Por Rebecca Crepaldi | A conversão de parte das lojas do Grupo Big em Atacadão foi só o primeiro passo para a expansão da bandeira no país. Até 2027, a varejista planeja abrir 100 unidades e alcançar a marca de 470 lojas, conta o CEO, Marco Oliveira, à EXAME.
Como parte dessa expansão, a empresa adota a estratégia de incluir serviços de padaria, açougue e frios (os chamados PAFs) na maioria dessas lojas. Atualmente, das 372 unidades existentes, 157 já oferecem esses três tipos de atendimento — contando com as duas recém-inauguradas em Salvador, que fazem parte do plano das 100.
“Com o encolhimento dos hipermercados, tínhamos que acolher esse cliente do varejo. Por isso, estamos apostando nos PAFs. A cada 120 mil tíquetes, 20% consomem o PAF. Além disso, em algumas unidades há um mix de outros serviços como cafeterias, cabeleireiro, loteria e praça de alimentação”, diz Oliveira.
Em média, cada tíquete considera três pessoas. Sendo assim, em uma unidade que tem 120 mil tíquetes, circulam 400 mil pessoas. Em todo o Brasil, o Atacadão tem cerca de 25 milhões de tíquetes por mês, o que reflete num faturamento 60% vindo do B2B e 40% do B2C.
E não é de agora, mas o Atacadão também traz uma política de preços agressiva para atrair o público do varejo. “100% das lojas oferecem desconto a partir da terceira unidade.” Segundo o executivo, os valores ofertados são entre 12% e 15% mais baixos do que o varejo tradicional.
Para todos esses serviços funcionarem sem custos elevados, as novas unidades terão outra novidade: 90% das novas lojas no plano de expansão virão com a conversão de energia para fotovoltaica.
Num projeto piloto, hoje, a unidade de Itaboraí (RJ) é 100% abastecida por este tipo de energia. “O açougue, a padaria, todos esses serviços têm uma retaguarda de equipamentos de refrigeração que consomem uma grande quantidade de energia. As novas lojas já vão nascer com a fotovoltaica.”
Outra iniciativa da companhia é apostar no digital. Não só no Brasil, mas internacionalmente, o grupo tem uma política de investir no e-commerce para o varejo, com parceiros como Rappi, Cornershop e iFood. Mas não deixa o atacado de lado, com o site e o aplicativo próprio voltado para o B2B. Em termos de receita, o objetivo é alcançar a média de outras varejistas: 12% das vendas virem do digital.
Plano de expansão
O desenho será escalonado. Neste ano, o planejamento para o segundo semestre envolve a abertura de oito lojas, incluindo as duas de Salvador. Já em 2025 e 2026, haverá uma divisão em etapas para a abertura das outras 92 lojas.
Isso só será possível porque haverá mais conversões de hipermercados a caminho. “Há 40 lojas Carrefour candidatas à conversão”, conta Oliveira. Já a diferença desse número inclui as oito deste ano. A ideia é que sejam projetos orgânicos, ou seja, novas lojas.
Presentes em todos os estados do Brasil e em mais de 100 municípios, a estratégia atual é diferente da de 2017. Naquela época, o plano de expansão focava na capilaridade ao ocupar todo o território nacional. Agora, o objetivo é a consolidação.
“Em termos de porcentagem, 80% do nosso plano é consolidação, abrindo a segunda ou a terceira loja naquela localidade. Os outros 20% serão novos mercados”, diz Oliveira. O foco das novas lojas são cidades de até 80 mil habitantes que ainda não têm um Atacadão e que comportam um modelo menor adaptado.
E para além dos planos até 2027, o CEO já estuda ao menos 100 projetos. “Para cada loja que eu planejo abrir, eu trabalho em três projetos. Neste momento, eu tenho mais de 100 projetos em estudo. Todos vão se concretizar? Provavelmente não, porque muitos morrem no caminho, a depender de terreno e legislação. Eu tenho 100 em estudo, para escolher a quantidade de lojas que vão nascer.”
Fim do ciclo de conversão e captura de sinergia
A aquisição do Grupo Big — comprado por R$ 7,5 bilhões em 2022 — e as despesas extraordinárias decorrentes das conversões das lojas Big em Carrefour, Atacadão e Sam’s Club impactaram os resultados do grupo como um todo, o que se refletiu no Atacadão, que viu seu crescimento desacelerar em 2023.
“Todo esse processo de integração, com conversão de lojas, absorção de todos os funcionários, troca de bandeira, queima de estoque velho e outros movimentos trouxeram custos não correntes muito fortes”, diz Oliveira.
No primeiro trimestre do ano passado, a margem Ebitda ajustada do Atacadão recuou 1,3 ponto percentual (p.p.) para 5,6% na comparação com o mesmo período de 2022. Já no segundo trimestre de 2023, a margem Ebitda recuou 1 p.p. para 5,7%.
Os resultados menos promissores do negócio, que representa 70% da receita do grupo, impactaram o consolidado. Em 2023, o Grupo Carrefour registrou um prejuízo de R$ 795 milhões, ante lucros nos últimos três anos: R$ 1,8 bilhão (2022), R$ 2,4 bilhões (2021) e R$ 2,75 bilhões (2020).
Mas, em 2024, o cenário se inverteu — pelo menos nos dois primeiros trimestres — com o Atacadão se beneficiando das sinergias vindas do Grupo Big. “Todas as lojas integradas já contribuem positivamente. Elas deixaram de ser um passivo de despesas, de Capex para conversão, para serem unidades que geram riqueza para o grupo.”
