A expectativa é que o aperto à fiscalização na entrada de produtos falsificados ou sem o devido pagamento de impostos fique apenas para a segunda metade de 2023
Por Adriana Mattos
O plano da indústria e de redes varejistas de aumentar os controles sobre as plataformas on-line estrangeiras perdeu o “timing” e a janela que existia para o avanço na discussão neste ano pode ter se fechado, dizem fontes ouvidas pelo Valor e que lideram esse movimento. Haverá contatos das partes com equipes dos candidatos à presidência após a convenção dos partidos, entre fim de julho e agosto, para tentar retomar a discussão.
A expectativa é que essa agenda, especialmente o aperto à fiscalização na entrada de produtos falsificados ou sem o devido pagamento de impostos – uma das principais pautas das empresas – fique apenas para a segunda metade de 2023, caso se identifique apoio às propostas. “Perdemos a ‘janela’. Não existe mais campo possível [para discussão] agora, em parte pelo ano eleitoral antecipado, e em parte por causa do excesso de ruídos sem sentido que o tema acabou criando”, diz o diretor de uma entidade da indústria.
Na avaliação geral dessas lideranças, nesse ambiente de perda de renda e lenta geração de novos empregos, há uma rejeição do consumidor a eventuais mudanças nas regras de importação de itens baratos da Ásia, especialmente da China, e não há interesse do governo em tratar de um tema tão sensível neste ano. Ainda é preciso identificar se há abertura para um aumento no cerco às importações já em 2023, ano de provável retomada gradual na economia.
No centro da discussão estão plataformas de marketplace estrangeiras, como Aliexpress, Shopee, Shein e Wish, e negócios intermediários locais, que importam e distribuem pelo país.
“É a hora da paciência. É um tema antipático mesmo, e qualquer mudança agora pode até ser inócua e atrapalhar algo mais estruturado lá na frente”, diz um dirigente do varejo.
Desde o começo do ano, vinham ocorrendo contatos de associações setoriais e líderes de empresas com Receita Federal, Correios, Procuradoria Geral da República e membros do Ministério da Economia e da Justiça, entre São Paulo e Brasília. As conversas avançaram após fevereiro, especialmente com a equipe do ministro Paulo Guedes e o Fisco, que passou a estudar medidas para combater a sonegação.
Ainda há reuniões em andamento, inclusive agendadas de entidades da indústria com a Receita nas últimas semanas, apurou o Valor, mas há um consenso entre diversas fontes de que a postura contrária do presidente Jair Bolsonaro a se discutir o tema inviabiliza a pauta hoje.
No dia 21 de maio, Bolsonaro postou no Twitter que não assinaria nenhuma medida provisória para taxar compras em marketplaces, como Shopee, AliExpress, Shein, citou ele, “como grande parte da mídia vem divulgando”, afirmou. “A saída deve ser a fiscalização, não o aumento de impostos”. A maior taxação aos consumidores não é um ponto da proposta das empresas, cujo teor foi antecipado pelo Valor em fevereiro.
A documentação com sugestões foi encaminhada pelas entidades, lideradas pelo IDV, o principal instituto do varejo, com apoio de associações como Eletros (eletroeletrônicos), Abrinq (brinquedos), Abit (têxtil) e Abinee (elétrico e eletrônico). Entre pontos da proposta estão ações específicas de fiscalização, especialmente em fraudes nos valores de itens importados, a responsabilização das plataformas na venda de produtos piratas por terceiros (no país, isso não ocorre) e uso inteligente da base de informações públicas, cruzando dados da compra com números do Fisco para identificar sonegadores.
“Perdemos na comunicação, ficou parecendo que queríamos ‘pegar’ as pessoas físicas, e não tem nada disso”, afirma um associado ao IDV. “Chegou a sair publicado que o Fisco iria taxar em 60% qualquer produto importado, quando o que existe hoje é um imposto de 60% em produtos acima de US$ 50. Não se fala neste momento em aumentar imposto de importação, mas em melhorar controles”, diz.
Segundo essa fonte, há oito pontos em debate hoje, que continuam a ser discutidos internamente, nas empresas e no IDV. “Isso não parou e devemos continuar até retomar a pauta”, afirma.
Varejistas lembram que a fala de Bolsonaro foi uma reação às declarações de Guedes, na mesma semana, sobre a possibilidade de criação de um imposto sobre transações financeiras digitais, como no uso de criptomoedas para pagamentos. Só que nenhum marketplace estrangeiro usa criptomoedas no país. Mas Guedes citou a criação desse imposto como forma de “equalizar” o jogo entre os marketplaces.
Pouco antes disso, em março, a Receita Federal informou que estudava uma MP para impedir a entrada de produtos no país sem o devido pagamento de impostos. “Aí juntaram dois assuntos e concluiu-se que viria um pacotão de aumento nas plataformas. Choveu críticas nas redes sociais, e o presidente reagiu a isso”, diz um diretor de uma associação de indústrias.
O Valor apurou que não se discutia a criação de um imposto digital pela MP, mas de ações para apertar o cerco ao limite de isenção de imposto, já autorizado por lei, para compras de até US$ 50. Uma medida possível seria definir limites de isenções diferentes a diferentes categorias de produtos.
Ocorre que hoje, consumidores importam produtos por marketplaces de lojistas estrangeiros que se passam por pessoas físicas (o limite de US$ 50 é válido na compra e venda entre pessoas físicas) e declaram o valor de até US$ 50 para mercadorias muito mais caras, fugindo dos impostos.
O Valor ainda apurou que a Receita vem estudando também formas de mapear os fluxos financeiros pelas plataformas. A ideia é identificar pessoas que importam grandes quantidades de forma picada (usando o limite de US$ 50, ou R$ 250) para comercializar os produtos no país.
Internamente, as associações setoriais continuam trabalhando no tema. Associações do setor têxtil tiveram reuniões com Receita e Correios, separadamente, nos últimos meses, para tentar avançar na troca de informações, diz fonte. Também está programada a participação do IDV num encontro das secretarias da Fazenda, em julho, quando deve abordar o tema, apurou o Valor. Procurados, Receita Federal, IDV e as entidades industriais citadas não se manifestaram.
Fonte: Valor Econômico