Por Ana Luiza de Carvalho, Felipe Laurence, Fernanda Guimarães, Maria Luíza Filgueiras, Rita Azevedo e Talita Moreira | Ao divulgar ontem os dados financeiros revisados de 2021 e 2022, a Americanas, em recuperação judicial, comprovou a tese de que seu passado é incerto e que há muitas pontas em aberto, podendo comprometer o futuro da varejista, cuja crise deflagrada no início do ano secou as linhas de crédito corporativas no mercado e arrastou outras empresas que também estavam em dificuldades financeiras para uma turbulência maior. O balanço foi divulgado após 11 meses de espera e diversos adiamentos desde a fraude contábil anunciada em janeiro.
A companhia, que tem os bilionários Beto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, trio da 3G Capital, como acionistas de referência do grupo, anunciou prejuízo líquido de R$ 12,9 bilhões em 2022. No anterior, fez uma correção de rota na última linha do balanço: em vez do lucro de R$ 731 milhões, encerrou com prejuízo líquido de R$ 6,23 bilhões.
O patrimônio líquido da Americanas ficou negativo em R$ 26,6 bilhões ao fim de 2022, considerando os ajustes extraordinários no balanço. Em 2021, o patrimônio líquido real foi negativo em R$ 12,6 bilhões. Na divulgação anterior, estava positivo em R$ 9,48 bilhões.
Os dados não surpreenderam o mercado, que jé esperava pelo rombo maior, mas o fato de o auditor independente da BDO RCS ter se negado a dar opinião sobre as demonstrações financeiras da rede chamou a atenção do mercado financeiro. Analistas, investidores e bancos credores veem nesse sinal um possível obstáculo para conclusão do plano de recuperação judicial da rede varejista.
Vamos divulgar resultados da companhia dos três primeiros trimestres de 2023 até o fim do ano”
O resultado financeiro foi negativo em R$ 1,58 bilhão em 2021. Antes, a empresa havia reportado R$ 772 milhões no vermelho. O ajuste mais relevante foi a reclassificação da conta dos juros de risco sacado. Já em 2022, ficou negativo em R$ 5,23 bilhões. Houve ajuste na receita líquida em 2021. O número real ficou em R$ 22,5 bilhões, contra R$ 22,6 bilhões divulgado originalmente, pela revisão de faturamento de serviços que foram antecipados de forma inapropriada.
Ao mercado, Camille Loyo Faria, diretora financeira da varejista, os números de 2021 e 2022 não são inteiramente comparáveis, considerando a incorporação da Lasa e da B2W em junho de 2021. O trabalho de revisão e preparação dos dados agora deve ser focado nos três primeiros trimestres de 2023. “Vamos divulgar resultados dos três primeiros trimestres de 2023 até o fim do ano”, disse.
“A companhia vive um capítulo singular na sua história desde janeiro, quando foi divulgada a existência de, naquele momento, ‘inconsistências contábeis’ que meses depois foram reveladas como fraude de resultados”, afirma a administração. Segundo a Americanas, a reapresentação das demonstrações financeiras são um compromisso da nova diretoria com a transparência e a verdade.
Além disso, outros dois focos de atuação, recuperação judicial e esclarecimentos, foram separados dos trabalhos de transformação, para a equipe focar na operação e em medidas de produtividade.
A Americanas diz que todos os efeitos da fraude ocorridos antes de 31 de dezembro de 2020, assim como outros ajustes que se fizeram necessários por consequência da fraude ou por necessidade de aprimoramento de práticas contábeis foram, de acordo com normas contábeis, implementados no saldo de partida da companhia.
Ao longo do processo de revisão foi identificada a necessidade de se fazer ajustes contábeis que não são classificados como fraude, mas consequência do conhecimento, nesse momento, da real situação patrimonial e financeira da companhia.
Entre os reajustes fora da fraude, a companhia realizou conciliação de contas patrimoniais que apresentavam pendências antigas sem solução, reavaliação de contas a receber, revisão de riscos associados a contingências, revisão das bases contratuais de aluguéis e reconhecimento de contratos de parcerias.
Além disso, a empresa realizou reavaliação abrangente dos cálculos de “impairment”, considerando a real situação financeira e patrimonial da companhia, baixa do imposto de renda diferido ativo, reclassificação de empréstimos e financiamentos de longo prazo e reapuração de impostos em função das correções realizadas.
O plano de negócios da nova Americanas será focado na fortaleza e resiliência das lojas físicas, apoiado na operação do digital, pelo portfólio de serviços financeiros da Ame e diversidade em anúncios, diz a companhia. “Acreditamos que, com este plano, a Americanas estará pronta para renovar seu papel de relevância no varejo brasileiro. Não será fácil, não será simples, mas será feito”, afirmou Leonardo Coelho, diretor-presidente da Americanas.
A companhia quer buscar maior assertividade nos produtos para revenda, assim como novos modelos de precificação e modulação de sortimento para ampliar as vendas no canal físico e a margem bruta da companhia.
O executivo relatou o trabalho feito após a sua chegada e disse que foi criado um grupo de trabalho que identificou 14 frentes de negócio com oportunidades de melhoria. “Criamos um plano estratégico baseado no fortalecimento do físico”, disse, acrescentando que também haverá investimentos no “digital”.
A expectativa é de que a varejista alcance Ebitda superior a R$ 2,2 bilhões em 2025. A receita “vai ser menor do que no passado, mas com margem muito mais robusta”.
Para os negócios não estratégico, como as operações adquiridas da Uni.co (Puket e Imaginarium) e Natural da Terra, o executivo disse que continuam “na pasta de desinvestimentos, mas não será liquidação”. Fontes afirmaram ao Valor que Uni.co não teve interesse de comprador – já a Natural Terra sim, mas a empresa prefere que os interessados, como o St. Marché, melhorem a oferta, segundo fontes.
Um comitê independente foi nomeado para investigar as causas do rombo, mas ainda não apresentou os resultados da apuração. O reversão do passivo a descoberto da Americanas “depende quase que exclusivamente” do plano de recuperação judicial, já que a empresa não espera patamares altos de lucratividade nos próximos trimestres, disse Camille Faria. Um aumento de capital de R$ 24 bilhões deve ser a principal chave para recuperar o patrimônio líquido.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, a convergência de portfólio próprio nas operações on-line e física é uma possibilidade de ampliar as margens no setor. “A Americanas sempre foi forte com higiene pessoal, parte de bomboniere, brinquedos e papelaria, então poderiam ser categorias para ela apostar no on-line. Não diria que um dos caminhos seria o alto tíquete médio, mas categorias menos congestionadas.” Já um analista defende que o tíquete médio foi um fator de sucesso para operações de companhias como o Mercado Livre e o próprio Magazine Luiza. “A empresa que fatura bem em marketplace ganha por um tíquete médio mais alto, não vendendo balinha e chocolate.”
Fonte: Valor Econômico