Por Sergio Ripardo | O gigante global de private equity Carlyle espera ampliar a rentabilidade e os níveis de eficiência da Tok & Stok, maior varejista de móveis e decoração do Brasil, com o mandato de reestruturação concedido ao novo CEO da companhia, segundo uma pessoa familiarizada com a situação ouvida pela Bloomberg Línea.
O executivo Guilherme Santa Clara, que gerenciou a crise na Forever 21 no Brasil em 2022, assumiu na última quinta-feira (18) o cargo de CEO da Tok&Stok, depois que a cofundadora, Ghislaine Dubrule, foi destituída pelo Carlyle em reunião do conselho de administração na última semana.
Ghislaine ocupava a função havia cerca de um ano, após um aporte de R$ 100 milhões feito pelo acionista controlador e uma renegociação da dívida de cerca de R$ 350 milhões com bancos, que envolveu o alongamento dos prazos de pagamento com carência de dois anos. A dívida hoje está na casa de R$ 650 milhões.
O Carlyle detém 60% da Tok & Stok, enquanto o restante está nas mãos da família Dubrule.
Santa Clara recebeu carta branca para promover mudanças que resultem em melhora significativa do Ebitda (geração de caixa operacional) da companhia, o que pode incluir medidas de cortes de custos, como o fechamento de lojas deficitárias e otimização de despesas, segundo a fonte, que pediu para não ser identificada ao tratar de assuntos privados.
A Tok & Stok possui atualmente 50 lojas físicas em 21 estados e no Distrito Federal, duas a menos do que o informado em janeiro.
O estado de São Paulo concentra o maior número de pontos de venda (18), seguido de Rio de Janeiro (5), Paraná (3), Santa Catarina (3), Rio Grande do Sul (2), Distrito Federal (2) e Bahia (2). Em seu auge, a rede teve mais de 60 unidades. No ano passado, fechou 17 lojas.
Os planos do Carlyle, fato conhecido do mercado já há alguns anos, é se desfazer de sua participação acionária detida na Tok & Stok – desta vez por meio de um potencial M&A -, mas essa estratégia de desinvestimento passa também pela melhora do resultado da companhia.
No mercado, a Mobly (MBLY3), empresa que tem uma das maiores plataformas digitais de vendas de móveis e artigos de decoração, é apontada há alguns anos como a candidata mais provável, dada as sinergias esperadas e a complementaridade dos modelos de negócios e dos públicos atendidos, mas há obstáculos recorrentes nas negociações, como a dívida da Tok&Stok e os termos de troca de capital.
Outras investidas do fundo americano no país, como a rede de restaurantes Madero e a varejista de brinquedos Ri Happy, enfrentaram processos de reestruturação de dívidas com bancos em 2023.
Na sede da Tok & Stok, em um condomínio empresarial na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo, o clima entre as equipes é de apreensão sobre os rumos da companhia.
Segundo a fonte, Dubrule foi destituída por supostamente não comprovar com resultados o perfil necessário para tocar uma empresa em situação de estresse financeiro e operacional — sob sua gestão, as vendas e os indicadores de modo geral não teriam atingido um ponto de inflexão esperado pelo controlador.
A estratégia da cofundadora consistia em melhorar o resultado e alcançar a geração de caixa operacional com o reforço da operação física e de despesas com marketing e o lançamento de novos produtos, em detrimento do e-commerce, que tratava como um detrator da rentabilidade devido aos preços promocionais.
Em dezembro passado, em entrevista à Bloomberg Línea, Ghislaine Dubrule atribuiu ao aumento do Capex (investimento) na plataforma para venda online em anos recentes a principal causa da crise financeira que a Tok & Stok atravessa, que chegou a incluir um pedido de falência por um fornecedor de tecnologia em 2023.
Segundo outras fontes do mercado de móveis e decoração, no entanto, mais do que a finalidade – o fortalecimento da operação digital -, o que esteve na raiz da crise financeira foi a execução agressiva e ineficaz da estratégia, sob responsabilidade de alguns dos CEOs que passaram pela companhia.
