Por Sergio Ripardo | A Multiplan (MULT3) abriu na semana passada a temporada de balanços do primeiro trimestre do segmento de administradoras de shopping centers. A companhia, voltada para o público de alta renda, surpreendeu positivamente o mercado com lucro, receita, geração de caixa e margem acima das estimativas dos analistas.
Olhando o portfólio da Multiplan, composto por 20 shopping centers em operação, um deles chamou a atenção pelo ritmo de crescimento: o Shopping Vila Olímpia, inaugurado em novembro de 2009 na zona sul da capital paulista.
Enquanto as vendas totais da Multiplan cresceram 16% em relação ao mesmo período do ano passado, para R$ 4,3 bilhões, o Shopping Vila Olímpia teve um aumento duas vezes maior (35,1%) no período e foi o “destaque de crescimento”, segundo observou o analista Ygor Altero, em relatório da XP sobre o resultado.
Os investidores têm percebido o movimento de recuperação dos shoppings, representado pelo Vila Olímpia, o que beneficia a empresa. As ações da Multiplan acumulam alta de 17% do início de 2023 até esta terça-feira (2), em um ano em que o Ibovespa (IBOV) tem queda de 7%.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o CFO da Multiplan, Armando d’Almeida Neto, explica a alta performance do empreendimento, que ganhou visibilidade em novembro do ano passado por abrigar a primeira unidade física da asiática Shein na América do Sul em formato pop-up store (espaço temporário), com direito a longas filas, confusões e brigas postadas nas redes sociais.
“A localização do Vila Olímpia é única. Há muitos escritórios na região. Além disso, a ocupação residencial cresce rápido no bairro. Com o fim do home office, o shopping se beneficiou com o maior fluxo de pessoas. Também estamos investindo bastante em eventos. Promovemos até um campeonato de beach tennis”, afirma o executivo.
O desempenho do Vila Olímpia, visto agora como a nova “galinha dos ovos de ouro” da companhia, contrasta com a percepção anterior. “Um dos ‘patinhos feios’ do portfólio da Multiplan, o Shopping Vila Olímpia, tem demonstrado uma boa recuperação. Este shopping sofreu muito pela pandemia, uma vez que se localiza em uma região de escritórios, forçando a Multiplan a trabalhar em cima de um novo mix de lojas para voltar a atrair o público ao shopping”, analisou relatório da Genial Investimentos.
Atração de marcas globais
Uma das entradas do shopping fica na rua Fidêncio Ramos, que abriga, por exemplo, as torres do Vila Olímpia Corporate, onde há escritórios da Ame Digital e Bit Services, empresas do grupo varejista Americanas (AMER3), da operadora de shopping Aliansce Sonae + brMalls (ALSO3), da operação brasileira do grupo de luxo LVMH, da construtora Canopus, da provedora de software Suse Brasil.
A reportagem de Bloomberg Línea visitou o Vila Olímpia em horário de almoço e constatou o maior fluxo de consumidores no shopping, com intenso movimento nas ruas adjacentes.
Eventos imersivos de arte também fazem parte da estratégia da Multiplan para lotar seu centro comercial. No próximo dia 17 de maio, o local inaugura a mostra “Da Vinci & Michelangelo”, com 60 obras entre pinturas e esculturas dos dois gênios (e rivais) da cultura clássica da Renascença.
Segundo o CFO, a taxa de ocupação do Vila Olímpia fechou o primeiro trimestre em 77%, ainda bem abaixo da média do portfólio (95% no fim de março). Isso significa que há espaço para atrair novas lojas, principalmente de marcas globais presentes em concorrentes no segmento de alta renda como o Iguatemi na Avenida Faria Lima, o JK Iguatemi, na Avenida Juscelino Kubitschek, ambos do Iguatemi (IGTI3), o Cidade Jardim, da JHSF (JHSF3), além do Shopping Pátio Higienópolis, da canadense Brookfield.
“A expansão das marcas internacionais no Brasil é acelerada. A guerra na Rússia fez muitas marcas fecharem suas unidades lá e aumentarem sua penetração no mercado brasileiro. Há um potencial de crescimento do mercado de luxo em nossos shoppings”, afirma o CFO da Multiplan, sem revelar os nomes das marcas interessadas em locar espaços.
Reajuste de aluguel
Relatórios de grandes bancos como Itaú (ITUB4) e JPMorgan reafirmaram recomendações de compra para a ação da Multiplan, indicada como principal escolha (top pick) do setor de shopping center. Analistas justificaram que a companhia está conseguindo reajustar aluguel das lojas em um patamar acima da inflação, além de elevar receitas com serviços, como vagas de estacionamento.
