Por Fátima Fernandes | Disputar um setor com empresas que faturam mais de R$ 100 bilhões por ano, como o Carrefour, ou até menos, R$ 18,5 bilhões, como o Pão de Açúcar, é de assustar.
Para driblar este mercado tão concorrido, redes regionais acharam um jeito de se unir para ter poder de barganha com fornecedores, menor custo logístico e até importar com facilidade.
A ideia de juntar forças para pools de compras começou nos EUA nos anos 60 e, no Brasil, há pelo menos 20 anos, justamente quando o Carrefour anunciava planos de crescer por aqui.
Com o passar dos anos, a filosofia da “união faz a força” deu tão certo que algumas associações já possuem importadoras, lojas nos modelos cash and carry e express e até marcas próprias.
Há casos de associações tão bem sucedidas que acabaram se transformando em empresa.
UNIGRUPO BRASIL
Criada em 2012, a Unigrupo Brasil reúne 15 redes de supermercados em sete Estados brasileiros. Quando decidiu montar a associação, o grupo tinha 100 lojas. Hoje, são 350.
“Temos um jeito peculiar de atuar, que é negociar o tempo todo”, afirma Vanderlei Martins, diretor comercial da Unigrupo Brasil.
Uma rede média, sozinha, diz, tem muita dificuldade para fazer prospecção de produtos e fornecedores, definir ações de marketing, participar de feiras internacionais.
“Quando faz um negócio com outras empresas, as operações são muito mais fáceis. Como encarar um Carrefour que fatura cerca de R$ 100 bilhões por ano?”, afirma Martins.
Somente se juntando com outras redes, diz, com a ideia de cooperar para sobreviver.
A Unigrupo Brasil negocia para os sócios desde a aquisição de produtos como arroz, feijão e azeite até mercadorias de bazar importados da China.
Juntos, os sócios da Unigrupo Brasil somam um faturamento anual da ordem de R$ 20 bilhões, valor até maior do que o da rede Pão de Açúcar em 2022 (R$ 18,5 bilhões).
Entre os associados estão as redes Barbosa, Big Box, Carone, Irmãos Boa, Hirota, Coelho Diniz, MartMinas, todas com o compromisso de não concorrer entre elas.
Aliás, para fazer parte deste grupo, este é um item importante a ser considerado: não ter loja próxima da dos associados, evitando a concorrência direta, além de boa situação financeira.
“Nós fazemos uma avaliação do perfil do supermercado que quer entrar para o grupo, mas, como qualquer associativismo, existem regras, estatuto.”
Além de negociar e importar produtos para os associados, a Unigrupo Brasil criou a marca própria “casademãe”, com produtos que vão de salgadinhos e cereais a temperos e molhos.
Em São Paulo, os produtos são encontrados na rede Hirota. “Estamos lançando produtos com marca própria toda a semana, já com participação de 10% na receita de alguns associados.”
REDE SOL
Com 22 anos, a Rede Sol Supermercados, uma associação de supermercadistas da região de Mirassol (SP), tem 10 sócios, 18 lojas, que possuem de 800 a 3 mil metros quadrados de área de venda, e um centro de distribuição (CD).
A rede trabalha com cerca de 16 mil itens. Uma equipe de gestão de compras reúne as demandas dos supermercadistas e faz as encomendas dos produtos que vão para o CD.
“É um CD que trabalha no sistema de cross docking, no qual o associado tem 72 horas para a retirada das mercadorias”, diz Rodolfo Antunes, diretor comercial da Rede Sol.
Os negócios dos sócios da Rede Sol têm ido tão bem, de acordo com ele, que não existe sequer mais interesse na entrada de novos sócios.
“Já passamos da fase de querer novos associados para aumentar o faturamento. Estamos no momento de conhecer cada vez mais o cliente para ações de marketing mais assertivas.”
Em quatro lojas da Rede Sol Antunes, uma das sócias da Rede Sol, um programa de fidelidade permite obter informações de compras de 90% dos clientes.
“Sabemos quais produtos eles compram, em quais dias e horários, o que eles não compram, o que poderiam comprar. É importante saber para quem mandamos as informações”, afirma.
Antunes diz que a competição no setor está extremamente acirrada e o jeito para disputar em pé de igualdade com as gigantes é, além de comprar bem, conhecer muito bem o consumidor.
