Produtos mais acessíveis foram para as prateleiras do alto, na altura dos olhos dos compradores, e os mais caros desceram ou até sumiram
Por Letícia Lopes e Raphaela Ribas
A alta nos preços dos alimentos mudou os carrinhos de compras dos brasileiros, levando os supermercados a alterarem portfólios e estratégias para acompanhar os consumidores. As gôndolas passaram a dar destaque para rótulos mais baratos — e muitas vezes desconhecidos —, assim como os itens de marca própria. Produtos mais acessíveis foram para as prateleiras do alto, na altura dos olhos dos compradores, e os mais caros desceram ou até sumiram.
Para caber no bolso dos clientes, a Nestlé, por exemplo, adaptou o tamanho de suas porções. Já P&G criou embalagens maiores para atender seu público. O Carrefour, por sua vez, investiu em marcas próprias e congelou preços. E a rede paranaense Condor ampliou o mix de produtos mais em conta e tirou vinhos e chocolates das gôndolas, pois não tinham muita saída devido aos preços salgados.
Um estudo feito pela consultoria Kantar, exclusivamente para o EXTRA, identificou as principais alterações nos carrinhos de compras de 2020 para 2021. Entre as mudanças, constatou que em higiene, beleza e limpeza a troca de marcas é mais recorrente. O levantamento revelou que, de um ano para o outro, a preferência pela linha econômica de desodorantes aumentou 39%, e a de alvejantes, 29%, por exemplo.
Para alguns produtos de mercearia doce ou bebidas, a pesquisa verificou que os consumidores costumam manter suas preferências. Já em outros casos, como a carne, o jeito é substituir o alimento por lanches com frios.
— Nos itens básicos, que mais têm sofrido impacto da inflação, como farinha, óleo, café e feijão, o consumidor costuma equilibrar entre diminuir o volume ou migrar para marcas mais baratas, mas não deixa de comprar — observou a diretora de Usage da Divisão Worldpanel da Kantar, Aurélia Vicente.
Para se encaixar nesta realidade, mais de 80% dos supermercados no Rio substituíram mercadorias de marcas caras por outras que pesam menos no bolso em alimentação, higiene e limpeza. Os dados são da Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), com base num levantamento realizado em janeiro deste ano.
— Existe hoje uma condição de três fatores que estão apertando muito a renda dos trabalhadores brasileiros: a inflação, o desemprego e as dívidas elevadas. Isso tudo tem pressionado o consumidor a escolher itens mais baratos — disse Guilherme Mercês, consultor da entidade: — A preferência mudou e a importância que isso tem na dinâmica do supermercado é muito grande. Isso se reflete diretamente na forma como os produtos são oferecidos e no modo como são dispostos nas gôndolas.
Basta percorrer algumas redes para perceber as mudanças. Na prateleira de uma rede no Méier, na Zona Norte, a reportagem viu as tradicionais marcas de sabão em pó dando lugar à linha própria do estabelecimento comercial, que é mais barata. O mesmo aconteceu com alguns tipos de biscoitos. Em outro grupo, na Piedade, na mesma região da cidade, apenas uma marca de açúcar refinado estava à disposição dos clientes.
— Vim comprar itens de limpeza. Produtos pelos quais eu antes gastava R$ 50, R$ 60, no máximo, hoje paguei R$ 100 — reclamou a diarista Socorro Costa, moradora do Engenho Novo, que foi ao supermercado na última sexta-feira.
Alternativas das donas de casa
Na cesta de compras da diarista Marlene Adão, de 58 anos, a marca tradicional de sabão em pó foi substituída por uma inferior, mais barata. O tomate e a cenoura saíram do cardápio em virtude dos altos preços, e as carnes e os legumes só entram no carrinho quando há boas promoções.
