Por Adriana Mattos
O presidente da Livraria Cultura, Sérgio Herz, disse que vai tentar reverter a decretação de falência em segunda instância judicial, determinada na quinta-feira passada (9). A rede tem apenas duas lojas em operação.
Quando entrou em recuperação judicial, em 2018, a companhia tinha 15 lojas em funcionamento e R$ 285 milhões em dívidas em aberto. Em 2021, a média mensal de vendas era de R$ 2,5 milhões.
Na sexta-feira (10), após a decretação da falência, algumas editoras já retiraram livros à venda na loja de São Paulo. A rede tem solicitado a elas a manutenção do estoque.
A decisão judicial da semana passada citou a falta de pagamento de créditos da classe de financeiro estratégico II, previsto no plano de recuperação da Cultura, e atraso na publicação de relatórios de atividades. A administradora judicial, Alvarez & Marsal, relata que, desde 2020, não recebe parcelas de honorários.
Em entrevista ao Valor, na tarde de sexta-feira, Herz afirmou não entender as acusações de fraude que constam da decisão da Justiça e alertou para o risco de mais varejistas enfrentarem graves crises no país. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Com a decretação da falência da rede pela Justiça, como a empresa deve agir?
Sergio Herz: Fomos pegos totalmente de surpresa. E questão do atraso de pagamento era algo já negociado com o credor, é algo do ano passado, e estava tudo ‘ok’. Não temos credores pedindo a falência. E temos respondido às dúvidas do magistrado. Vamos recorrer e apresentar isso.
Valor: Mas também há um atraso nas publicações de dados, que mostram desempenho ruim recentemente.
Herz: Tem acontecido uma melhora, estamos vindo bem o ano de 2023 frente a 2022, com alta de 60% [nas vendas] e a operação está em ‘break even’[custos se equilibram com receita]. O modelo de venda de livros tem que ser reescrito e estamos fazendo isso. Ninguém achou esse modelo ideal ainda.
Valor: A decisão judicial cita fraudes em movimentações financeiras ao justificar a decretação de falência. O que aconteceu?
Herz: Não temos ideia, isso está vago. Nós colocamos dinheiro na empresa na pandemia, para a empresa sobreviver, essa é a verdade, não tem porque ninguém fraudar a empresa.
Valor: Mas houve acusações de fraude de um credor que alegava desvio de bens, e a Justiça cita supostos crimes contra a ordem tributária.
Herz: Isso é uma conversa de um banco lá atrás que queria tentar conseguir algum recurso na recuperação e não avançou [Banco Original buscou a penhora de bens livres da família em 2019, e alegava numa ação que os Herz transferiam bens para parentes]. Não temos ideia do que o juiz afirma. Estou muito tranquilo. E não existe como deixar a Cultura morrer.
Valor: Há varejistas com anúncios de falência, fraudes, renegociações de dívidas. Há um problema no setor ou de algumas empresas?
Herz: Eu tive o privilégio e o azar de enfrentar a Amazon desde 2014, em livros físicos, sendo muito competitiva, mas a gente entrou de cabeça também no digital. Investimos dinheiro nisso, mas o ganho era negativo ou era ínfimo. Quando a Amazon liga o motor, é outro padrão. Não tínhamos como competir em preço, por isso sempre acreditamos em loja física e entregávamos, e ainda entregamos, uma experiência boa na loja. Chegamos a fazer 13 mil eventos em um ano. Mas acho que a gente não soube rentabilizar a experiência em loja física.
Valor: Alguns acreditam que vocês abriram lojas demais e se alavancaram, após alguns anos de expansão, num mercado de forte concorrência e altos descontos na venda on-line de livros.
Herz: Durante anos, as editoras venderam muito, e nós também, e criou-se um mercado que vendia livros mais barato, depois disso veio a crise, e as editoras não mexeram no preço de capa, mas meu custo subiu, e o desconto médio da internet aumentava. É uma equação que não fecha porque a minha loja não paga essa conta. É insustentável, e os contratos em shoppings continuam antigos, não se adequaram ao novo modelo de loja [chamada multicanalidade]. Você tenta outras estratégias, mas vira uma bola de neve. Sentimos o efeito ‘macro’ da pandemia também.
Valor: Mas a rede poderia aproveitar a venda digital na pandemia?
Herz: Para vender no on-line precisa de preço e sem volume você acaba com a rentabilidade, e a gente não queria seguir esse caminho.
Valor: Temos visto falências, recuperações judiciais e reestruturações de dívidas no setor após duas crises quase seguidas, de 2015 e de 2020. O varejo no Brasil está sendo muito questionado por isso, se é reflexo das crises, ou de gestões das redes. Como vê essa questão?
Herz: O que nós vimos aqui, acho que vamos ver em outras empresas. Eu vejo uma lista de negócios em situação difícil. E o mercado ficou mais fechado depois da [crise] na Americanas para as varejistas. É como se você estivesse numa piscina cheia da água, mas vários pontos de vazamento, mas não tem ainda um furo gigantesco. E esses furos são a mudança de comportamento do consumidor no on-line; a dificuldade de rentabilizar, porque é difícil precificar em loja; a informalidade no Brasil, desvios de carga; o crescimento do marketplace que você tem que concorrer; a questão tributária. Esses furos vão pressionando. Varejo que vende ‘commoditiy’ vai ter problema, é uma empresa tradicional tendo que concorrer com as não tradicionais. Elas não enxergavam antes a Shopee, a Shein, que estão aí. Pense hoje nos grandes supermercados, e qual marca vem quando você pensa em comprar alimentos no on-line. Você não vai lembrar dos nomes das redes tradicionais.
Fonte: Valor Econômico