Por Adriana Mattos | As vendas de grupos estrangeiros de comércio on-line podem ter começado a se desacelerar no país pelo receio dos consumidores terem suas remessas barradas na aduana por causa da maior fiscalização. Esse movimento já tem gerado ambiente um pouco mais positivo para ações de varejistas locais na B3 nas últimas semanas.
Na sexta-feira, o Banco Central publicou informações sobre a balança comercial de bens em abril, e relatou que as importações de pequeno valor por meio de encomendas internacionais totalizaram US$ 701 milhões no mês passado, uma queda de 20% sobre os US$ 878 milhões de abril de 2022.
É o primeiro recuo, na comparação anual, desde maio de 2020, segundo relatório da área de análise do Santander, publicado na sexta-feira, e que aborda o tema. Em relação à média mensal de 2023, a retração é de 11%.
Ainda é o número mais baixo para um mês desde fevereiro de 2022, calculou o Valor com base no histórico de dados do Banco Central. As informações sobre remessas internacionais com valores mais baixos passaram a ser incluídas nas publicações da instituição em agosto de 2021, mas há dados retroativos. Não dados específicos sobre as faixas de preços analisadas.
Os números passaram a ser contabilizados pelo BC depois do “boom” de importações dessas mercadorias ao país, especialmente oriundas da China, após a pandemia.
Ações de varejistas locais sobem em meio a discussões sobre tributação das compras on-line do exterior
Relatórios de analistas de bancos mostram que as maiores plataformas estrangeiras no país, em visitas de clientes, são, nesta ordem, Mercado Livre, Amazon, Shopee, Shein e AliExpress, sendo que as três últimas tem operação baseada na Ásia, região responsável por 70% das remessas internacionais de baixo valor ao país.
A equipe de analistas do Santander afirma que há algum impacto no número da piora do ambiente de consumo neste ano, mas entende que o declínio está provavelmente ligado “às crescentes preocupações dos consumidores se os seus produtos podem ser tributados ou não, já que o governo brasileiro agora está sendo mais claro sobre as mudanças nas compras transfronteiriças”, escreveu.
No começo de abril, Ministério da Fazenda e Receita Federal chegaram a anunciar o fim da isenção de impostos em remessas abaixo de US$ 50, entre pessoas físicas (nos casos em que não há uma operação de compra e venda, como em envio de presentes). Isso gerou uma forte reação contrária de consumidores nas redes sociais e levou o presidente Lula a voltar atrás da decisão.
A intenção era reduzir o volume de “contrabando digital”, já que essa é a faixa de preços em que se concentra parte das remessas internacionais que fraudam valores para evitar pagamento de imposto (de 60% sobre o valor do envio no caso do comércio eletrônico).
Nas últimas semanas, consumidores já têm feito reclamações na próprias plataformas on-line sobre as devoluções e demora maior na entrega de produtos, frente ao ano anterior.
No site Reclame Aqui, cerca de 70% das reclamações de um ano para cá se concentram nos últimos seis meses, e o tópico principal é atraso de pedidos. Na Shopee, nos últimos seis meses, a categoria de logística e entrega é a segunda maior reclamação.
“As informações que temos é que Receita e Correios já vêm trabalhando com rigor maior na liberação das mercadorias, depois de todo o alvoroço causado em abril. A desconfiança é que pode ser uma espécie de teste das novas regras de desembaraço válidas após julho”, afirma uma pessoa a par das negociações de varejistas on-line com o governo.
A partir de 1º de julho, segundo normativa publicada pela Receita em dezembro, os Correios passarão a receber dados, por parte das plataformas, de todas as remessas internacionais, e repassarão essas informações à Receita, para apertar o controle sobre envio de mercadorias.
Esse cenário se desenha em meio à necessidade das plataformas estrangeiras melhorarem sua rentabilidade global, explorando mercados com maior potencial, como o Brasil, e revendo despesas.
Em abril, já com as remessas perdendo fôlego no país, e no auge da crise causada pelo anúncio do governo sobre a taxação, a Shein anunciou plano de nacionalização, com tratativas iniciais para produção em contrato de parceria com a Coteminas.
A Shopee, que implementou um plano de reestruturação global após o fim do ano passado, fechou operações em certos países, cortou custos e fez demissões, na busca de uma melhora de resultados. No Brasil, bancos estimam que a Shein fature entre R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões anuais e a Shopee, de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões.
A equipe do Santander, liderada pelo analista Ruben Couto, ainda ressalta que a existência de discussões sobre antecipar a cobrança dos impostos de importação para o ato da compra – conforme antecipou o Valor na semana passada – deve levar a um aumento do valor final ao consumidor.
Isso pode trazer “ventos contrários contínuos para empresas como Shein, Shopee e AliExpress, impactando positivamente as empresas locais”, especialmente as varejistas de vestuário. Essa discussão já teria melhorado o humor de investidores em relação a papéis de varejistas como C&A e Riachuelo (subiram 62% e 12% em um mês, respectivamente).
Fonte: Valor Econômico