Operação é um reflexo direto da importância do negócio de atacarejo no país para qualquer varejista que pretende se manter relevante no mapa do varejo brasileiro
Por Adriana Mattos
O inesperado fechamento do acordo entre o grupo chileno Cencosud e a atacadista Giga, da família Nassar (também dona dos supermercados Mambo) é um reflexo direto da importância das operações de atacarejo no país para qualquer varejista que pretende se manter relevante no mapa do varejo brasileiro. Ainda sinaliza que a Cencosud pode não ficar apenas assistindo a sua perda de terreno no comércio alimentar local, enquanto redes regionais brasileiras (e eficientes) vão ganhando cada vez mais espaço.
Em alguns anos a Cencosud perdeu tamanho e viu redes regionais tradicionais avançarem numa maior concentração desse mercado. A varejista chilena, que em 2017 era a quarta maior rede do setor, com R$ 8,5 bilhões de faturamento anual, no ano passado ocupava a oitava posição, com cerca de R$ 9,1 bilhões em receita, segundo ranking anual da Abras, associação setorial. A queda foi de quase 3% sobre 2020, sendo que em 2021, as cadeias ainda colhiam efeitos positivos da alta demanda por alimentos na pandemia, além do impacto da inflação que subiu preços e receita nominal dos grupos.
O crescimento acelerado do Grupo Mateus, dos mineiros dos Supermercados BH, do Grupo Pereira (Fort Atacadista) e dos Irmãos Muffato, do Paraná, foram “empurrando” a Cencosud para mais baixo na lista das lideres do setor, num segmento do varejo em que escala é ainda mais fundamental do que qualquer outro.
Com movimento, os chilenos colocam o pé no mercado de São Paulo, após uma expansão anos atrás focada em aquisições no Nordeste e parte do Sudeste, na última onda de aquisições desse setor — o grupo tem lojas na Bahia, Sergipe, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Goiás e Minas Gerais. Foram 10 unidades adquiridas na Grande São Paulo (boa parte em áreas de alta circulação de clientes) e um centro de distribuição. A companhia é dona das cadeias Bretas, GBarbosa, Prezunic, Mercantil Rodrigues, Perini e Spid.
A companhia ainda avança duas ou três casas no ranking geral do varejo alimentar, provavelmente empatando com o Grupo Muffato na sexta posição, ou até superando ligeiramente, calculou o Valor com base nos dados gerais de vendas das cadeias.
Preço e surpresa do mercado
O acordo pegou de surpresa parte do mercado de atacado na manhã desta sexta-feira (06). Dois executivos do setor afirmaram ao Valor que circulavam informações no mercado sobre interesse da família Nassar em acordo de fusão com redes do setor. “Foi uma surpresa geral. Até sabia-se que eles estavam abertos para avaliar, mas com todas as grandes redes, e com uma agenda já pesada de ‘M&As’ e expansões, era uma hora meio ‘tumultuada’ para que fechassem algo”, diz um executivo de alto escalão de uma rede.
“Pagaram 33% da receita bruta [do Giga] e provavelmente uns 40% da venda líquida, mas esses negócios encareceram de uns cinco anos para cá. Mas tem que olhar os outros números para calcular melhor múltiplos. De qualquer forma, pagaram para estarem de volta no jogo”, diz o CEO de uma grande cadeia de atacado.
Por valor por loja, equivale a R$ 50 milhões por unidade — uma loja nova média “do zero” custa entre R$ 40 milhões e R$ 70 milhões.
Fonte próxima à negociação afirma que o valor equivale a um múltiplo de 0,33 vezes a relação entre valor da empresa e vendas. O montante pode ser ajustado com base no capita de giro na data de fechamento da transação, a ser submetida ao Cade, órgão antitruste brasileiro.
As dúvidas do mercado hoje estão na origem dos recursos da transação, considerando que a Cencosud chegou a analisar uma oferta pública inicial de ações no Brasil, para uma captação que conseguisse acelerar crescimento da empresa com recursos externos. A Cencosud passou por reestruturações do negócio no Brasil anos após a entrada por aqui. Aquisição de redes locais com marcas fortes, mas baixa rentabilidade na época, obrigaram a operação a reduzir despesas, fechar lojas deficitárias e mudar políticas comerciais, até conseguir colocar o negócio nos eixos.
Fonte: Valor Econômico