Por Luciano Rodrigues | O Ceará teve 12 varejistas entre as 300 maiores do Brasil em 2023, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em parceria com a Cielo. Desse total, oito são do ramo de supermercados, levantando a questão: o que explica a força das redes cearenses no setor?
Para efeitos comparativos, é preciso analisar os demais estados do Nordeste. A Bahia, segundo que mais aparece no ranking, tem sete empresas entre as 300 maiores do País, somadas supermercadistas e demais modalidades do varejo. Pernambuco e Piauí têm somente quatro companhias na lista.
Nem mesmo a presença de gigantes nordestinas, como o Grupo Mateus, tira o destaque cearense no setor de supermercados. As oito redes têm consolidação no mercado local e atuação restrita ao Estado, seja na Capital ou no Interior. São elas:
Somadas, as empresas cearenses supermercadistas tinham 161 lojas no Estado, mais de 16,3 mil funcionários e faturamento total de R$ 6,702 bilhões em 2023.
Para Antônio de Pádua, condutor de gestão e especialista em varejo, a grande presença de redes cearenses entre as principais do Brasil reflete o comportamento do consumidor local e a facilidade de adaptação das empresas de supermercados em atender a um público mais diverso.
“As redes locais tendem a ter uma maior compreensão das necessidades e preferências dos consumidores da região. Elas desenvolvem laços mais fortes com as comunidades, gerando confiança e fidelidade por parte dos clientes. São mais ágeis na adaptação a mudanças nas demandas dos consumidores e nas tendências do mercado. A presença de várias redes locais pode incentivar a competição saudável, que impulsiona a inovação e a melhoria contínua no serviço e na oferta de produtos”, explica.
O professor de Trade Marketing Omnichannel da Universidade de Fortaleza (Unifor), Antônio Vidal, completa observando até mesmo como as redes cearenses atraem o consumidor, sempre focando em proximidade.
“Desde sempre, o varejo supermercadista cearense priorizou a experiência do cliente. O bom vizinho, me acostumei com você, cearense faz mercantil, nunca foram somente slogans de propaganda, faziam parte do propósito de encantar o cliente. Nos momentos mais difíceis, na chegada das multinacionais e na pressão das indústrias, se uniram em associações para melhorar o poder de compra sem esquecer do poder de suas marcas individuais junto ao consumidor”, considera.
União de “guerrilha” no Ceará
Seguindo caminhos próprios atualmente, diversas das redes supermercadistas do Estado já estiveram, no passado, associadas às mesmas entidades. Quando há a ameaça de um concorrente de fora do território cearense, contudo, elas tendem a se unir.
“O varejo de alimentos do Estado é muito forte. Temos diversas redes que são uma força contra a entrada destes grande players. Qualquer que seja o grande player terá provas difíceis para se estabelecer no Estado. Os varejistas cearenses são guerrilheiros e focados”, pontua Antônio Pádua.
Não é à toa que empresas como Pão de Açúcar, Assaí e Grupo Mateus mantêm os cearenses como foco. Os dois primeiros são consolidados no Sudeste brasileiro, com sede em São Paulo, onde, ao lado do Rio de Janeiro, concentram o maior número de lojas dos respectivos grupos. Logo na sequência aparece o Ceará.
O Pão de Açúcar tem 14 lojas no Estado (13 Pão de Açúcar e 1 Extra Mercado), enquanto o Assaí tem 15, incluindo a maior loja do Norte-Nordeste, no Montese, em Fortaleza. Já o Grupo Mateus, nascido no Maranhão e em plena expansão de operações no Nordeste e no Pará, mantém 13 unidades no Ceará, terceiro principal estado da companhia.
Os supermercados cearenses, além de se posicionarem muito bem com suas propostas de valor junto aos clientes, são excelentes operadores, tornando a entrada de marcas de fora um desafio e uma grande barreira de entrada. O conceito de vizinhança sempre foi um desses valores com uma relação muito mais pessoal e humanizada, vantagem que as marcas de fora nunca conseguiram oferecer.
Os dois especialistas destacam a “lealdade” dos cearenses para marcas locais como outro motivo que justifica o alto faturamento das varejistas cearenses. Para Antônio de Pádua, pelo menos no segmento supermercadista, a concorrência é “saudável”.
“A presença de redes menores no ranking também indica um ambiente competitivo saudável, onde as grandes redes podem ser desafiadas por ofertas locais, resultando em melhor qualidade de produtos e serviços para os consumidores”, reflete.
Cometa, São Luiz e Frangolândia: supermercadistas cearenses bilionários
Das oito supermercadistas na lista da SBVC, três estão no top-5 das 12 maiores varejistas: Cometa, São Luiz e Âncora Distribuidora — dona do Frangolândia —, respectivamente. Além disso, são as únicas do segmento a superarem a barreira de R$ 1 bilhão no faturamento em 2023.