“Operacionalmente, destacamos um aumento nas vendas (16% ano contra ano) e um custo de ocupação de 15% (versus 15,6% no 1T22). Além disso, observamos expansão do aluguel nas mesmas lojas (A/A), aumentando 3,5% A/A acima do IGP-DI. Como resultado, as receitas de aluguel aumentaram (+9% A/A), impulsionando a receita líquida (+12% A/A)”, resume o relatório da XP, que recomenda compra do papel com preço-alvo de R$ 33.
“Estamos neste negócio há quase 50 anos [fundada em 1975]. Já vivemos todo tipo de crise no Brasil, como o fechamento da Mesbla e a saída da Sears do país. Temos experiência, amadurecimento e conhecimento para enfrentar situações desafiadoras”, diz o CFO.
A redução do nível de alavancagem é apontada pelos analistas como um trunfo da Multiplan. A relação dívida líquida/Ebitda caiu de 1,63 vezes no quarto trimestre para 1,54x. Incentivos fiscais ajudaram o FFO (fundo de caixa operacional) crescer 24% em 12 meses, abrindo espaço para a Multiplan acelerar seus planos de expansão, segundo a XP.
Aquisições
Como informou à Bloomberg Línea em entrevista publicada no mês passado, o CEO da Multiplan, Eduardo Peres, que sucedeu o pai, José Isaac Peres em fevereiro, a companhia tem como um dos objetivos em 2023 a retomada da expansão, com obras em unidades em Curitiba, no Paraná, Maceió, em Alagoas, São Caetano do Sul e Jundiaí, ambos em São Paulo.
Houve ainda a aquisição por R$ 170 milhões de 25% do Diamond Mall, shopping em Belo Horizonte, capital mineira, anunciada em janeiro, aumentando sua participação para 75%, enquanto o restante pertence ao time de futebol Clube Atlético Mineiro.
O CFO da Multiplan evita comentar o suposto interesse da companhia nos ativos que a Syn (SYNE3) colocou à venda em São Paulo. O Shopping Cidade São Paulo, situado na Avenida Paulista, importante rota turística e da hotelaria para executivos, é visto por analistas como um empreendimento que faria sentido à estratégia da Multiplan de aumentar sua dominância no segmento de alta renda. Além do Vila Olímpia, ela tem na maior metrópole do país os shopping Morumbi e Anália Franco.
“Gostamos de boas propriedades e temos uma visão otimista para o varejo. No primeiro trimestre, investimos R$ 216 milhões. Temos o menor nível de alavancagem nos últimos 10 anos e um custo médio de dívida de 21 basis points abaixo da taxa Selic, ou seja, de 13,54% ao ano”, diz Neto.
Fechamento de lojas
A onda de renegociação de dívidas e de processos de recuperação judicial de empresas tradicionais do varejo não deve mudar o roteiro traçado pela Multiplan para os próximos trimestres, segundo o executivo.
A Tok&Stok, do setor de casa e decoração, está fechando lojas em shoppings, por exemplo. A exposição da Multiplan à varejista de móveis, dona de uma dívida estimada de R$ 600 milhões, se limita a duas unidades (ParkShoppingSãoCaetano, na Grande SP, e o Parque Shopping Maceió).
Segundo o executivo, o turnover (renovação de lojas) é um movimento natural do varejo. No primeiro trimestre, houve a troca de inquilinos em 115 unidades nos 20 shoppings da companhia, o equivalente a 10 mil m² de área bruta locável.
“Estamos fazendo uma expansão no 4º piso do Diamond Mall. Há oportunidades de requalificação de espaços. Por exemplo, uma academia [Companhia Athletica] fechou no 3º piso. Pegamos e transformamos em áreas menores para sete novas operações. Não é difícil encontrar novos inquilinos. Os lojistas vêem o crescimento dos shoppings e querem aproveitar esse movimento”, diz.
No primeiro trimestre, a companhia lucrou R$ 207,2 milhões, alta de 20,8% em 12 meses, com margem líquida de 43,9% (+3,1 pontos percentuais), enquanto o Ebitda atingiu R$ 357,7 milhões, crescimento anual de 21,1%. O receita líquida alcançou R$ 471,5 milhões, avanço de 12,4% em 12 meses , sendo que a receita com locação subiu 8,8% para R$ 383,4 milhões.
Fonte: Bloomberg