Por Adriana Mattos
Menos de dois meses após o escândalo contábil da Americanas ter vindo à tona, grandes varejistas on-line mudam regras para os lojistas que operam em suas plataformas, ou “marketplaces”. Estão aumentando exigências e controles, reduzindo subsídios ao frete e elevando taxas de comissão cobradas sobre as vendas.
No setor, já vem perdendo força a expectativa de que se forme um ambiente de competição mais acirrada após a crise na Americanas, em grande parte, porque as empresas preferiram proteger seus ganhos e melhorar rentabilidade – num cenário de mais pressões em custos – ao invés de sair numa disputa fraticida pelos lojistas no “marketplace”.
As mudanças nas regras foram implementadas após a segunda metade de janeiro e em fevereiro. E, até o fim de março, novas alterações passarão a valer, segundo comunicados das varejistas on-line aos parceiros.
O Mercado Livre subiu o valor de certas tarifas, não vende mais em 12 vezes sem juros (em cartões de crédito de terceiros) e criou novas cobranças que inexistiam. Também elevou exigências que faz ao lojista. Alterações têm sido implementadas após 16 de janeiro e 21 de março, a depender da medida.
O Magazine Luiza elevou taxas de comissão e aumentou o prazo para repassar o dinheiro da venda ao lojista que recebe “no fluxo” que é pago mês a mês) após fevereiro. Também diminuiu subsídios no frete.
Ambas as empresas negam que seja um movimento relacionado à crise da Americanas. Mercado Livre cita como justificativa a piora no ambiente econômico.
“Elas poderiam ter segurado um pouco para sentir como o mercado ficaria após esse baque da Americanas, mas entenderam que a prioridade é repassar os efeitos ‘macro’”, diz um consultor das chamadas “key accounts”, as grandes contas de lojas dos marketplaces.
“Há uma preocupação menor das plataformas em ganhar ‘share’ hoje, e maior em manter as conquistas que já fizeram em termos de resultados de seus ‘marketplaces’ ”, diz Gabriel Lima, CEO da Enext Consultoria.
Desde 11 de fevereiro, a Shopee passou a cobrar R$ 5 por produto vendido, caso a venda total do lojista, em 90 dias, ultrapasse 450 pedidos. Antes, o limite era maior, de 900 pedidos. Isso é uma forma de incentivar a migração do vendedor pessoa física, para abertura de conta pessoa jurídica.
Nesta semana, em teleconferência com analistas, Forrest Li, CEO global da Sea Limited, controladora da Shopee, disse que a empresa “vai se concentrar em direcionar o negócio para a lucratividade” no Brasil. Ainda disse que, dentro desse esforço, reduziu em 54% a perda em margem que teve com cada pedido enviado a clientes no país, de outubro a dezembro de 2022.
A Shopee também decidiu, desde 20 de fevereiro, cobrar do lojista uma taxa de devolução maior – passou de R$ 20 para R$ 25 – em caso de item falsificado, enviado errado ou com defeito. Procurada, a Shopee não se manifestou.
A quantidade de ajustes na plataforma da Shopee, porém, é menor do que nas outras empresas. Amazon, Shein e Aliexpress mantiveram neste ano, até o momento, suas condições nos contratos com as lojas, apurou o Valor. A Aliexpress não altera sua comissão no país há três anos, pelo menos.
Em linhas gerais, na visão de consultores, Mercado Livre e Magalu preferiram defender território e manter estratégia para aumentar receita com serviços e diluir mais os custos fixos, com o intuito de melhorar margens. As medidas também envolvem esforço para cliente usarem mais a estrutura fixa de entrega dos grupos.
Em comunicado aos lojistas em janeiro, o Mercado Livre definiu que anúncios com valor abaixo de R$ 79 passam de R$ 5 para R$ 5,50. Livros e itens de supermercados permanecem isentos da cobrança.
O parcelamento sem juros teve alterações para cartões de terceiros. Antes, em anúncios premium (maior exposição), a opção de dez vezes sem juros era para compras de R$ 300 a R$ 1.499 e 12 parcelas acima de R$ 1,5 mil. Foram mantidas as dez parcelas a partir de R$ 300, mas não há mais o parcelamento em 12 vezes sem juros. Para o cartão do Mercado Pago, a opção segue válida, chegando a 18 vezes.
Aumentou também o valor dos serviços logísticos para quem usa os centros de distribuição da empresa no sistema de “fulfilment”, em que a companhia faz a armazenagem, transporte e entrega. Isso começou a ser cobrado menos de um ano atrás, em março de 2022.
