Por Sergio Ripardo | O setor brasileiro de shopping center vive um ciclo benigno de crescimento de receitas, que se reflete em recomendações de compra de ações por analistas que cobrem o setor.
As taxas anuais de ocupação de alguns empreendimentos já chegam a superar 99%, e as companhias desengavetam projetos de expansão. Em comum nesses planos, o conceito de criar uma espécie de mini bairro, em que serão erguidas torres residenciais e corporativas na área do entorno dos malls. São oportunidades de negócios também para construtoras e incorporadoras.
Um dos grupos que melhor “personificam” o atual momento é a Allos (ALOS3), fruto da fusão entre brMalls e Aliansce Sonae, concluída há pouco mais de um ano. A operadora de shoppings possui o maior portfólio do setor, com 50 unidades próprias, e é a segunda maior em valor de mercado.
Para efeito de comparação, o portfólio supera em tamanho os 20 da Multiplan (MULT3), os 16 do Iguatemi (IGTI11) e os 7 da JHSF (JHSF3) somados, três grupos com foco em público de alta renda principalmente no Sudeste e Sul.
Esses são os quatro grupos de referência do setor listados na B3: a Multiplan tem o maior market cap, com R$ 15,4 bilhões, seguida pela Allos, com valuation de R$ 13,9 bilhões.
A Allos, com forte presença em áreas do entorno da cidade do Rio de Janeiro e nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, também administra outras oito unidades, mas sem participação acionária.
Em entrevista à Bloomberg Linea, a CFO da Allos, Daniella Guanabara, disse que o grupo já tem contratos assinados com 12 construtoras para erguer 49 torres em seis estados e nove shoppings, que devem resultar no aumento da circulação de até 25.000 pessoas na área primária desses centros comerciais.
O VGV (valor geral de vendas) total esperado é de R$ 3,6 bilhões. Esses projetos multifuncionais englobam mais de 450 mil metros quadrados de área privativa em desenvolvimento, que representam mais de 6.700 unidades, dos mais variados usos (residencial, hoteleiro, corporativo, hospitalar, centro médico e centro de convenções).
“Quem faz o investimento é a construtora. Nós acertamos a permuta do terreno, ou seja, cedemos a área em troca de um percentual do valor de venda daquele imóvel. Imaginamos ter um fluxo de caixa que ultrapasse R$ 400 milhões até 2033 proveniente das 49 torres”, afirmou a executiva. Segundo ela, do total esperado de geração de caixa, R$ 115 milhões já foram realizados.
Analistas dizem que esse valor não justifica ainda uma revisão de suas atuais estimativas para a companhia. A receita líquida da Allos somou R$ 2,7 bilhões em 2023, um avanço de 8% impulsionado pela performance de aluguéis (+7%) e de estacionamento (+19%), ambos acima da inflação.
Os shoppings próprios e administrados do grupo somaram R$ 43 bilhões em vendas totais no ano passado, sendo que 13 ativos venderam mais do que R$ 1 bilhão ao ano, além de um shopping administrado também nesse patamar. O Shopping Recife e o Parque Dom Pedro, em Campinas, superaram R$ 2 bilhões de vendas.
Uma das incorporadoras envolvidas na frente de projetos multifuncionais é a MRV (MRVE3), do bilionário mineiro Rubens Menin, cuja família controla o banco digital Inter (INBR32). Já faz algum tempo que a empresa, que ganhou tração e notoriedade há mais de uma década com projetos para famílias de menor renda, que usam subsídios de programas habitacionais, tem ampliado o foco e o segmento de atuação.
“Temos alguns contratos com a MRV. Quando o consumidor mora mais próximo do shopping, esperamos que ele aumente a frequência de visita. Se comprou um apartamento ali, já conhece o local. Se frequentava antes duas vezes no mês, poderá aumentar para duas vezes por semana”, exemplificou a CFO.
É o caso do Parque Shopping Maceió (parceria com a Multiplan), em Alagoas, que terá três empreendimentos residenciais das incorporadoras R. Pontes, Sensia (que faz parte da MRV) e a própria MRV, com um total de seis torres e 760 unidades. Já a construtora Contemporânea vai erguer mais três torres com uso residencial e corporativo. Haverá ainda um hospital da Unimed com 250 leitos e dez centros cirúrgicos.
