Por Kathlen Ramos | Em entrevista exclusiva ao Guia da Farmácia, o CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto, mostrou um pouco sobre alguns temas latentes do varejo farma. Entre eles, a revisão da RDC 44/09, que dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas e permite ampliar a oferta de serviços da farmácia.
Acompanhem, a seguir, este bate-papo na íntegra.
Guia – Sobre a atualização da RDC 44/09, há alguns anos existem expectativas sobre quando isso vai acontecer e quais serão as mudanças. Quais são as projeções da Abrafarma sobre o assunto?
Barreto – Precisamos tirar essa questão da frente, porque a falta de atualização desta resolução impede o crescimento do setor. Um exemplo disso é a quantidade de testes que as farmácias poderiam realizar, para além dos de glicemia.
Outra questão é a que está tramitando uma consulta pública para exigir uma sala exclusiva de vacinas, dentro das farmácias em São Paulo. Mas isso deve inviabilizar o negócio. Essa exigência acontece porque a RDC 50/02, que dispõe sobre o Regulamento Técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde, diz que uma unidade básica de saúde precisa ter uma sala exclusiva para vacinação. Nesse caso, por exemplo, seria válido contemplar que a farmácia tivesse uma sala multiuso para todos os serviços.
Então, precisamos ter esse cuidado de atualizar as normas e se torna tão importante a revisão da RDC 44/09.
Guia – Onde estão as mudanças mais profundas esperadas com essa resolução?
Barreto – Essa é a resolução mais importante para a farmácia. É com eles que podemos definir como será a sala de atenção farmacêutica, poderemos estabelecer regras claras para entregas em domicílio, entre outros temas. Poderia destravar uma série de assuntos.
Na Europa, por exemplo, as farmácias colocam MAPA, holter, fazem eletrocardiograma, aplicam botox…Além do farmacêutico, outros profissionais também colaboram no espaço, como osteopatas, enfermeiras ou nutricionistas.
E como chegamos neste ponto? No Brasil, precisamos entender que quanto mais colocarmos o cliente no centro das decisões, que é o que temos de fazer, mais o paciente vai estar aderido ao tratamento, vai viver mais e vai trazer mais reconhecimento para as farmácias.
Enquanto os planos de saúde estão “expulsando” os idosos de 60+, nós, da farmácia, queremos abraçar esse público. Penso que, com a legislação adequada, o idoso poderia ser preliminarmente atendido, resolvendo pequenos problemas.
Guia – Aqui no evento, vimos ações relacionadas à telemetria na farmácia. Do que se trata?
Barreto – A telemetria visa resolver algumas limitações da telemedicina. Na telemedicina, com o médico em um ambiente que não é presencial, ele não consegue ver os olhos do paciente, o ouvido ou escutar o coração, por exemplo. Mas na cabine de telemetria, com a ajuda de um farmacêutico ou enfermeiro presenciais, acompanhando o paciente, é possível analisar esses parâmetros e enviá-los ao computador do médico. Dessa forma, esses problemas simples, como uma faringite, poderiam ser resolvidos numa farmácia, sem que o paciente precisasse enfrentar três horas de fila num hospital, seja público ou privado.
Guia – Falando um pouco mais das farmácias clínicas, como elas estão crescendo no varejo farma?
Barreto – Esses serviços seguem se fortalecendo. Somente em testes de dengue e zika, foram 500 mil já realizados. Dessa forma, o consumidor começa a descobrir a loja como sendo um local onde ele pode tomar a vacina, que ele pode fazer o teste e pode resolver o primeiro problema rapidamente.
Se tornou um negócio de grande volume e, embora as redes não consigam ter a proximidade das farmácias independentes, do bairro, para atender os pacientes pelo nome, temos o benefício de tornar o contato com os clientes mais efetivo e ágil.
Guia – Em relação à tecnologia, como você vê a Inteligência Artificial agregando valor na área da saúde?
Barreto – Acho que ainda não chegamos nem perto do que a Inteligência Artificial pode oferecer. O grande lance da IA é a possibilidade e a capacidade de fazer predição, de automatizar as coisas. Vejo soluções como essas identificando, em segundos, por meio de uma câmera de alta resolução, células cancerígenas, por exemplo. Resultados, que, por vezes, demoram 40 dias para ficarem prontos.
Guia – Como você vê as aplicações de IA no varejo farmacêutico?
Barreto – Já estão começando porque algumas empresas começam a experimentar a ferramenta de aceleração. Já existem sistemas que emitem relatórios sobre o desempenho de categorias na loja. Podemos pensar em soluções que ajudem a alertar sobre interações medicamentosas. Ou visualizar o prontuário único ao paciente, algo que pode ser usado por todos os profissionais da saúde.
É uma era revolucionária…um mundo totalmente diferente.
Guia – E o retail media? É algo que veio para ficar no varejo farma?
Barreto – O retail media foi o grande assunto da NRF 2024. Mas o retail media no varejo farma é muito diferente do retail media no resto do varejo. No varejo de roupas ou calçados, se eu identificar o usuário e conseguir trabalhar melhor com o fornecedor, eu vendo mais para esse cliente. No caso do varejo farma, se eu identifico que o consumidor tem artrite, se ele deu um ‘aceite’ na farmácia para seus dados por conta da LGPD para receber informações sobre a doença, poderia fazer uma parceria com o laboratório que tem produtos para artrite, para identificar esse consumidor, enviar mais informações e oferecer condições para esse consumidor aderir ao tratamento. A nossa missão com a ferramenta é outra. É a de alertar para fazer musculação, se eu já tenho problemas no joelho; ou para cuidar mais da minha alimentação e do meu peso, se tiver colesterol ou diabetes, para que não tenha problemas de coração futuramente.
Guia – Agora falando um pouco de categorias que tem se desenvolvido mais no varejo farma…Há alguns anos, perguntaria sobre a força da categoria de higiene & beleza. Mas no evento de 2024, o destaque maior parece estar com alimentos e bebidas. Você compartilha dessa opinião?
Barreto – A categoria de higiene e beleza continua sendo muito poderosa, mas vemos um crescimento muito grande dos alimentos e bebidas, de fato. O varejo farma já representa mais de 60% das vendas de bebidas nutricionais. E algumas indústrias têm investido muito, não só nelas, mas em suplementos, snacks.
A pandemia trouxe algumas mudanças nesse sentido. As pessoas estão mais cuidadosas e também mais medrosas, pensando mais no que comem e cuidam da saúde. Isso é uma mudança de mentalidade, principalmente nesta geração, pois espera-se chegar à terceira idade com saúde.
Guia – Para finalizar, queria saber quais os desafios da Abrafarma neste ano.
Barreto – Temos que terminar a reforma tributária, né? O movimento começou muito bem e, com esforços, conseguiu-se 60% de redução, com isenção para alguns produtos.
Outro objetivo é o de entregar a revisão da RDC 44 e continuar cobrando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que isso aconteça. Só assim conseguiremos avançar nas pautas de saúde na farmácia.
Fonte: Guia da Farmácia