Executivos do Mercado Livre e da Via destacam que elevação dos juros e o caso Americanas colocaram um ponto final nos excessos e estão configurando um novo cenário competitivo no setor
Por Moacir Drska
Desde que o escândalo das “inconsistências contábeis” da Americanas ganhou os holofotes, em meados de janeiro, as manifestações públicas sobre o caso, seja qual for o interlocutor, são, na maioria das vezes, cautelosas e evitam citar, inclusive, o nome da varejista.
O mesmo tom foi adotado no painel de varejo do CEO Conference 2023, promovido pelo BTG Pactual, na tarde desta terça-feira. Entretanto, mesmo referindo-se ao rombo bilionário como “esse evento”, os participantes não deixaram de falar sobre alguns reflexos possíveis para o setor.
Para eles, porém, esse não é o único componente que está alimentando uma série de ajustes no varejo. Ao contrário. O caso Americanas só reforça um contexto que já vinha se desenhando desde o início de 2022 e que pode ser ilustrado por meio de uma citação famosa de um grande investidor global.
“Como diria Warren Buffett, a maré baixou e a gente sabe quem está nadando pelado. Começa a aparecer gente mostrando mais do que deveria”, disse Stelleo Tolda, cofundador e conselheiro do Mercado Livre.
“Então, vai haver uma consolidação no que diz respeito a essa acomodação”, prosseguiu. “E acho que os players que estão bem posicionados no que diz respeito à sua estratégia e sua estrutura de capital tendem a sair ganhadores de share. Essa é a nossa aposta.”
A tal maré baixa sobre a qual Tolda fez referência veio com a alta dos juros, especialmente a partir do início de 2022. Para ele, isso colocou um ponto final no excesso de liquidez que, até então, vinha sustentando uma competição agressiva e a qualquer custo no varejo, em especial, no e-commerce.
“Há um impacto potencial que se soma a esse evento, falando de spreads de crédito, que ficam mais caros ainda”, disse. “E, do ponto de vista do investidor, ser seletivo ficou ainda mais importante, ou seja, mergulhar mais a fundo nos números e diferenciar alhos de bugalhos.”
Quando questionado sobre o avanço de concorrentes estrangeiros no País, como Shein e Shopee, Tolda, de novo, preferiu não se ater a nomes. Mas ressaltou que essa nova realidade também vale para players de fora que investiram pesado para ganhar terreno por aqui mais recentemente.
“Eles fizeram isso em outro momento do mundo, que passou, onde o dinheiro era de graça e podiam se dar ao luxo de cometer algumas loucuras que hoje não podem mais”, observou. “De qualquer forma, no fim do dia, quem decide é consumidor. É ele quem tem poder nessa relação.”
CEO da Via, Roberto Fulcherberguer seguiu o mesmo raciocínio ao dizer que “os galhos estão começando a aparecer” após a fonte de captação de dinheiro fácil secar. E citou o “caso citado” – uma referência à Americanas – como exemplo.
“Nós, em várias oportunidades, sentávamos para fazer conta e não conseguíamos entender. Hoje, conseguimos entender muita coisa”, ressaltou. “Então, esse excesso de liquidez, com a taxa de juros como está agora, não permite mais aventuras.”
Para ilustrar a mudança em curso, ele citou que, quando assumiu a Via, em meados de 2019, costumava bater na tecla de lucratividade em suas interlocuções com o mercado de capitais. E que se sentia um alienígena ao perceber que ninguém queria saber desse indicador.
“Hoje, de fato, de cada dez perguntas dos investidores, nove são sobre lucro. É uma mudança relevante”, afirmou, acrescentando. “Depois desse evento, a concorrência no online vai ser mais racional. Até porque não dá para ser diferente com o custo do dinheiro do jeito que está.”
Ele destacou ainda que, em um momento como esse, quem não construiu sua operação de maneira sustentável será um grande fornecedor de market share. Assim como a própria Via foi em algum momento do passado.
“Hoje, somos grandes capturadores de market share”, disse. “E enxergamos esse evento que acabou de acontecer como uma grande oportunidade, pois há muito share a ser capturado e muito consumidor órfão nesse momento.”
Fonte: Neofeed