— Compra de mês eu parei de fazer no início da pandemia. Sou diarista, e as faxinas pararam. Agora, vou vendo os anúncios na TV e, conforme vou precisando e o preço está bom, venho ao mercado — contou ela, que mora no Morro Dona Marta, em Botafogo, com o marido, a filha e o neto.
A pesquisa da Kantar corrobora a sensação de Marlene de que cada vez se compra menos e se gasta mais, especialmente nas classes C, D e E. O levantamento da Asserj apontou ainda que a população mais vulnerável, que recebeu o auxílio emergencial (e agora o Auxílio Brasil), prioriza os gastos com alimentação (56,5%). Mas, com a renda comprometida, 11,7% deles precisam usar o dinheiro para pagar dívidas.
Outros 10,8% compram remédios, itens considerados de primeira necessidade. Do total de pessoas ouvidas, 88,7% disseram que passaram a comer mais frango e menos carne bovina devido à inflação.
— Estamos levando menos e pagando mais do que o dobro. As compras lá para casa era suficiente para o mês inteiro. Custavam R$ 700, R$ 800. Hoje, pago R$ 1.300, R$ 1.500 por compras bem menores — disse a aposentada Leonor Silva, de 85 anos, que junto com o genro sustenta a casa com oito pessoas, entre filhos e netos.
A aposentada Maria Ricardina Araújo, de 64 anos, prefere não comprar, quando os preços estão altos:
— Como moro sozinha, preferi não substituir as marcas de que gosto. Mas, se está muito caro, simplesmente não compro. Na semana passada, por exemplo, procurei por coentro. O maço estava saindo a R$ 4. Voltei para casa sem.
Apostas de redes e empresas
No Condor Super Center, o diretor de Operações, Maurício Bendixen, diz que cada gôndola é analisada visando a melhorar o uso do espaço:
— Fazemos um mix e vamos acompanhando a saída dos produtos. Na pandemia, trouxemos mais os de segunda linha e demos mais espaço a eles. Algumas marcas mais cara perderam espaço. Chegamos a tirar das gôndolas alguns itens que eram muito caros.
Segundo ele, no caso dos alimentos, as pessoas trocaram até mesmo produtos de alta fidelidade, como arroz e café. No setor de limpeza, deram prioridade às embalagens maiores. A P&G entendeu este movimento e lançou, em 2020, a versão de três litros do amaciante Downy.
— Outra mudança que observamos foi a busca por tamanhos maiores, tendo descontos na unidade ou no litro. Isso é notório nas fraldas — disse Marcos Bauer, diretor sênior de Inteligência de Mercado e Desenvolvimento de Categorias da P&G.
O Carrefour não somente percebeu a mudança de interesses do consumidor como viu sua marca própria crescer. Os preços altos dos rótulos tradicionais levaram os clientes a experimentar os da linha própria da rede, que têm mais de 4.500 itens. As vendas desses produtos cresceram 50% nos últimos dois anos e, hoje, correspondem a quase 20% da venda total do grupo.
Para Allan Hock, diretor de marca própria do Carrefour, no entanto, o que realmente é significativo é conseguir penetrar em categorias antes inimagináveis, além da recompra:
— Isso significa que o cliente comprou e gostou. As fraldas e as cápsulas de café da nossa marca vendem mais do que as dos líderes de mercado.
Mudança de hábitos:
De 2021 para 2020, a cesta de consumo caiu nestes itens:
Commodities (óleo de soja, açúcar, arroz, feijão…) – 8,1%
Higiene e beleza – 4,1%
Mercearia salgada e limpeza – 3,5%
Perecíveis e bebidas, respectivamente. -1,2 e 1,3%
Destaques em que o consumidor opta por categorias econômicas
Alvejante sem cloro – 29%
Desengordurante de cozinha – 27%
Detergente líquido de roupa 17%
Desodorante – 39%
Maquiagem – 24%
Lâminas de barbear – 15%
Categorias de pães e snacks aumentaram o consumo
Gastos compets também são uma alavanca de crescimento
Fonte: Extra