A empresária francesa, que fundou a companhia com o marido Régis em 1978, defende, por outro lado, a tese de que as vendas pela internet não tenham participação relevante nas receitas – chegaram a 17% do total no fim de 2023, distantes dos 45% esperados pelo Carlyle quando deu sinal verde para a transformação digital há alguns anos, antes da pandemia, de olho também em uma saída por meio de um IPO (oferta pública inicial).
O plano que o novo CEO pretende executar na rede de móveis ainda não está finalizado, segundo a fonte. Ele terá que apresentar as medidas para o conselho de administração, ao qual caberá decidir sobre as iniciativas.
Negociações Carlyle e família Dubrule
Nesse meio tempo, a família Dubrule contratou a Moelis & Company como assessor financeiro, além dos escritórios jurídicos Spinelli Advogados e Tannuri Advogados para conduzir uma negociação com o Carlyle, segundo uma pessoa a par da situação e próxima dos fundadores ouvida pela Bloomberg Línea.
A oferta dos Dubrule colocada à mesa seria realizar uma capitalização na companhia de R$ 210 milhões, dos quais R$ 100 milhões em new money para reforçar o caixa e R$ 110 milhões em conversão de dívida em capital.
Nesse cenário, a família teria condições, segundo a fonte, de se tornar acionista de referência e até reassumir o controle da empresa, vendido há 12 anos para o fundo americano por R$ 700 milhões.
Em movimento recente, Ghislaine e Régis adquiriram uma dívida de R$ 50 milhões que estava nas mãos do Itaú para ampliar a sua voz com o Carlyle em decisões estratégicas da rede.
O Carlyle, porém, não pretende avaliar eventuais propostas da família Dubrule de aumento de participação ou até retomada do controle, pois não estaria disposto a ser minoritário, disse outra pessoa ouvida pela Bloomberg Línea.
Não há ainda prazo definido para o encerramento das conversas sobre a capitalização, disse a pessoa próxima da família.
O desafio do novo CEO, por sua vez, será também elevar as vendas neste semestre, em um segmento do varejo ainda em fase de retração. O comércio de móveis no Brasil acumulou queda de 1% nas vendas em 12 meses até maio, segundo dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica).
A Tok&Stok e Ghislaine e Régis Dubrule foram procurados pela Bloomberg Línea ao longo dos últimos dias, mas não responderam aos pedidos de comentários.
O novo CEO da Tok & Stok
O currículo de Santa Clara lista experiências em planejamento estratégico, controladoria, processos, TI, gestão contábil, fiscal e tributária, em setores de varejo, incluindo lojas de departamento, serviços financeiros, materiais de construção, varejo do agronegócio e construção civil. Ele é bacharel em ciências contábeis (1987-1991) pela Universidade Vila Velha, no Espírito Santo, segundo sua página no LinkedIn.
Na Highland Park, razão social da rede de lojas Forever 21 no Brasil, ele atuou como diretor geral e reestruturou processos operacionais, o que resultou no fechamento gradual de 36 pontos de vendas e um centro de distribuição. A marca americana de fast fashion encerrou sua operação no país em junho de 2022.
Entre junho de 2018 e março de 2019, ele liderou na Crusoé Foods a estruturação do processo fiscal e operacional para a aquisição de matéria-prima no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e no sul da Bahia. Também gerenciou aquisição e transporte de pescados para a fábrica no Ceará.
Santa Clara também trabalhou como consultor para redes de varejo de tecnologia e telefonia celular, na Mix Varejo Franchising & Top Center, entre abril e dezembro de 2018. Antes, no Grupo Dadalto, ele ocupou cargos no grupo familiar com atuação nos setores de varejo, crédito pessoal e crédito direto ao consumidor.
O executivo e a gestora SPX Capital, que em 2021 assumiu os negócios do Carlyle no Brasil, tampouco responderam a pedidos de comentário enviados pela Bloomberg Línea.
Fonte: Bloomberg Linea