Marcia de Chiara | A redução da inflação e do desemprego, considerados alavancas de crescimento de consumo, parece não estar animando os brasileiros nas compras neste fim de ano. Um sinal da apatia ocorreu na Black Friday, com uma frustração das vendas durante os dias de ofertas. No varejo online, quedas chegaram a 15% do faturamento e nas lojas físicas, 0,49% das vendas médias, segundo levantamento a Neotrust e VarejOnline, respectivamente.
Isso acendeu um sinal de alerta e fez grandes redes do varejo tradicional e entidades do setor se debruçarem para entender o que, de fato, afetou os negócios. Também trouxe à tona dúvidas sobre as perspectivas de vendas para o Natal, importante data para recuperação do comércio. O presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, diz que o momento exige mais pé no chão. “O Natal será duvidoso”, avalia. De um lado, para atrair consumidores, o varejo deveria dar mais descontos. Mas, de outro, este ano é de mais racionalidade para a operação varejista.
A projeção da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) é que as vendas deste Natal cresçam 5,6% ante 2022. Em faturamento, no entanto, o economista da CNC Fabio Bentes diz que o diferencial vendido por conta do Natal deste ano ainda será inferior ao último antes da pandemia. Em 2019, o comércio faturou com a data R$ 70,8 bilhões, em números corrigidos pela inflação. Para este ano, a perspectiva é vender R$ 68,97 bilhões. “Vai ser um Natal de recuperação.”
Para o Estado de São Paulo, o principal mercado consumidor do País, a projeção de crescimento de vendas do mês inteiro de dezembro é de 5% em relação ao mesmo mês de 2022, segundo a Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).
Os números são a esperança do setor de recuperar o consumo morno dos últimos meses. De janeiro a setembro o volume de vendas do varejo restrito – que não inclui veículos e materiais de construção – cresceu 1,8%, segundo a Pesquisa Mensal de Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Economistas afirmam que o cenário atual deveria ser, teoricamente, mais favorável ao consumo de fim de ano. Até novembro, por exemplo, a prévia da inflação oficial, medida pelo IPCA-15 e apurada pelo IBGE, acumula alta 4,3%. É mais de um ponto abaixo do resultado do mesmo período de 2022 (5,35%).
Além da inflação controlada favorecer às compras, o mercado de trabalho, teoricamente, seria outra alavanca de vendas. A Fecomércio -SP, por exemplo, aponta o emprego formal como fator de sustentação da previsão de crescimento de vendas da entidade para o varejo paulista. O Estado de São Paulo respondeu por 70 mil dos 190 mil empregos com carteira assinada em outubro, de acordo com o Cadastro Geral e Empregados e Desempregados (Caged).
Em outubro último, havia mais de 100 milhões de brasileiros ocupados, fato inédito em 11 anos, desde o início da série do IBGE em 2012. No trimestre encerrado em outubro, a taxa de desemprego estava em 7,6%, ante 8,3% em igual período de 2022, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Também em outubro, o rendimento médio real de R$ 2.999 mensais tinha avançado 3,9% na comparação com mesmo período do ano anterior. Só o juro básico destoa dos outros indicadores macroeconômicos. Isto é, joga contra o consumo. Atualmente em 12,25% ao ano, a trajetória da taxa Selic é de queda, mas ela ainda está num nível elevado. Em novembro de 2022, os juros básicos eram de 13,75% ao ano.
No entanto, há fatores novos interferindo nas vendas, observa o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo(SBVC), Eduardo Terra. “O ambiente competitivo está diferente no varejo e isso tem trazido desafios adicionais.” No momento, grandes varejistas tradicionais e a SBVC tentam entender esse movimento. E concluíram que existe uma “competição oculta” pelo bolso do consumidor.
A hipótese é de que quatro segmentos estariam competindo para abocanhar uma fatia da renda disponível, que, no passado, era destinada às compras de mercadorias no comércio tradicional. Seriam as apostas online, a venda direta da indústria para o consumidor, os sites internacionais de comércio eletrônico (cross-border) e os marketplaces. Este último reúne pequenos empreendedores que, normalmente, estão fora do varejo das grandes redes. Os sites internacionais, por sua vez, tiveram queda de braço recente com o varejo tradicional por conta da tributação.
Juntos, os quatro segmentos movimentam cifras significativas. Nas contas do presidente da SBVC, seriam equivalentes a 15% do que o varejo fatura. Em valores monetários, essa fatia seria de R$ 345 bilhões por ano. “É a primeira vez que esses novos elementos ficaram mais evidentes.”
Endividamento continua elevado
O economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas e responsável pela sondagem do comércio, Rodolpho Tobler, acredita que o principal motivo para o fraco desempenho do varejo na Black Friday e a perspectiva de um Natal morno é a cautela dos consumidores em razão de o endividamento continuar elevado.
“Em relação ao passado, o ambiente macroeconômico está melhor, só que as famílias ficaram inadimplentes por muito tempo e os consumidores estão ainda cautelosos, tentando acertar o orçamento”, observa.
Desde julho, está em operação o Desenrola, programa do governo de renegociação de dívidas. Na primeira fase, 9,7 milhões de brasileiros deixaram de ser inadimplentes por meio desse programa. Mas Tobler não vê um impacto tão rápido da renegociação de dívidas no consumo deste fim de ano. “A pessoa precisaria de um novo crédito para voltar a comprar.”
De acordo com o dado mais recente do Banco Central de comprometimento de renda, as famílias tinham em agosto 30,4% da renda empenhada com pagamento de dívidas, excluindo a prestação da casa própria. Essa marca já foi maior, chegou a 31,7% em julho do ano passado e a 31% em janeiro deste ano.
“A situação (do endividamento) não é confortável”, afirma o economista da CNC, Fabio Bentes. Ele projeta que o indicador de comprometimento da renda das famílias com dívidas feche o ano 30,1%.
Para Bentes, o mercado de crédito, afetado pelos juros ainda elevados, e o alto endividamento da população são fatores que devem limitar o avanço das vendas de final de ano.
Natal de promoções?
Diante da disputa mais acirrada pelo bolso do consumidor, inclusive com a chegada de novos segmentos, como apostas esportivas, marketplaces, sites internacionais, e também da frustração da Black Friday, o caminho natural seria o varejo fazer mais promoções neste Natal.
Mas, depois do pedido de recuperação da Lojas Americanas em janeiro e do aperto generalizado de crédito dos bancos para o setor, o varejo tradicional enxugou estoques e passou a operar o dia a dia sem dar grandes descontos. Enquanto isso, os marketplaces e sites internacionais de e-commerce avançaram. Assim foi também na Black Friday.
A perspectiva é que a estratégia dos marketplaces e dos sites de comércio eletrônico internacionais, que se destacaram na Black Friday com promoções mais agressivas em relação às redes do varejo tradicional, se repita no Natal.
O Mercado Livre, por exemplo, iniciou esta semana uma campanha de Natal prometendo descontos de até 60% em diversas categorias de produtos. Pretende rivalizar com o varejo tradicional, destacando a comodidade da compra online, a segurança e a rapidez na entrega.
A Shopee, o e-commerce asiático, vai fazer um “liquidação de Natal” antes do Natal. No dia 12 de dezembro, decidiu distribuir R$ 7 milhões em vouchers de desconto, além de cupons para frete grátis em compras acima de R$10.
Fonte: Estadão