Por Talita Nascimento | O histórico de relacionamento entre grandes marcas de moda e seus fornecedores tem favorecido essas empresas na busca por uma produção de vestuário mais rápida. Enquanto a Shein não conseguiu avançar conforme o esperado na produção local, varejistas brasileiros têm se beneficiado de relações de confiança estabelecidas, adotando modelos de negócios mais previsíveis e até financiando melhorias nas instalações de produção. Essas estratégias permitem implementar um processo de produção mais ágil, capaz de se adaptar rapidamente às tendências de moda durante as estações em que as roupas são comercializadas.
Para se ter uma dimensão, a Lojas Renner afirma que, desde 2016, mais de R$ 100 milhões foram desembolsados por meio de convênios firmados em sua maioria entre a companhia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e em menor proporção com bancos parceiros. O objetivo foi tornar disponível recursos para a aquisição de máquinas, capacitação de pessoas e construção do parque fabril, assim como capital de giro. Nessas transações, a Lojas Renner atuou como garantidora da operação e, com isso, reduziu os custos das linhas aos fornecedores.
Nesse período, por meio de outro programa, foram desembolsados mais de R$ 700 milhões para antecipar aos fornecedores valores de pedidos de compra para que eles pudessem adquirir matéria-prima e aviamentos, até o limite de 30% dos valores dos pedidos em carteira dos próximos três meses. A varejista definiu seus fornecedores-chave de forma que 20% das fábricas que atendem a companhia são responsáveis por 80% dos produtos que ela vende. Nesses 20% essenciais para sua produção, a empresa concentra estas melhorias em sua cadeia produtiva.
Além desses investimentos na cadeia, o diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil, Edmundo Lima, diz que, em média, as varejistas associadas à entidade têm 70% do que comercializam vindo de fabricantes nacionais, com cerca de 30% de importados. “Há ainda as que trabalham na proporção 80%/20%”, diz. Portanto, o volume que essas companhias demandam é relevante para as fabricantes. Isso também ajuda a explicar porque na hora de decidir fazer testes de produtos, para eventualmente escalar determinadas peças, os fabricantes priorizam as empresas já conhecidas.
O diretor de Produto da Renner, Henry Costa, conta que, antes, a empresa já fechava os contratos definindo cor e grade de tamanhos. “Hoje, o que fazemos é quase uma reserva de produção e de matérias-primas. A partir daí, mandamos com 15 ou 20 dias de antecedência qual será a cor da malha, o tamanho, o caimento da calça ou a ‘lavanderia’ (desgaste da cor) do jeans.”
A previsibilidade de que aquele volume de produção será atingido, independentemente de qual modelo específico será escalado, é importante para os fabricantes. Eles dependem deste planejamento para compra de matéria-prima e para organizar seus fluxos de caixa.
Fontes do setor indicam que a falta deste histórico de relacionamento e os lotes iniciais muito pequenos atrapalham a Shein a produzir de forma mais intensa no Brasil. No modelo de negócios da companhia, são produzidos pequenos lotes de cerca de 100 unidades que têm a demanda avaliada em tempo real. Assim, quando determinado modelo faz sucesso, a produção tem de escalar rapidamente.
“Para modernizar e capacitar os fabricantes locais, a Shein tem transferido conhecimento e tecnologia, treinando seus parceiros brasileiros para se adaptar a esse modelo de negócios”, diz a empresa em nota.
A empresa chinesa afirmou ao Estadão/Broadcast que, desde abril de 2023, produziu mais de 2 milhões de peças com a etiqueta “Made in Brazil” em parceria com mais de 300 fábricas nacionais.
Em maio deste ano, o líder da companhia do País, Felipe Feistler, disse que a produção no Brasil estava em fase de desenvolvimento, com 55% da receita interna vinda, na verdade, de vendedores brasileiros que usam a plataforma. Os outros 45% eram de vendas de importados e da produção da companhia no País, sem especificar as porcentagens.
O sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino, explica que este modelo, chamado de ultra fast fashion, tem desafios no País justamente porque muitas matérias-primas são importadas, o que alonga os ciclos de produção.
“No entanto, as empresas no Brasil estão sofisticando cada vez mais a gestão de tudo isso. Com mais tecnologia, com mais modelos inteligentes, com mais integração com fornecedores, com uso estratégico de dados. Essas são pautas fundamentais para a competitividade no negócio da moda”, afirma Serrentino.
Fonte: Estadão