Nessas áreas, os fiscais são intimidados para não fiscalizar o que está sendo vendido à população nem supervisionar o cumprimento de regras do setor
Por Saulo Pereira Guimarães e José Dacau
As milícias têm expandido sua atuação no setor farmacêutico do Rio nos últimos anos, obtendo em uma nova fonte de renda para esses grupos criminosos, como mostrou reportagem do UOL na última segunda-feira. Esse aumento vem tanto no controle de farmácias, com movimentação de cargas roubadas, quanto na extorsão de estabelecimentos já existentes com taxas de segurança.
Segundo o CRF (Conselho Regional de Farmácia), hoje há 1.217 farmácias e drogarias em operação nas áreas dominadas pela milícia e pelo tráfico no Rio de Janeiro. Isso é importante porque, nessas áreas controladas pelo crime, os fiscais são intimidados para não fiscalizar o que está sendo vendido à população nem supervisionar o cumprimento de regras do setor, como a exigência de farmacêutico e de registro do estabelecimento.
Para efeito de comparação, o grupo Pague Menos – terceiro maior varejista farmacêutico do país, que é negociado na Bolsa – tem 1.193 pontos de venda em todo o Brasil (dados de junho de 2022).
A Polícia Civil do Rio realizou uma operação em 2020 contra farmácias controladas pela Liga da Justiça. A milícia domina áreas da zona oeste carioca e da Baixada Fluminense e usa as lojas para obtenção de lucro e lavagem de dinheiro.
Parte dessas farmácias está sob o controle direto das milícias, sendo usadas para a lavagem de dinheiro e para a venda de produtos oriundos do roubo de carga. O número dominado é incerto, porque nem as autoridades conseguem estimar quantas são.
“As áreas controladas pela milícia são aquelas nas quais enfrentamos os maiores problemas. Há locais em que conseguíamos entrar em 2020 e que hoje não fiscalizamos mais”, afirma Flavio Correa, chefe do Serviço de Fiscalização do CRF do estado do Rio.
Numa das situações, uma representante do Conselho Regional de Farmácia foi ameaçada com arma de fogo ao tentar autuar um estabelecimento. O caso ocorreu no bairro de Campo Grande (zona oeste) em 27 de agosto de 2019.
De acordo com o relatório entregue pela fiscal ao CRF, um miliciano armado disse a ela que não autuasse a loja em função de irregularidades, caso contrário ele iria “perseguir o carro [da fiscalização] onde quer que fosse”.
“Vai e autua para você ver uma coisa”, o homem disse, ao se despedir da fiscal.
Quatro dias antes, a profissional havia passado por situação parecida no mesmo bairro. Ao tentar fiscalizar uma farmácia, ela foi informada por um miliciano que aquela área “era dele”. O homem disse que já havia avisado a outro fiscal sobre a situação e que, “na próxima vez, não ia avisar de novo”.
Em outra ocorrência em Campo Grande em 2019, um fiscal foi abordado por dois milicianos, que o questionaram em relação a uma suposta multa aplicada a uma farmácia na estrada do Cabuçu. A multa era, na verdade, um pedido para que a farmacêutica responsável pelo estabelecimento esclarecesse sua ausência no momento da fiscalização.
De acordo com o representante do CRF, os milicianos não aceitaram a explicação e, ao saberem que ele visitaria mais uma farmácia da região, informaram que ali também era “área deles”.
“Decidi sair do local e ir para outra rota. O setor de fiscalização foi informado sobre o ocorrido”, anotou o fiscal em relatório sobre o caso.
Questionada sobre o tema, a polícia informou que “possui investigações em andamento” sobre o caso. “Detalhes não podem ser passados para não prejudicar o trabalho”, afirmou a assessoria de comunicação do órgão.
Tentáculos das milícias
Reportagem do UOL apontou que as milícias, hoje controladoras de territórios onde vivem mais de 2 milhões de pessoas, estão diversificando suas fontes de receita, misturando atividades legais e ilegais e tornando-se mais poderosas economicamente.
Em análise de investigações realizadas pelo MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), pela Receita Federal e por outros órgãos, além de documentos judiciais, comprova-se a atuação dessas quadrilhas em setores como imóveis, mineração, cigarros, farmácias e prostituição.
Fonte: UOL