Por Eduardo Terra* | Com o primeiro trimestre do ano caminhando para sua conclusão, podemos traçar um quadro mais claro da economia brasileira, do varejo no Brasil e dos investimentos em tecnologia em 2024. Em um país que vem passando por anos de crescimento baixo e inúmeras turbulências políticas e econômicas, os empresários têm trabalhado com muita cautela, adiando investimentos e procurando evitar riscos. Mas, na minha visão, é preciso adotar um olhar mais otimista.
Afinal, apesar de “arautos do apocalipse” que teimam em prever um colapso da economia brasileira, o cenário é positivo. O Banco Central, por exemplo, vem empreendendo desde agosto de 2023 uma redução consistente da taxa básica de juros, a Selic: nos últimos sete meses, o país saiu de uma taxa de 13,75% ao ano para os atuais 11,25% – e a expectativa do mercado financeiro é que em dezembro estejamos entre 9% e 9,5%.
Esse recuo de mais de quatro pontos percentuais deverá trazer um alívio para o balanço das empresas, reduzindo as despesas financeiras, prejudicadas pelas dificuldades de acesso ao crédito em 2023 depois do “episódio Americanas”. Esse cenário mais positivo facilita a rolagem de dívidas e aumenta a capacidade de investir em expansão, tecnologia e estoques. Por si só, esse é um ponto essencial para o comportamento do varejo em 2024 e além.
Mas há mais boas notícias no front macroeconômico: o Boletim Focus, compilado pelo Banco Central a partir da visão dos principais agentes financeiros, estimava, no início de março, um crescimento de 1,77% para a economia brasileira em 2024, com alta de 2% no ano que vem. Considerando que o varejo, tradicionalmente, cresce acima do PIB, existem boas perspectivas no horizonte de empresas que souberem identificar oportunidades.
A inflação em desaceleração é outro ponto positivo. O Boletim Focus projetava um IPCA de 3,76% para 2024 e 3,51% em 2025, ambos dentro da meta do BC – o que abre espaço para a continuidade da queda dos juros e melhora da renda da população em geral. Menos inflação significa mais poder de compra, mais consumo e mais empregos, criando um ciclo virtuoso que beneficia toda a sociedade.
Quem poderá crescer em 2024?
A perspectiva de crescimento do varejo no Brasil pode ser segmentada em dois grandes blocos. O primeiro é o dos setores dependentes de renda e emprego, como supermercados, farmácias e pet: com um ano de expectativas positivas, mas relativamente estáveis para a evolução da massa salarial e do percentual de desemprego, é de se esperar que esses segmentos tenham um crescimento moderado – acima do PIB, mas nada espetacular.
Por outro lado, os segmentos dependentes de crédito e da confiança dos consumidores, como bens semiduráveis e (em especial) bens duráveis, poderão finalmente deixar para trás uma longa sequência de trimestres ruins e passar a ter uma perspectiva mais positiva.
Ainda assim, diferentes empresas aproveitarão o momento de diversas maneiras. Da mesma forma como nos últimos anos vimos muitas companhias com problemas sérios, outras apresentaram desempenhos espetaculares. O mais importante é a capacidade que cada varejista tem de desenvolver uma estratégia coerente e executá-la com eficiência. É preciso cada vez mais contar com a análise de dados dos clientes e do desempenho do negócio para tomar decisões rápidas e alinhadas à estratégia.
Não é porque o vento começa a soprar a favor que todo mundo estará na posição ideal para encher as velas e navegar com tranquilidade. Especialmente porque o primeiro semestre ainda deverá ser de pequenas turbulências, com um cenário melhor a partir de julho. Com as eleições municipais a caminho no mês de outubro, mas em um momento político menos tensionado do que vimos em 2022, a instabilidade deverá ser menos sentida pelo varejo no Brasil.
No entanto, é preciso estar atento ao que acontece fora do país. Como disse Thomas Friedman, vivemos em um mundo plano: movimentos globais têm impacto muito rápido sobre as economias e podem provocar mudanças rápidas nas expectativas, nos comportamentos e nas decisões de negócios. No último ano, por exemplo, fatores como os conflitos entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e Hamas trouxeram tensões geopolíticas, enquanto um navio encalhado no Canal de Suez atrapalhou a cadeia de suprimentos em todo o mundo. O Canal do Panamá vem sofrendo com a falta de chuvas na região, diminuindo sua capacidade de transporte de carga, já o El Niño reforça a emergência mundial que é o aquecimento global.
Olhando para fora da “Ilha Brasil”, existem muitos motivos para preocupação. Embora esses fatores estejam, de forma geral, fora do nosso alcance, é necessário estar preparado para reagir rapidamente e, se necessário, mudar planos, metas e iniciativas para dar conta de novos cenários.
Tecnologia, inovação, venture capital
Do ponto de vista de inovação e investimentos em capital de risco, o contexto que começamos a viver, de queda dos juros e aumento da capacidade de retomada de projetos pelas empresas, é bastante positivo. Em 2022 e, em especial, 2023, as iniciativas de transformação digital ficaram desaquecidas em muitas empresas, mais preocupadas em garantir a sobrevivência no curto prazo. O problema é que deixar de investir em aspectos estruturantes do negócio praticamente garante o fracasso no longo prazo. Um dilema complicado, que a economia em 2024 vai aos poucos ajudando a destravar.
Com juros mais baixos e inflação sob controle, aumentam os incentivos para investimentos em risco, especialmente em empresas de tecnologia com propostas sólidas e respostas claras a “pontos de dor” do varejo no Brasil. Estamos longe da “exuberância irracional” de alguns anos atrás, o que é até bom: ideias sem aplicação efetiva perdem espaço em um ambiente de pragmatismo. A relação custo-benefício e a capacidade de geração de vantagens reais para as empresas é o que determinará o tamanho do “cheque” que as startups vão receber ao longo de 2024.
*Eduardo Terra é Presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), uma organização sem fins lucrativos aberta, multissetorial e com atuação complementar às demais entidades de classe do varejo, e sócio da HiPartners, primeiro venture capital brasileiro focado em retail techs.
Fonte: CNDL