Ações para evitar queima de recursos serão foco do mercado nos balanços do segundo trimestre
Por Adriana Mattos
A escalada da taxa de juros, que encarece o custo do capital, e a retomada ainda gradual do consumo têm levado o mercado a olhar com mais atenção a gestão do caixa pelas companhias. O Valor apurou que a questão tem sido um dos focos das conversas entre analistas e diretorias das empresas semanas antes da divulgação de resultados do segundo trimestre, paralelamente à discussão sobre o peso da inflação nos custos, outro tema crucial nos números do semestre.
A inflação tem preocupado desde 2021, mas o alerta sobre fluxo de caixa vem ganhando relevância pelo avanço no custo da dívida, caso seja preciso buscar maior fôlego financeiro, e pelo que se viu no início do ano. No primeiro trimestre há, historicamente, maior consumo de caixa por efeitos sazonais, especialmente no varejo, mas os números pioraram frente a 2021 e 2019, e com o fator adicional da incerteza sobre o desempenho operacional dos grupos.
Levantamento do Valor a partir do balanço de 15 indústrias e varejistas líderes de cinco segmentos mostra que, de janeiro a março, o consumo de caixa atingiu R$ 5,66 bilhões, quase o dobro (alta de 93,9%) do verificado no mesmo período de 2019, antes da pandemia, uma base mais normalizada. Esse número considera o fluxo da atividade operacional e é o saldo líquido entre o caixa total gerado ou o “queimado” na operação, relatados nas demonstrações do fluxo de caixa dos balanços.
Em relação a 2021, ano de crise sanitária, o consumo de caixa cresceu 12,8%. Fizeram parte da análise os setores de eletrônicos, moda, calçados, beleza e medicamentos ou farmácias.
“O mercado vai passar a entender melhor a dinâmica do segundo trimestre agora, e o que esperar para o terceiro trimestre. Como a venda ainda está voltando, a questão é como a empresa administrou a compra junto aos fornecedores, como foi a recomposição de estoque ou a redução dele, se houve necessidade de remarcação de preços, se negociou melhores prazos, e por aí vai”, diz João Pedro Soares, analista do Citi. As companhias começam a divulgar seu balanços de abril a junho após o fim do mês, incluindo os fluxos de caixas, que incluem dados sobre contas a receber, a pagar, gastos em aquisição de negócios, entre outros.
Ao se incluir no levantamento o fluxo de caixa dos investimentos (como desembolsos para pagar ativos já adquiridos), o consumo de recursos de janeiro a março subiu 84% frente a 2019, para R$ 10 bilhões, e 28% sobre 2021.
O Valor apurou que varejistas de bens duráveis, moda e farmácias sinalizaram a analistas, em conversas prévias, melhora no fluxo de caixa operacional no segundo trimestre frente a 2021, com efeito positivo das vendas acelerando aos poucos, mas com uma recuperação mais consistente após o terceiro trimestre. Mas para um gestor que reduziu posição em consumo na carteira neste ano, “como na gestão do caixa as variáveis têm baixa visibilidade porque estão completamente nas mãos das empresas [como a conta de fornecedores e estoques], é difícil colocar projeção no papel, mesmo com alguma recuperação”, diz.
“A gestão do fluxo do caixa será o fiel da balança agora”, complementa um analista de um banco estrangeiro. “Isso chama mais a atenção hoje porque as opções de acesso a capital pioraram. Recorrer a um ‘follow on’ [emissão de papéis no mercado] não é uma opção com esses ‘valuations’ superdescontados, e buscar dívida nova sai mais caro, mesmo para empresas de primeira linha”.
Para Gustavo Oliveira, sócio da Tower Three Asset Management, dados como vendas, margens e inflação ainda serão relevantes nas análises trimestrais, mas “as empresas têm que voltar a gerar caixa em seus ciclos porque abaixo da linha operacional, virá uma pressão maior em despesas financeiras, com a alta acumulada da Selic.”
O consultor Roberto Wajnsztok, CEO da Origin5, diz que pesam ainda na conta do primeiro semestre os problemas na cadeia de suprimentos da China. Fábricas no país têm que pagar faturas em dólar sem nem ter recebido todos os insumos para gerar receita numa nova venda. “O ‘lockdown’ na China foi uma pá de cal, atrapalhou a renovação de estoque da indústria”, afirma. Perguntada a respeito, a Positivo disse a analistas, em maio, que os problemas na China diminuíram e vê necessidade de menor financiamento do giro do estoque após o segundo semestre.
Em relação ao varejo, a analista da XP Danniela Eiger diz que o cenário mais delicado hoje é das empresas de comércio on-line, que enfrentam desaceleração nas vendas e vinham carregando altos estoques em 2021 – no primeiro trimestre, Americanas, Magazine Luiza e Via queimaram no operacional, juntas, R$ 4,1 bilhões, 48,7% acima de 2019, puxado pelo Magalu. Analistas lembram que as políticas têm sido diferentes, com o Magalu tendo antecipado pagamento a fornecedores e reduzido estoques sobre o fim do ano para “limpar” seus números, e que haverá efeito das estratégias tomadas agora por elas nos fluxos do ano.
“A dúvida hoje é qual será a estratégia das empresas para crescer de forma saudável. Por que se quiserem crescer e investir ao mesmo tempo, será que conseguem alcançar equilíbrio no caixa?”, diz ela.
Aspecto favorável aos negócios envolve o tamanho do saldo final do caixa de redes e indústrias, espécie de colchão financeiro. Essa linha reúne aplicações em bancos, recebíveis, entre outros. Nas 15 empresas observadas, o saldo final em março era robusto, mas caiu 16%, para R$ 44,6 bilhões, frente a 2021. Entre os grupos, apenas houve crescimento na linha em Alpargatas, Pague Menos, Positivo, Renner e Magazine Luiza. Ainda fazem parte da lista das 15 a Natura, Hypera, Whirlpool, Grendene, Raia Drogasil, D1000, C&A, Riachuelo, entre as outras já citadas na reportagem.
Fonte: Valor Econômico