.
A rede Giraffas é um exemplo. Numa entrevista no ano passado, o CEO da Giraffas, Carlos Guerra, definiu o segmento como “quase um monopólio” no Brasil e criticou as taxas cobradas para operar nas plataformas — nos últimos anos, a empresa não conseguiu sucesso ao tentar reduzir a dependência do iFood, mesmo depois de lançar uma marca própria de marmitas (o Saffari, disponível como loja no iFood), descontinuar o Storo (de hambúrgueres) e apostar num “superapp” de delivery, o Quiq (lançado em 2021 e encerrado em 2024).
“Está claro para todo mundo, do McDonald´s ao empreendedor que vende coxinha, que essa concentração de mercado não é saudável”, diz Remigio. O iFood procurou o executivo três vezes (em 2014, 2016 e 2018) para comprar o Aiqfome, mas o modelo de aquisição “agressivo” não agradou o fundador. “Eu tinha o desejo de me manter na operação, e não de realizar uma saída ou vender o negócio”, diz. A proposta do Magalu, negociada em três meses em 2020, respeitava essa vontade.
Tanto a pandemia quanto a aquisição pelo Magalu foram catapultas para o negócio. Desde 2018, o Aiqfome saltou de R$ 70 milhões em vendas por ano para R$ 1,3 bilhão em 2023, impulsionado pela digitalização da pandemia e pela integração ao ecossistema digital da varejista brasileira. Durante o período de restrições de circulação, a empresa decidiu entrar no maior número possível de cidades, chegando ao pico de 40 novos municípios em um único mês. Também explorou novos negócios no setor de restaurantes, como uma ferramenta de gestão (o GranChef, adquirido pelo Magalu em 2020 para integrar ao Aiqfome) e de atendimento via chatbot (o app Geraldo).
Em 2022, porém, o fôlego pandêmico caiu e, aí, o negócio teve de ser ajustado para se adaptar à alta dos juros globais e ao fim do isolamento social, que diminuiu a demanda dos consumidores por pedidos de delivery. “Não tínhamos times nem produto para acompanhar a evolução de todas as cidades, então decidimos ter um negócio mais racional, parar de abrir novas cidades e focar em produtividade”, explica Remigio. “O pós-pandemia tirou o crescimento anabolizado do delivery.”
Os quatro anos sob o grupo Magalu fizeram uma baita diferença para o Aiqfome, diz Remigio. Segundo o CEO, visibilidade de marca, acesso ao MagaluPay, trabalho de backoffice, ajuda com aquisições e reuniões com lideranças experientes do conglomerado foram os principais pontos da aquisição, cujo valor do negócio não é revelado.
Ainda, o Magalu e o Aiqfome trabalham para ampliar o negócio de hiperlocalidade nas compras. A ideia é que itens de mercado ou até pedidos de restaurantes possam ser feitos no site da varejista, com entrega em minutos graças à integração com o sistema de lojistas parceiros da empresa de delivery. Para o cliente, o mesmo app ou site poderia permitir a compra de snacks de mercado e remédios de farmácia, mas também de geladeiras, fogões e televisores.
Apesar de estar sob a alçada do grupo Magalu, a empresa de Maringá não recebeu aporte da varejista brasileira e, nos últimos quatro anos, opera no azul sozinha – como se fosse uma startup bootstrap. Para Regimio, continua não havendo necessidade de bater à porta de Fred Trajano para pedir caixa. “Não preciso desse dinheiro para rodar a operação no dia a dia. Não é que a empresa não tenha interesse, mas precisamos acertar o timing, que não é agora”, afirma o CEO do Aiqfome.
Fonte: Pipeline Valor