No primeiro trimestre deste ano, a margem Ebitda ajustada do Atacadão voltou a crescer, registrando um aumento de 1 p.p. para 6,6% na comparação anual. No segundo trimestre, o crescimento foi mais modesto, de 0,4 p.p., para 6,1% em relação ao mesmo período de 2023.
De abril a junho, as vendas nas mesmas lojas do Atacadão cresceram 7,4%, ante os -4,3% do mesmo período do ano anterior. Nas lojas convertidas, esse indicador aumentou 21,4%, frente aos 12,8% do segundo trimestre de 2023. Já as vendas brutas subiram 10,2%, para R$ 22,1 bilhões, enquanto no ano anterior esse crescimento foi de 5,9%.
Com isso, o Atacadão registrou um Ebitda ajustado de R$ 1,2 bilhão, representando um aumento de 22% em relação ao mesmo período de 2023 e frente ao recuo de -10,6% em 2023. O movimento foi o maior responsável pelo impulso no Ebitda total do grupo, que alcançou R$ 1,61 bilhão, 20,2% acima do registrado um ano antes.
Marco Oliveira diz ainda que o caixa positivo das novas lojas permite “pegar um pedaço para minimizar a dívida e continuar o plano de expansão.” Segundo ele, “uma criação de loja é custosa, mas está muito dentro da geração de caixa esperada. Isso, lógico, feito com muita cautela.”
Estima-se que uma loja nova custe em torno de R$ 70 milhões, na média. Caso o plano inteiro se concretize, o investimento nas 60 lojas, considerando somente as orgânicas, giraria em torno de R$ 4,2 bilhões até 2027.
Entretanto, o que para a companhia pode se tornar uma estratégia de receita, para o mercado, pode ser um sinal de atenção. O Itaú BBA estima, para o terceiro trimestre de 2024, uma contração de 0,40 p.p. na margem Ebitda, para 6,3% na comparação anual, por dois motivos.
O primeiro fator é a projeção de crescimento das vendas nas mesmas lojas, estimada em 3%, o que seria uma desaceleração. Esta, atribuída à pressão deflacionária e à demanda mais fraca do B2B. Já o segundo motivo é a queda na rentabilidade do Atacadão, especialmente por conta do custo de implementação dos novos serviços.
Nas estimativas do banco, a margem bruta deve ficar praticamente no mesmo nível do ano anterior, em torno de 15,7%.
O BTG Pactual (mesmo grupo de controle da EXAME) também estima um crescimento das vendas nas mesmas lojas de 3% ano a ano, enquanto a concorrência deve registrar uma alta de 7% no Grupo Mateus e 3% no Assaí. Para a margem Ebitda, o BTG espera uma queda de 30 p.p. no Atacadão.
“Esperamos ver tendências desafiadoras para os varejistas de alimentos devido a uma forte concorrência e tendências inflacionárias”, diz o relatório assinado pela equipe liderada por Luiz Guanais.
O papel Carrefour (CRFB3) acumula, no ano, queda de 44%, sendo cotado a R$ 6,91 nesta segunda-feira, 21. Segundo o CEO do Atacadão, o período mais difícil de 2023, com o aumento da dívida para fazer a integração do Big, pode ter contribuído com o pessimismo dos investidores.
“Mas agora vemos que há uma tendência de baixa para a dívida, com os resultados subindo na geração de caixa para pagá-la. Ou seja, temos um futuro promissor e os últimos números mostram isso, o que pode dar um pouco mais de ânimo para o mercado investir no nosso papel”, diz Oliveira.
No primeiro trimestre de 2024, a alavancagem do Grupo Carrefour reduziu 13,4% na comparação anual, para R$ 13,54 bilhões. Entretanto, no segundo trimestre deste ano, o aumento no saldo de recebíveis descontados elevou a alavancagem para R$ 15,34 bilhões em 2024, um aumento de 16,85% na comparação anual e 13,3% na comparação mensal.
Atacadão aposta em estratégia regional para driblar desafios
Em meio a um cenário de desafios atuais, em que grandes concorrentes, como o Assaí, se expandem, e outros menores, como o Dia, enfrentam dificuldades, o Atacadão mantém uma estratégia focada na adaptabilidade regional para driblar um contexto de inflação e juros elevados, além da crescente competitividade.
Segundo o presidente da empresa, a inflação nos níveis atuais, entre 4,5% e um teto de 6%, não altera a estratégia do Atacadão. “Esse patamar está dentro do esperado.” Ele diz ainda que o Atacadão tem um papel de “regulador de preços”, principalmente em cidades menores.
“Em nossas análises, há um fato que acontece: toda cidade que abre um novo Atacadão apresenta uma inflação isolada menor do que a do país ou do estado em que está. Isso porque precificamos nossos produtos de acordo com a condição de preço que conseguimos oferecer ao cliente em função do nosso custo estrutural — e somos uma empresa de baixo custo.”
Além disso, como cerca de 50% das vendas da rede são voltadas para o B2B, há um fomento para o comércio local. O Norte do país é um exemplo de como o Atacadão molda sua operação às características locais e implementa sua política de preços.
Com um centro de distribuição em Belém de 20 mil metros quadrados, a empresa consegue dominar a logística regional. “Nossas mercadorias chegam a Macapá por cabotagem, em balsas que partem de Belém. Todo esse planejamento logístico, que inclui o conhecimento dos produtos, impostos e a dinâmica da distribuição, só é possível porque temos uma operação comercial sólida na região”, diz.
Segundo ele, antes os comerciantes precisavam viajar longas distâncias para fazer suas compras, já que não tinham volume suficiente para serem atendidos pela indústria. Com o atacarejo por perto, eles passam a ser seus fornecedores, oferecendo preços competitivos e prazos melhores. “O capital de giro desses negócios se torna o Atacadão”, diz o CEO.
Fonte: Exame