Os “acertos” das três redes, como define Antônio Vidal, são múltiplos, mas alguns se destacam. Dentre eles estão a identificação mais precisa do público-alvo, bem como a distribuição das lojas e a variedade dos produtos.
“O posicionamento claro junto aos seus consumidores-alvo, localização e layout das lojas, mix de produtos e atendimento são os principais pontos. Esse posicionamento claro permite precificação mais adequada e um crescimento que não vem somente de volume de vendas e abertura de lojas, mas de valor”, comenta.
Das três, o Cometa é a maior em número de estabelecimentos: 38 no total, todos da mesma bandeira e concentrados em Fortaleza. A Âncora Distribuidora, embora tenha uma bandeira de atacarejo, foca no Super Frangolândia. São 19 lojas no Estado em seis cidades.
O São Luiz tem uma atuação consolidada no público das classes A e B com o Mercadinhos, mas está ampliando a área de abrangência com o Mercadão, principal foco da empresa em novas expansões. Há ainda a Mini, bandeira de minimercados, que funciona em fase experimental. Ao todo, são 26 supermercados do grupo.
“Essas redes oferecem uma ampla variedade de produtos, fazem testes e privilegiam indústrias e distribuidores locais. Oferecem lojas de formatos de vizinhança, bem localizadas, que estão próximas de áreas residenciais e com fácil acesso. Estas redes são campeãs em descobrirem pontos interessantes. Investem ainda em experiência do cliente, com atendimento de qualidade, lojas bem organizadas e serviços adicionais (como delivery)”, argumenta Antônio de Pádua.
Diniz e Moranguinho: interior do Estado cresce em protagonismo
Embora o domínio seja de empresas da capital cearense, o Diniz Supermercados e o Supermercados Moranguinho aparecem no ranking com faturamentos em 2023 que, somados, ultrapassam a casa dos R$ 920 milhões.
Em número de lojas, ambas as redes são as menores do Estado. O primeiro tem nove lojas e o segundo, 15. Com exceção de uma unidade do Diniz, os demais supermercados — que carregam o nome das respectivas empresas — estão espalhados pelo interior do Ceará ou pela Região Metropolitana de Fortaleza.
“O Ceará criou uma escola do operador do varejo, algumas redes da Capital também foram para o Interior, como o Pinheiro em Sobral e Itapipoca, e o São Luiz em Juazeiro. Essa interação eleva o nível de exigência do consumidor e as redes se reinventam”, declara Antônio Vidal.
O Diniz Supermercados apareceu no ranking da SBVC pela primeira vez. A empresa tem sede em Juazeiro do Norte e tem forte atuação no Cariri, com unidades espalhadas por Crato e Barbalha, além de um estabelecimento no bairro Bom Jardim, em Fortaleza.
Já o Moranguinho é sediado em Pacajus e tem lojas nas cidades vizinhas, como Pindoretama, Beberibe e Cascavel. O modelo de negócio ainda é baseado na proximidade com o consumidor, com clientes que ainda compram fiado.
O crescimento de supermercados em cidades fora da capital pode representar uma descentralização significativa do setor, permitindo que o desenvolvimento econômico e as oportunidades de emprego se espalhem para além das áreas metropolitanas.
“Para as redes menores, isso pode significar também uma estratégia de expansão e fortalecimento da marca, buscando capturar o mercado regional por meio de práticas que atendam melhor às necessidades dos consumidores locais”, acrescenta.
Qual será o futuro das redes regionais no Ceará?
O setor de supermercados ocupa há alguns anos as primeiras posições das maiores varejistas do País (Grupo Carrefour Brasil e Assaí Atacadista são as duas maiores empresas do ramo), mas há o fortalecimento das companhias locais, sobretudo no Ceará, para quebrar a hegemonia.
Para Antônio Vidal, “ainda há um caminho de transformação digital com mais tecnologia e melhoria na experiência do cliente, seja no ambiente físico ou digital”, principalmente ao traçar políticas de compra que integram diversos canais para ofertar o produto ao consumidor, em prática conhecida como omnichannel.
A experiência do cliente será cada vez mais o campo de batalha da competitividade, e a disponibilidade da tecnologia aliada a dados e informações do cliente são insumos para essa evolução. O consumidor conectado pressionará cada vez mais para essa evolução e individualização da experiência, e é aí que as lojas de vizinhança podem se destacar.
Na estratégia de concorrência no Ceará de grandes redes nacionais, a entrada será prioritariamente de lojas nos modelos de atacarejo, cujas empresas do Estado ainda estão em fases iniciais, e em minimercados de conveniência, a exemplo do já anunciado pelo Grupo Mateus. Apesar disso, as companhias cearenses podem surpreender.
“Atacadão e Assaí estão em forte movimento de expansão e devem expandir suas lojas por um bom tempo. Atacarejos e minimercados devem dominar como estratégia de expansão, mas é bom lembrar que as redes locais sabem se mover de forma mais rápida. Com isso, a disputa por espaço deverá ser muito forte”, finaliza Antônio de Pádua.
Fonte: Diário do Nordeste