Oficialmente, a C&A afasta a possibilidade de venda ou fusão e tem se engajado em mostrar ao mercado o plano de transformação do negócio – mas pede prazo
Por Manuela Tecchio e Luiza Ferraz
A C&A é um mistério que instiga os banqueiros de investimentos. Por que ela vale tão menos que suas concorrentes em bolsa, ainda que não seja tão menor em tamanho de negócio? Não deveria valer mais? O descasamento não é coisa recente, de dias de baixa do mercado ou do prejuízo que anunciou na quinta-feira passada, mas acompanha a varejista desde sua listagem em bolsa, em 2019.
Uma consequência é que a companhia tem poucos analistas na cobertura e outra é que a C&A parece ter mais gestores investidos com viés de um acontecimento societário (M&A) do que de fato apostando no negócio atual. A equação, claro, faz com que os bancos batam à porta com alguma frequência, oferecendo potenciais transações. Até agora, nenhuma proposta foi adiante – mas há um consenso de que o controlador quer se desfazer do negócio em algum momento no médio prazo, dizem as fontes.
Oficialmente, a C&A afasta a possibilidade de venda ou fusão e tem se engajado em mostrar ao mercado o plano de transformação do negócio – mas pede prazo.
Com quase 300 lojas, a operação local do grupo holandês fechou a segunda-feira avaliada em R$ 940 milhões na B3, mesmo tendo praticamente a mesma receita anual que a Guararapes, dona da Riachuelo, que vale R$ 4,3 bilhões – ambas estão na casa de R$ 5 bilhões de vendas líquidas. Expoente do setor, a Renner fatura quase o dobro (R$ 9,5 bilhões em 2021), o que lhe confere valor de R$ 23,6 bilhões em bolsa. Ou seja, a Renner é negociada a 2,4 vezes as vendas e a C&A, a um quinto da receita.
Vendas sem rentabilidade não contam muito no universo corporativo e um comparativo de margens do varejo começa a jogar alguma luz na discrepância de “valuations” do setor. No ano passado, quando as varejistas começavam a se recuperar do baque do isolamento social, a C&A mal saiu do atoleiro. Reportou uma margem Ebitda de 1,1%, enquanto Renner e Guararapes ficaram em 11,6% e 17,5%, respectivamente. No primeiro trimestre deste ano, a situação ficou ainda pior.
A C&A reportou prejuízo de R$ 152,1 milhões de janeiro a março, ainda que a receita tenha dado um salto de 54%. No mesmo dia, a Renner mostrou que está retomando o patamar pré-covid, com alta de 63% das vendas na comparação anual, um lucro de R$ 192 milhões e margem Ebitda de 17,1% – ainda que distante do que era dois atrás.
Repercutindo os balanços, a ação da C&A recuou 13,97%, enquanto a Renner subiu 5,99% na sexta-feira – ainda que acumule queda de 40% em 12 meses. Ontem, C&A caiu 13,11%, em dia de queda do Ibovespa e do varejo. Em dois anos e meio, o papel saiu dos R$ 16,50 do IPO para R$ 3,05.
“Tudo o que estamos fazendo pede muito investimento e despesas adicionais também. As receitas desse projeto de expansão têm um descasamento de tempo para que consigamos ver os resultados”, diz Roberta Noronha, diretora de relações com investidores da C&A.
Ela se refere principalmente à retomada do plano de abertura de lojas, com 20 a 25 lojas novas por ano, somando unidades da marca principal e da marca ACE. Só no ano passado, a rede investiu R$ 680 milhões, incluindo 26 novas lojas.
Para analistas, um detrator de margens tem sido a divisão de “fashiontronics” (celulares e eletrônicos), usada para aumentar a venda por metro quadrado nas lojas. Vestuário tem margem bruta de 51% e eletrônicos, 19,5%.
A fraca geração de caixa tornou a alavancagem ponto de atenção. A Fitch fez uma revisão da nota de risco de estável para negativa, em abril: “A revisão reflete os desafios da C&A para fortalecer sua geração de caixa e suas margens operacionais, de forma a reduzir sua alavancagem financeira para níveis adequados à atual classificação.”
No ano passado, a relação entre dívida líquida ajustada/Ebitdar (que exclui os custos com aluguel) ficou próxima de seis vezes, o dobro do que esperava a Fitch. Os analistas do Citi estimam que a alavancagem atual na relação com o Ebitda esteja em torno de 1,7 vez. A C&A tenta controlar esse teto.
“A expectativa é de que não ultrapassemos um múltiplo de duas vezes dívida líquida/Ebitda ao longo do ano”, afirma Roberta. A companhia afirma que está confiante em seu plano de investimentos e geração de caixa positiva ao longo do ano – uma sinalização vem do crescimento das vendas on-line e da retomada de fluxo nas lojas.
Em dezembro, a varejista chegou a um acordo com o Bradesco para desfazer a sociedade no financiamento aos clientes. Para isso, terá que desembolsar R$ 470 milhões em 2023 na recompra de participação. Se por um lado dificulta a desalavancagem, a mudança no acordo era uma expectativa dos analistas para aumentar o índice de aprovação de clientes.
Ainda é cedo para avaliar mas, no primeiro trimestre, o C&A Pay representou 10% das vendas – na Renner, o financiamento responde por 36% – e passou de 1 milhão de cartões. “A gente sabe que tem que esperar esse timing da financeira começar a apresentar resultado. Se a performance melhorar, é um papel que está muito barato”, diz um gestor comprado na ação.
Os controladores da C&A, a família Brenninkmeijer, venderam no ano passado a operação no México e na China. No Brasil, sondaram interessados antes do IPO, mas não encontraram ao preço pedido. A operação local foi a primeira a ter capital aberto, num grupo historicamente hermético sobre números e estratégias.
À época do IPO, havia algum ceticismo em torno do desempenho, mas os bancos conseguiram vender a história. A C&A chegou à bolsa, em outubro de 2019, com um múltiplo então considerado atrativo em relação aos pares. Analistas apontavam que o risco estava na execução. Emplacou a oferta no piso da faixa indicativa e estreou na B3 valendo R$ 5,3 bilhões.
“A grande tese na época era que os controladores ficariam mais passivos, aumentando a independência da companhia e agilizando a tomada de decisão. O mercado olhou para o superpotencial que a C&A tem como marca, mas não tinha múltiplo de Renner já na largada pela performance de vendas”, conta um analista de banco.
“Não descarto que ela possa ser alvo de oferta de aquisição dessas maiores. Seria um driver de valorização”, avalia Cristiane Fensterseifer, analista da Empiricus.
A C&A reforça que está focada em retomar a antiga liderança de mercado. “Queremos voltar a ocupar o espaço de protagonista junto à nossa cliente. A consumidora tem um vínculo emocional com a C&A, mas ficou um pouco decepcionada nos últimos anos. Queremos tirar o gostinho amargo”, diz Roberta, sobre mix produto e tamanho. “Na nossa visão, o mercado não está precificando ainda a evolução clara da empresa no desenvolvimento de coleções, capacidade de distribuição mais moderna, 46 novas lojas desde o IPO e digitalização acelerada.”
Fonte: Valor Econômico – Pipeline