Por Ana Luiza Thieghi | As lojas de material de construção ensaiam movimento de consolidação, que já vem ocorrendo em outras partes do varejo. A pandemia ajudou a impulsionar as vendas do setor, mas o ritmo enfraqueceu nos últimos anos.
O faturamento das varejistas teve crescimento real de 7,7% em 2020, no início da pandemia, segundo a Anamaco (Associação dos Comerciantes de Material de Construção). Já em 2022 e 2023, houve recuo de 9,8% e 2,8%. O cenário mais apertado nas vendas poderia ser um fator de pressão para a junção de negócios. Em todo o ano passado, o setor de varejo de materiais movimentou R$ 223 bilhões.
Em um mercado extremamente pulverizado, empresas regionais se movimentam para ganhar relevância nacional.
As redes Todimo e Cassol Centerlar anunciaram no último mês um acordo para compartilhar suas operações comerciais. Cada uma tem atualmente 33 lojas, mas não há sobreposição geográfica, afirmam Juliano Bortoloto, sócio da Todimo, e o presidente Rodrigo Cassol. Enquanto a primeira tem sede em Cuiabá (MT) e atua também no norte do Paraná e no Mato Grosso do Sul, a segunda tem lojas em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e também no Paraná.
Juntas, as redes faturam mais de R$ 2 bilhões ao ano. Segundo os presidentes, a união é uma forma de buscar condições mais favoráveis de negociação com fabricantes e otimizar a operação logística, que tem peso importante no setor, por envolver itens pesados e muitas vezes de baixo custo.
“É ação que visa o longo prazo, não foi tomada pela conjuntura do momento”, afirma Cassol. “A escala é fundamental no varejo, quanto mais se compra, melhor compra”.
Ele ressalta ainda que os dois negócios têm culturas, mercados e consumidores parecidos. “Vamos ser mais fortes para competir com mercado grande e competitivo”.
As primeiras conversas surgiram antes da pandemia e foram retomadas no ano passado. Bortoloto destaca, no entanto, que os CNPJs seguem separados. “É uma construção, tudo será avaliado”, diz.
Marcos Costa, CEO da gestora The Fortune One, tenta desde 2022 despertar o setor para o que vê como uma necessidade de consolidação para enfrentar a concorrência multinacional, como Leroy Merlin e Telhanorte (do grupo Saint-Gobain).
Ele gostaria de reunir as dez maiores redes do setor, independentes, em um só negócio que faturasse R$ 12 bilhões ao ano e fosse atraente ao mercado de capitais – há hoje apenas uma varejista listada na bolsa brasileira, a Quero-Quero, com 552 lojas e receita de R$ 2,4 bilhões em 2023. Como comparação, a Leroy tem 45 lojas no país e faturou R$ 9,3 bilhões.
Segundo Costa, essas empresas começam a ver a necessidade da união. “A maioria está endividada demais, as margens de lucro são baixas, porque a competição é difícil”. Ele afirma ser comum a abertura de lojas muito próximas, que duelam pelo cliente.
“O único jeito de fazer a coisa funcionar é injetando capital, concentrando, com fundo”, diz. “Ganha vigor financeiro e reduz custo, porque você vai fechar lojas”.
O único jeito de fazer funcionar é injetando capital, com fundo”
— Marcos Costa
A indústria de material de construção olha o movimento de forma reticente, e diz preferir o mercado pulverizado. “A concentração de cliente aumenta demais o poder de barganha deles, isso significa baixa rentabilidade”, afirma o presidente de uma fabricante, que pediu anonimato. “As indústrias podem se reinventar, tirar revendedor, vender online, mas talvez não seja o que o país precisa”.
Ele destaca que o crescimento de participação de mercado de home centers, que já ocorreu no Chile, na Colômbia e no México, não é realidade no Brasil.
“Dado o cenário, minha opinião é que vai ser difícil concentrar como eles gostariam”, afirma. Para ele, há uma questão de cultura da mão de obra da construção, que não tem o planejamento prévio necessário para consumir apenas em home centers, geralmente em áreas mais afastadas das cidades.
Juliana Carsoni, CEO da Juntos Somos Mais, joint venture de Votorantim Cimentos, Gerdau e Tigre, que reúne programa de fidelidade para lojistas e e-commerce, diz ver o crescimento de uma alternativa à fusão, como mecanismo de defesa: as redes associativas. “É para comprar melhor, mas algumas redes estão evoluindo além das compras, com gestão de pessoal, treinamentos e pensando em fazer marketing em conjunto.”
CEO das fabricantes Astra e Japi, de louças e metais sanitários, produtos para jardinagem e itens plásticos para a casa, Adriano Gomes também afirma que a estratégia da empresa é ter pulverização de clientes, mas que vê concorrentes optando pelo oposto. Para facilitar a operação comercial, eles estão concentrando as vendas nos players maiores. “Temos dúvida se isso vai ser seguro no médio e longo prazos, porque você fica na mão de alguns poucos clientes.”
Cássio Tucunduva, presidente da Anamaco, afirma que o setor sente, desde o começo do ano, “um início de reação” do consumo, que vem principalmente da construção feita por conta própria. A estimativa da entidade para 2024 é alta de 1,5% no faturamento.
Fonte: Valor Econômico