Por Ana Luiza de Carvalho | O Grupo Boticário e a Natura &Co, na esteira do crescimento dos cosméticos de luxo e de nicho no Brasil nos últimos anos, lançaram suas primeiras linhas de alta perfumaria. Até então, o segmento era representado na indústria nacional por empresas de menor porte, como Felisa e Amyi.
O objetivo das grandes marcas com a nova empreitada é ampliar margens e receita, disputando a atenção do consumidor brasileiro que já paga elevados preços por fragrâncias de grifes como Gucci, Marc Jacobs e Burberry, licenciadas para a Coty.
A diretora comercial da Circana, Ana Seccato, afirma que o mercado brasileiro segue uma tendência de maior valor agregado e caráter premium dos produtos, o que demandou inovação de players tradicionais. “Esse movimento também reflete o interesse crescente dos consumidores latino-americanos por produtos exclusivos e diferenciados”, diz.
Conforme a consultoria, a pandemia impulsionou o mercado de fragrâncias de luxo, considerando a disponibilidade da renda até então destinada a experiências de consumo e viagens. O preço médio no mercado brasileiro está em R$ 1.054, alta de 136% em relação ao tíquete médio de 2019, segundo dados da Circana divulgados com exclusividade ao Valor.
A denominação de alta perfumaria no Brasil inclui, além do mercado de prestígio ou de luxo, onde estão posicionadas as principais multinacionais, a perfumaria de nicho, onde Natura e Boticário apostam. A proposta é utilizar ingredientes diferenciados da perfumaria convencional ou inesperados – como a fava de baunilha, que não tem o cheiro doce característico do ingrediente – e, muitas vezes, embalagens mais simples, sinalizando o protagonismo da fragrância.
A busca por produtos diferenciados está no radar do Boticário, que lançou neste ano a linha Priveé Légumes. Com uma composição inusitada das fragrâncias, desenvolvidas a partir de beterraba, tomate, ervilha e cenoura, os produtos estão disponíveis no e-commerce e em algumas das 4 mil lojas da rede em todo o país. Essa é a segunda linha de Priveé, lançado pela companhia em 2020. “Estudamos a alta perfumaria há muitos anos, e o aumento das buscas sobre o assunto é impressionante. Precisamos ensinar, não ter medo de trazer essa disrupção olfativa e ousar”, afirma a vice-presidente de marcas do grupo, Renata Gomide.
A holding de beleza Natura &Co também está ampliando o portfólio premium. Sob a marca Natura e fragrâncias numeradas, a linha lançada no último mês conta também com perfumes em óleo e velas perfumadas. Os produtos para ambientes já foram uma aposta da companhia no início do ano, quando a linha de aromatizadores e velas Bothânica foi lançada com foco no mercado B2B de arquitetura.
A diretora global de perfumaria da Natura &Co, Cláudia Pinheiro, afirma que os produtos abrem uma nova avenida de crescimento. “A aposta é ampliar nossa base para consumidores que hoje usam perfumaria internacional. A ideia é expandir também para América Latina, mas, em um primeiro momento, é um portfólio para o mercado brasileiro”, diz a executiva.
Com a chegada das duas gigantes ao segmento, o mercado nacional expande suas possibilidades para além de pequenas marcas como Felisa e Amyi, criadas nos últimos cinco anos. Luciana Guidi, co-fundadora da Amyi, trabalhou anos na alta perfumaria internacional e avalia que ainda há um protagonismo francês no imaginário popular, embora a perfumaria de nicho tenha se desenvolvido em diversos países. “Os perfumistas iam se formar em outros mercados, como a França, e quando voltavam ao Brasil, tocavam apenas projetos massivos, reforçando a frase tão ultrapassada de que perfume bom é o importado”, diz.
Segundo ela, o Brasil concentra cerca de 10% de todos os perfumistas do mundo, profissão cujo slogan é “mais raro do que astronautas”.
A criadora da Felisa, Fernanda Orcioli, também decidiu ter uma marca de nicho após trabalhar no mercado internacional de fragrâncias. “Viajando pela Europa, vi muitas marcas nascendo em diversos países, que nem têm um conhecimento histórico na perfumaria. Faltava uma marca para o Brasil chamar de sua”, diz. Orcioli ressalta que, se no passado a perfumaria massiva representava status social ao ser reconhecida, o consumidor passou a buscar fragrâncias diferenciadas, que funcionem como “uma assinatura pessoal”.
A Associação Brasileira das Indústrias de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) aponta que o mercado brasileiro de fragrâncias é o segundo maior do mundo, atrás dos Estados Unidos. Embora a maior parte dos volumes ainda seja de colônias de menor preço e parte dos perfumes mais concentrados, a perfumaria de luxo no Brasil cresceu 15% entre janeiro e junho, segundo dados da Circana. Ainda assim, só representam 6% do volume comercializado de perfumes.
Fonte: Valor Econômico