Por Reinaldo Le Grazie e Pedro Eroles | A evolução dos pagamentos no varejo tem sido significativamente influenciada pelos avanços tecnológicos e pelas mudanças no comportamento do consumidor, levando a um sistema de pagamentos mais eficiente e diversificado e, também, mais regulado.
Esse progresso não foi suave e vem deixando sequelas em muitos dos participantes da indústria nos últimos 15 anos. É inevitável que a tendência continue a ser essa, de muita inovação, maior disponibilidade de serviços e maior competitividade (mas em um ambiente com número menor de participantes que o atual, porém mais robustos). Esse cenário de dependência de tecnologia, que é capital intensivo, de muita competição, além de crescimento econômico abaixo do previsto, vem diminuindo a piscina de receitas geradas no segmento de pagamentos.
O ambiente competitivo atual foi moldado pelo surgimento de muitas fintechs no setor, causando rupturas com inovações e desafiando o status quo. Porém, 10 anos após a aceleração desse processo e muito sucesso em várias dessas empresas, o ecossistema de negócios está mais restrito. A vida dos incumbentes também não tem sido fácil, com menor relevância para o legado de clientes, pois o custo de aquisição diminuiu muito graças ao estímulo à competição. A supremacia em pagamentos desapareceu e não se vê a geração Z abrindo conta em bancos tradicionais, o que demonstra que, nas próximas décadas, os incumbentes terão menor relevância nas pessoas físicas emergentes.
Tipicamente, fintechs de pagamentos, após certa maturação, migram para oferta de crédito, um passo natural pois a posição estratégica tem vantagens comparativas no setor. No cenário brasileiro temos dois pontos com relação aos novos entrantes no mercado de crédito: primeiro, que o ciclo não tem sido positivo, e também que, ao analisar o resultado de bancos e fintechs, está claro que varejo no Brasil é difícil de monetizar.
Adicionalmente, com a consolidação do ecossistema do Open Finance (o qual terá sua estrutura de governança definitiva já no início de 2025) e com a abertura da possibilidade do Pix por aproximação, os players tendem a se especializar cada vez mais em produtos e nichos específicos de mercado, de modo a enfrentar uma competição que acabava sendo menos intensa em virtude da assimetria informacional e dos altos custos de transação para a busca de novas opções no mercado, seja para serviços de pagamento, seja para a oferta de crédito.
Desse modo, o desenho que parece mais sustentável no longo prazo é o de fintechs que tenham bom mix de produtos, para nicho ou base de clientes fidelizados. Quem tem o cliente tem que tratá-lo bem e monetizar.
Assim, enquanto se conclui que a briga por receitas no setor de pagamentos e contas digitais será intensa e dolorida, vemos que, para o consumidor, a queda dos preços continua, com produtos e serviços mais simples e convenientes. Ao discutir sobre esse ambiente de competição feroz e defesa legítima dos interesses nos negócios, um executivo relevante e experiente do setor indagava “se haveria paz social entre os participantes”, e a resposta parece ser que não, essa paz não está no horizonte.
Um produto muito relevante para o resultado do setor é o tão falado “parcelado sem juros (PSJ). Há uma grande discussão em torno dessa modalidade, que é um campeão de audiência para o consumidor, e o grande receio é a possibilidade de ser inviabilizado por mudança na regulação. O que vai acontecer é que o produto irá se transformar por força do ambiente de inovações e foco no cliente. Quando o Pix tiver a mesma conveniência que os cartões, funcionando por aproximação e sem a necessária abertura do app, será mais um tsunami na indústria. Isso sem contar com o avanço da tokenização, que via CBDCs e Open Finance vai remodelar as negociações de ativos financeiros.
Por sinal, o PSJ também tem um primo no exterior, o “Buy Now Pay Later (BNPL)”. O BNPL é mais recente, cresceu muito no pós-pandemia e vai muito bem, sendo que é um produto sem garantia e com análise de crédito menos rigorosa. As empresas que oferecem a estrutura do serviço que viabiliza o instrumento também estão bem posicionadas. Já não se pode dizer o mesmo das plataformas que operam o sistema, que ficam com o risco de crédito e com a inadimplência, que tem sido mais alta que o esperado. A experiência global tem mostrado que para operar BNPL é relevante ter tamanho significativo.
Quando o Pix tiver a mesma conveniência que os cartões será mais um tsunami na indústria
Operações de crédito com garantia, sempre mais seguras, concorrem com uma base de grandes competidores e são difíceis de escalar. É mais fácil e mais arriscado crescer nas operações sem garantia.
Finalizando com o momento da indústria de pagamentos, o número de participantes no segmento já diminuiu, inclusive com estrangeiros reduzindo o escopo de atuação, e podemos dizer que a tendência continua sendo que empresas consolidem suas forças, buscando oferecer gama relevante de produtos e, dentro do possível, fluxo que fidelize o cliente final.
A tecnologia disponível e o trilho do Pix abrem muitas possibilidades para menor custo e mais produtividade na indústria; portanto, diversos produtos e serviços não existirão mais em alguns anos, mudando a face do setor.
No crédito, o risco está se mostrando alto e, nos pagamentos, a forte competição com a resultante pressão de margem torna o negócio mais desafiador. É um segmento intensivo em capital e tecnologia, e é importante oferecer aos clientes a integração nas duas pontas da transação, como forma de agregar valor e monetizar.
Portanto, além de pagamentos e crédito, as fintechs caminham por ofertar outros serviços, tais como seguros, câmbio e investimentos, entre outros, com objetivo de aproveitar a capacidade de distribuição construída pelo modelo digital, levando ganho de produtividade e inovação ao processo. Esses serviços têm rentabilidade inferior, mas a questão é fugir do produto único, que é mortal nesse negócio.
Enfim, estes desenvolvimentos destacam a transformação contínua na paisagem de serviços ao varejo, impulsionada pela inovação tecnológica, mudanças regulatórias e alterações no comportamento do consumidor.
Reinaldo Le Grazie é sócio da Panamby Capital e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central.
Pedro Eroles é sócio de TozziniFreire Advogados.
Fonte: Valor Econômico