Após janeiro, subiram o valor de tarifas pagas, por dia e por centímetro cúbico, no sistema fulfilment. Para itens pequenos, a tarifa aumentou 66,7%, para itens médios, 50% e itens grandes, 20,5%.
A boa notícia é que ficou mais barato armazenar estoque nas centrais. As lojas pagam para deixar mercadorias lá até venderem. Ficou definido que mercadorias armazenadas de 4 a 6 meses tiveram queda no valor pago, em média, de 43%, calculou o Valor. Os lojistas também passaram a poder, a partir deste ano, deixar os produtos por quatro meses, em vez de dois, sem cobrança, ao cliente do “fulfilment”.
As exigências que o Mercado Livre faz no atendimento dos lojistas aos clientes também crescerão a partir de 21 de março.
Para o selo “Mercado Líder” (o mais alto), o lojista só poderá cancelar 1% de suas vendas (logo, 1 a cada 100 envios). Até então, o número era de 2,5%. Para taxa de atrasos, tolerância caiu de 15% para 6%; de cancelamentos, de 2% para 0,5% e mediações de 1% para 0,5%. Lojistas de outros níveis também tiveram uma queda no percentual.
“Desde a pandemia, há mudanças todo o ano nas plataformas em geral”, diz um lojista que vende vitaminas. “Às vezes, as companhias sobem tarifas duas vezes ao ano, porque alteram frete, por exemplo, e depois mudam taxa de comissão. Já perdemos a conta”.
Procurado, o Mercado Livre diz que os ajustes foram “medidas tomadas frente ao contexto macroeconômico no Brasil, que inclui inflação e aumentos nos custos gerais e de financiamento”. De março a setembro de 2022, a taxa Selic foi de 2,75% para 13,75%.
Sobre as exigências novas (para reclamações, atrasos), afirma que é para aprimorar a experiência do consumidor e valorizar vendedores com melhores práticas. Ainda disse que o intuito é “gerar o menor impacto possível nos negócios dos lojistas”, e que busca criar o melhor ecossistema para crescer junto com as lojas. Reforça que a decisão não tem relação com “fatores externos” ao Mercado Livre, e que é o consumidor está no centro das decisões.
No Magazine Luiza, as alterações passaram a valer em 1º de fevereiro. A participação da empresa no valor do frete caiu. A taxa de desconto era de 40% para lojistas com nível de eficiência de 87% a 97%, e a taxa foi para 25%. Para índice acima de 97%, era 75% de desconto e diminuiu para 50%. E passou a ser concedido desconto de 75% no frete, até junho, para quem usa o “fullfilment”.
A mudança foi no “marketplace” da empresa e no Parceiro Magalu, a plataforma de pequenos lojistas criado na pandemia para ajudar esses vendedores. No caso do marketplace, para quem recebe mês a mês, a taxa passou de 12,8% para 14,8%.
No Parceiro Magalu, para quem recebe a venda feita no mês a mês, e fatura mais de R$ 300 mil, a comissão mudou de 12,8% para 14,8% sobre o valor vendido.
A mudança no “Parceiro” pesa mais para quem fatura menos. Para aqueles com receita anual de até R$ 100 mil, sobe a taxa de 5,8% para 7,8% – elevação de mais de um terço no índice. O repasse de pagamentos para esse vendedor que recebe parcelado também leva agora mais tempo – de 5 para 7 dias. Isso vale para lojista que não usa o sistema de entrega do Magalu. Fontes afirmam que as mudanças na empresa já estavam planejadas e não teve relação com a Americanas.
Sobre as alterações, a empresa diz em nota que informou aos sellers sobre os ajustes das regras em 10 de janeiro de 2022, com validade a partir de fevereiro. Outros aspectos do contrato não mudaram, como todas as regras do antecipado (quem antecipa recebíveis), e regras para pedidos acima de R$ 79.
A Americanas informou, em 11 de janeiro, um rombo contábil de R$ 20 bilhões. A partir de fevereiro, intensificou perda de tráfego de clientes, segundo consultorias. A empresa tem informado que não perdeu vendas, que as lojas seguem abertas e com prateleiras cheias. A Americanas buscou reagir, semanas atrás, ao relatar que passaria a liberar o valor da venda do lojista em uma semana, e não mais em 15 dias.
Fonte: Valor Econômico