“Antes, as lojas só recebiam em dinheiro, hoje aceitam vale alimentação, cartão, pix. O que deu certo há anos, hoje não dá mais. O supermercadista tem de abrir a cabeça para crescer.”
Ao identificar o perfil da maioria dos consumidores, diz, a sua rede deixou de trabalhar com tabloides físicos para se comunicar por meio de SMS, WhatsApp e aplicativo.
82% da população economicamente ativa de Mirassol, de acordo com ele, passou pela Rede Sol Antunes nos últimos 90 dias. As quatro lojas possuem 48 mil clientes cadastrados.
No caso dos associados da Rede Sol, cada supermercadista faz a sua gestão, de forma independente.
Cabe à associação, que trabalha com dois CNPJs, um para a associação e outro para o atacado, a compra de produtos, campanhas, ações, troca de informações sobre o setor.
REDE SHOW
Com 26 anos, 27 sócios e 30 lojas, a Rede Show, com atuação na Grande Vitória (ES) e regiões Norte e Sul do Espírito Santo, soma um faturamento da ordem de R$ 500 milhões por ano.
“O principal negócio da associação é a compra conjunta e usufruir de ações de marketing em rádios e emissoras de televisão, mídias sociais”, diz Vander Bastos, gestor comercial da rede.
Para ter a bandeira Rede Show, o empresário paga uma luva de R$ 20 mil e uma mensalidade de R$ 2.650.
“Com o trabalho da associação, nos três primeiros meses, o supermercadista, que continua sendo o dono da loja, já registra um salto de 40% nas vendas, no mínimo”, diz Bastos.
Um centro administrativo, com 12 pessoas, diz ele, funciona como um núcleo de gestão estratégica da Rede Show para as áreas financeira, compras e comercial.
Até o final de novembro, a rede vai ter mais três novas lojas no Espírito Santo.
Uma delas, que será inaugurada no dia 18 de outubro, no bairro Nova Almeida, em Serra, pertence à Gedilson Pandolfi Cazotti, que já é dono de uma loja express da Rede Show no bairro Morada de Laranjeiras.
A sua história com a Rede Show começou há cinco anos, quando decidiu tocar uma antiga mercearia no modelo express, como um teste para a marca.
“Topei o desafio, deu certo, e agora surgiu a oportunidade de realizar o sonho de ter uma loja maior, um supermercado com 550 metros quadrados de área de venda”, diz.
O modelo express continuará sendo operado por ele, que agora vai tocar também uma loja da Rede Show Nova Almeida.
“A associação permite vantagens nas negociações com os fornecedores. Dependendo do produto e das ações, os descontos podem chegar a 20%”, diz.
EGO E DESCONFIANÇA
Para Marcos Escudeiro, conselheiro de empresas, com experiência no setor supermercadista, comprar mais barato é apenas uma das vantagens dessas associações.
“Algumas delas também negociam a logística para entrega dos produtos, taxas para uso de cartão, prazos de pagamento com fornecedores”, afirma.
Essas associações, diz, lembram muito o que aconteceu no passado com a união de bancos menores, que formou o Unibanco, que se fundiu com o Itaú, hoje um dos maiores do mundo.
“O que ainda atrapalha nessas associações é o ego e a desconfiança dos empresários. Sempre vai precisar ter alguém para falar pelo grupo, o que, geralmente, causa ciumeira”, diz.
Os modelos dessas associações de supermercados são variados, até porque cada grupo de empresários estabelece as regras de operação, gestão, receita.
Com 12 sócios, 31 lojas, a Rede Unissul, com sede em Pouso Alegre (MG), também não quer aumentar o número de sócios. Juntas, as suas redes somam um faturamento de R$ 1,4 bilhão.
“Tem associações tão bem-sucedidas que, assim como ocorreu com os bancos, no passado, já se transformaram em empresas”, diz Escudeiro.
Um exemplo é a Rede Top, uma das maiores de Santa Catarina, com 21 lojas. A rede teve início em 1997 a partir da união de supermercadistas de Blumenau (SC) para compras conjuntas.
A marca Rede Top foi criada em 2002. Além dos 21 supermercados, a empresa tem 5 lojas de atacado (Preceiro Atacados), fatura perto de R$ 900 milhões e emprega cerca de 2 mil pessoas.
Fonte: Diário do Comércio