Por Katia Simões | Há dois anos, a Track&Field, uma das líderes no segmento bem-estar no Brasil, se deu conta de que se não mudasse de mentalidade, perderia mercado. E a mudança não estava relacionada a produto. O foco era o ponto de venda. “Precisávamos trazer para dentro da loja o ecossistema da marca, que envolve produtos, promoção de eventos esportivos, curadoria de venda, alimentação saudável e tecnologia”, lembra o CEO, Fernando Tracanella. “Tínhamos de garantir uma experiência de compra completa aos nossos consumidores em todos os momentos de contato coma marca.”
A mudança passou pela transformação da arquitetura da loja, que se tornou mais moderna, sustentável e apta para exposição diferenciada de produtos, viabilizando vendas cruzadas, aquelas que fazem o cliente levar itens adicionais, aumentando o valor da compra. Além disso, a loja passou a contar com serviço de concierge, que permite a conexão com treinadores na hora da aquisição. Os espaços maiores agora abrigam o TF Café, com cardápio saudável.
O back-office recebeu novas tecnologias, para que o centro de distribuição (CD) servisse para abastecer as lojas e não as vendas fracionadas do canal digital, transformando o ponto de venda num hub logístico. “Das 344 lojas distribuídas por 150 cidades, 22 operam como mini centros de distribuição enquanto as demais fazem entregas do e-commerce no entorno, 11 têm cafés e 150 trabalham com vitrine infinita”, revela Tracanella. “Nos 25 pontos reformados, a performance de vendas mais do que dobrou”, diz. A Track&Field faturou R$ 1 bilhão em 2022 e foi eleita a melhor empresa de capital aberto na categoria financeira do Prêmio Ibevar-FIA 2023, a partir da avaliação do retorno sobre o capital investido.
Para Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, a principal transformação da loja física está na sua definição de uso. “É preciso entender que a loja é um componente do negócio que evolui de um foco muito grande em produto e operação -que caracteriza a cultura tradicional do varejo -, para um negócio cada vez mais orientado para clientes e dados”, afirma. “Sem esse entendimento, não há como sobreviver.” Cada varejista deverá analisar de maneira mais individualizada as jornadas de seus clientes, suas demandas e dores. A partir da análise desse cenário, combinará ferramentas, canais e modalidades de comunicação, venda e relacionamento, a fim de extrair o maior valor possível dessa relação.
“Nessa ótica, as lojas têm papéis relevantes e cada vez mais estratégicos que passam muito além de ser um simples ponto de venda”, diz Serrentino. “Na visão de loja hub, ganha um protagonismo grande primeiro como ferramenta de conquista, manutenção, ativação e engajamento de clientes; segundo, como plataforma de mídia, porque o varejo está se transformando num gestor de conteúdo; e, por fim, como ponto de oferta de serviços, desde personalização e customização, até instalação, projetos garantidos, monitoramento e tudo o que resolva a vida do cliente e elimine atritos.”
Serrentino enfatiza, porém, que a transformação do ponto de venda em hub logístico é a mais desafiadora, dada à complexidade exigida. “Sem muita tecnologia embarcada fica difícil orquestrar estoque para atender à demanda das vendas digitais, híbridas e físicas que transitam em múltiplos canais dentro de uma mesma jornada de compra do cliente”, afirma. “O varejo tem a capilaridade a seu favor, mas não basta. Ter uma última milha eficiente com custos equilibrados exige muita estratégia, parcerias e tecnologia”, afirma.
Gabriela Guimarães, vice-presidente de e-commerce da DHL Supply Chain, observa que nem todo varejo tem capilaridade de loja física e volume para otimizar frete, o que levou a companhia a criar o DFN (DHL Fulfillment Network), que acomoda volumes de vários vendedores e compartilha entregas na última milha, otimizando recursos e padronizando o processo de entrega. “Oferecemos suporte em toda a cadeia de suprimentos, desde manuseio e armazenamento de entrada, coleta e embalagem até entrega da última milha, bem como manuseio de devolução”, explica.
Com 655 lojas, sendo 416 da bandeira Renner, a varejista foi uma das primeiras a adotarem as etiquetas inteligentes RFID, concluindo a implantação em 100% dos produtos, inclusive líquidos, perfumaria e metalizados, neste ano. A tecnologia ajuda não só na prevenção de perdas como na gestão de estoque, pontos fundamentais dentro do novo papel da loja física. “O inventário, que antes era feito em dois dias, com a tecnologia passou a ser realizado em três horas”, revela Alexandre Ribeiro, diretor de riscos da Renner.
Segundo o executivo, a combinação das etiquetas com app próprio para reposição resultou em 64% de aumento na acuracidade de estoque, reduziu em 87% os níveis de ruptura e promoveu aumento de 1,8% nas vendas nos primeiros meses de implantação. Hoje, 40% das lojas também já contam com caixas de autoatendimento. “Tecnologia e inovação sempre fizeram parte do cotidiano da Renner e, quando combinada com o propósito de encantar o cliente, dá origem a uma experiência completa, sem atrito, sem divisão entre o mundo on-line e off-line”, afirma Fabiana Taccola, diretora de operações da Lojas Renner. Muitas das tecnologias foram testadas na loja do Shopping Vila Lobos, batizada de guide shop, que unia o melhor do varejo físico com a conveniência e agilidade das compras on-line.
Lojas têm papéis relevantes e cada vez mais estratégicos”
Na prática, a loja física passou a ser o grande laboratório de vivência das marcas. Se não gera experiência, dificilmente terá atratividade. Não à toa muitas empresas têm investido em loja conceito. É o caso da rede de franquias Nutty Bavarian, que reuniu num mesmo espaço, produtos que levam suas tradicionais castanhas glaceadas. “Trata-se de um espaço de produtos exclusivos, produzidos por diversos parceiros, que podem ser degustados, personalizados e adquiridos em embalagens de presente, dando ao consumidor a real dimensão do universo das castanhas e promovendo uma imersão no mundo da Nutty Bavarian”, diz Adriana Auriemo, fundadora do negócio.
Com 4.021 lojas, a Cacau Show também vê na diversidade de formatos de loja, somada à tecnologia e perfeita integração com a indústria, o segredo para oferecer ao consumidor uma experiência eficiente nos diversos momentos da jornada de compra. “Temos desde operações de 15 m2 até megastores com cerca de 2 mil m2, além de forte presença digital.
As 2.500 lojas plugadas no e-commerce já representam 4,9 % do faturamento, estimado em cerca de R$ 3,1 bilhões”, afirma Arlan Roque, gerente de expansão. “A abertura da primeira megastore em 2027 nos levou a outro patamar, nos ensinou muito com relação a oferta de serviços e experiência personalizada.”
Neil Patel, co-fundador da Neil Patel Digital, destacou que o Brasil deve ser a próxima “power house” do varejo global. “Para que isso aconteça, porém, as marcas precisam estar bem-preparadas, oferecendo experiências efetivas em todos os canais, porque as pessoas querem viver uma experiência única, encontrar coisas novas e mais baratas. Acabou a era da abundância”, ressalta. “A fidelidade à marca virá do resultado da combinação desses fatores.”
Fonte: Valor Econômico