Há outro projeto nessa área. A incorporadora Plano A vai desenvolver um projeto residencial em um terreno anexo conectado ao Parque Shopping Maceió, que prevê a construção de três torres, com 1.035 unidades de apart-hotel e residencial. Foram negociados cerca de 48 mil metros quadrados de área privativa, com expectativa de adensamento de mais de 1.900 pessoas na área primária do shopping.
Share of life
“Queremos ser mais importantes na vida do consumidor, ter um maior share of life. Se ele trabalha na torre, vai almoçar no shopping; se tem academia no shopping, frequenta; se descobre uma exposição para criança, ele leva a família no final de semana. O shopping está no seu subconsciente”, afirmou a CFO.
Além de torres residenciais, corporativas e centro médico, o complexo imobiliário no shopping de Maceió vai ganhar infraestrutura urbana com paisagismo, iluminação, saneamento e pavimentação.
Com inauguração prevista para o primeiro semestre de 2025, terá ainda um espaço para mais 45 lojas no terceiro piso do mall e uma passarela que ligará os novos prédios ao shopping.
“Quando trazemos o multiuso para o terreno do shopping, sabemos que, quanto maior o fluxo, maior a venda. Nossa ideia é adensar a região e trazer de 20.000 a 25.000 pessoas para o entorno desses nove shoppings. Isso ajudará a reforçar o posicionamento de liderança desses centros comerciais”, disse Guanabara.
Outros projetos de expansão
Além de Maceió, a executiva destacou os projetos de construção de seis torres no entorno do shopping Passeio das Águas, em Goiânia, o maior do Centro-Oeste, e de duas torres corporativas e três edifícios residenciais no Shopping Taboão, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo.
O modelo de construção de uma espécie de minibairro nas adjacências de shopping não é exatamente uma novidade. No início da década de 1980, por exemplo, a Multiplan começou a apostar na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, o que incluiu o desenvolvimento urbano no entorno do BarraShopping.
O Shopping da Bahia, um dos mais antigos do portfólio da Allos, também contribuiu para desenvolver as suas redondezas desde a fundação em 1975. O novo projeto multifuncional do local prevê uma torre com 792 unidades residenciais e um restaurante na cobertura, além de um centro de convenções com escritórios conectados ao centro comercial.
Em São Paulo, a Allos desenvolve um projeto de revitalização do Shopping Villa Lobos, no Alto de Pinheiros, na zona oeste da capital. Já o shopping Parque Dom Pedro, em Campinas (interior paulista), entrou em sua terceira fase de revitalização, com a quarta e a quinta fases previstas para 2025.
No Rio, a companhia foi contratada para administrar o Shopping Rio Design Leblon a partir de junho, o que inclui implementar um projeto de desenvolvimento multiuso no ativo. Além da ocupação atual voltada para o varejo e a gastronomia, serão adicionados escritórios corporativos. A Ancar Ivanhoe era a administradora antes da venda pela Servenco para um fundo imobiliário da gestora JGP, de André Jakurski.
Em Minas Gerais, o Center Uberlândia e o Shopping Del Rey também serão revitalizados. O Shopping Recife, na capital pernambucana, ainda está em fase de desenvolvimento de projeto.
A Allos apresentou um guidance de investimentos entre R$ 450 milhões e R$ 550 milhões para projetos de expansão e de revitalização de malls do seu portfólio, após ter segurado recursos para esse fim no ano passado.
A título de comparação, a Multiplan espera investir cerca de R$ 1,4 bilhão em cinco expansões até 2027, que considera projetos em andamento, como o do MorumbiShopping. O seu ativo mais rentável terá dois novos pavimentos e um rooftop com uma área gourmet com diversos restaurantes. Já o Iguatemi projetou capex entre R$ 190 milhões e R$ 230 milhões para este ano.
A JHSF, grupo incorporador que tem o segmento de shopping como uma de suas verticais, indicou capex de R$ 263 milhões neste ano, direcionado principalmente ao Boa Vista Village Tower Center (R$ 63 milhões), dentro do complexo em torno do seu condomínio de luxo Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz (interior paulista). Outro projeto relevante é a Usina São Paulo (R$ 44 milhões), uma área estratégica ao lado do Shopping Cidade Jardim e de outros empreendimentos da companhia na marginal Pinheiros.
Sinergias e a visão do sell side
Analistas do sell side de bancos de investimento como Itaú BBA (ITUB4), Banco do Brasil (BBAS3) e BTG Pactual (BPAC11) têm recomendado a compra das ações da Allos após a divulgação do resultado do quarto trimestre na última semana.
