Atuação das lideranças de marcas vai ganhar autonomia e papel da holding perderá relevância com o tempo
Por Graziella Valenti
A alteração na Natura &Co (NTCO3), com a saída de Roberto Marques como CEO global e a chegada de Fabio Barbosa, é muito mais profunda do que parece. É uma mudança de rota de gestão, não é só uma troca de liderança. Melhoria de margens e aumento de eficiência são consequências esperadas, mas não objetivos por si só.
A companhia sofreu um bocado nos últimos 18 meses: o valor em bolsa, que chegou a ser de R$ 83 bilhões em 2021, foi para os R$ 20 bilhões e lá ficou estacionado. Ainda que tenha faltado clareza na mensagem, o mercado reagiu bem à ideia de que a meta é simplificar. No pregão de hoje, as ações subiram mais de 8% e fecharam em R$ 15,12.
A revisão em andamento passa por desmontar o entendimento que Marques tinha: uma operação de marcas fortes, mas de grupo. A visão que dominava a Natura &Co partia de um pressuposto de ganho de sinergia entre as empresas e uma atuação integrada, nos diversos mercados em que está presente.
Mas o tempo mostrou que alcançar esse objetivo (ainda que ele faça sentido) poderia trazer mais custo do que benefícios, em especial porque a formação da Natura &Co como 4º maior grupo de higiene e beleza do mundo é produto de um conjunto de aquisições e não de um desenvolvimento orgânico de portfólio. Foram compradas as marcas The Body Shop, Aesop e Avon. De uma empresa com receita líquida anual de R$ 8 bilhões, em 2015, nasceu um grupo de mais de R$ 40 bilhões.
O diagnóstico é que o conceito exagerado de integração estava trazendo perda de agilidade, ineficiências, algum inchaço e começando a gerar desalinhamento de interesses dentro do grupo. Esse último ponto, talvez o mais preocupante de todos. Com a simplificação, a remuneração de executivos tende a ser mais direta: no lugar de ser penalizado pelos ajustes necessários na Avon, por exemplo, a gestão da Aesop, em 2021 e 2022, poderia ser premiada pelo bom desempenho.
Com o tempo, a holding vai desinchar por um motivo bem simples: vai perder relevância. As lideranças de marcas vão ganhar mais autonomia e importância na definição de seus planos. Nesse primeiro momento, as divisões continuam iguais. João Paulo Ferreira à frente de tudo na América Latina e com 60% da receita sob seu comando. E seguem separadas as administrações de Avon Internacional, The Body Shop e Aesop. Mas não está claro se esse desempenho persistirá no tempo.
Assim, esse é o começo da mudança e não o fim delas. Muitos temas ainda estão em estudo e passarão por definições futuras. A direção a ser perseguida é que a visão de portfólio e mercados deve partir das marcas. Não se trata de independência absoluta de cada gestor, mas de autonomia. O conselho de administração, no futuro, também poderá passar por uma reformulação, para reforçar seu papel.
Ferreira já é percebido como o principal nome de operação, o homem que realmente entende do negócio, a despeito de Barbosa estar perto do grupo há anos, como membro do conselho de administração.
A percepção de grupo não vai desaparecer e sinergias vão existir — e serão perseguidas quando fizerem sentido. Mas elas não serão um objetivo acima de eficiência e estratégia de marcas. Além disso, temas como os valores do grupo, com a filosofia calcada em fatores ESG, jurídico e financeiro continuarão transversais.
No mercado, o entendimento é que, no futuro, faria muito mais sentido a listagem individual dos negócios, por exemplo, do que levar a holding Natura &Co para a Nyse, como chegou a ser estudado. Com esse passo, aí sim viria uma independência maior, inclusive financeira, de cada negócio, que poderia ter fontes próprias de financiamento.
Fonte: Exame