Os números apontaram crescimento na receita de aluguéis, além de R$ 81 milhões em sinergias capturadas no primeiro ano de fusão, de um total de R$ 210 milhões previsto ao longo de cinco anos, sendo 80% desse valor até o final de 2025.
“Temos uma visão positiva sobre a Allos, que tem feito um ótimo trabalho reciclando ativos em condições atraentes e alocando capital de uma forma que gera valor para os acionistas (recompra de ações, dividendos etc.)”, disseram os analistas Gustavo Cambauva e Elvis Credendio, do BTG Pactual, em relatório. Eles apontaram um preço-alvo de R$ 33, ante R$ 23,92 no fechamento na última quinta-feira (28).
Em relatório do Itaú BBA, a equipe de analistas liderada por Daniel Gasparete manteve a classificação de outperform (desempenho acima da média do mercado) para o papel da Allos, destacando as receitas robustas da companhia em 2023, menores provisões e impacto de impostos em seu resultado.
Também foi apontado o compromisso de distribuição de dividendos de 50% do FFO (fluxo de caixa proveniente das operações) e recuperação de aluguéis atrasados.
Já um recente relatório do BB Investimentos sustentou que a perspectiva para o setor de shoppings em 2024 é positiva, com as companhias mantendo a boa performance operacional ao longo do ano, favorecidas pela gradual recuperação econômica. Quanto à Allos, a analista Georgia Jorge observou o último movimento da companhia de realizar desinvestimentos, envolvendo oito diferentes compradores.
Os desinvestimentos totais envolveram participações da Allos em seis ativos: Boulevard Shopping Bauru (100%), Boulevar Shopping Campos (75%), Shopping Estação Curitiba (100%), Santana Parque Shopping (36,7%), Shopping Jardim Sul (60%) e São Luís Shopping (15%).
A operadora também vendeu parte de suas ações no Plaza Sul Shopping (30%), Carioca Shopping (15%), Shopping Villagio Caxias (10%) e Bangu Shopping (10%).
A Fitch Ratings, em relatório no final de fevereiro, sobre abordou a questão da dívida bruta de R$ 6,8 bilhões da Allos, citando que, desde setembro de 2023, a companhia anunciou cerca de R$ 1,8 bilhão em venda de ativos, com cap rate (taxa de capitalização) de 8,2%, representando fatia limitada do portfólio consolidado (10% da área bruta locável) e da geração de caixa (7% do NOI, receita operacional líquida).
A CFO da Allos explicou que o desinvestimento se deu em shoppings com perfil semelhante, de menor porte, mas líderes em suas praças, e aproveitou o apetite dos gestores de FIIs (fundos de investimentos imobiliários) para adicionar essas participações acionárias em suas carteiras, dentro de uma estratégia natural da companhia de revisão do portfólio após a fusão entre brMalls e Aliansce.
Com os recursos provenientes das vendas de ativos e participações, a companhia conseguiu terminar 2023 com um nível de alavancagem de 2x na métrica de dívida líquida/Ebitda, um pouco abaixo do guidance. Para 2024, o grupo projeta que esse indicador fique entre 1,9x e 2,3x.
No quarto trimestre, foram renegociadas duas dívidas (R$ 316,1 milhões e R$ 576,7 milhões) com o Itaú, com alongamento de vencimentos de curto prazo para 2025 e 2026. “A Allos deve continuar a refinanciar os vencimentos de dívida, apoiada por seu forte acesso a crédito no mercado local”, indicou a Fitch.
Aumento do aluguel de novos locatários
A agência de classificação de risco destacou que as operadoras de shoppings no Brasil devem continuar a explorar diferentes parcerias para oferecer novas experiências aos clientes e, assim, ampliar o tráfego.
“Mais espaços direcionados a serviços, lazer e alimentação e fatores como localização, segurança e aspectos climáticos também favorecem o setor no país. Com a pandemia de covid-19, o número de canais de comércio eletrônico aumentou, e as operadoras de shopping centers têm buscado desenvolver plataformas de investimento para incorporar essas novas tendências”, avaliou a Fitch.
No quarto trimestre, a taxa de ocupação do portfólio da Allos ficou em 96,3%, acima dos 95,7% nos três meses anteriores. O fechamento de lojas de grandes varejistas como Tok&Stok e Americanas (AMER3) ajudou a companhia, segundo a CFO, pois a Allos encontrou rapidamente novos interessados pelos espaços e fechou o aluguel com valores atualizados e maiores. No ano, foram assinados 1.098 novos contratos.
Fonte: Bloomberg Linea