Lojistas criticam atrasos após grupo elevar venda para ganhar mercado – equipe foi criada para gerenciar a crise
Por Adriana Mattos
A plataforma de venda on-line Shopee, controlada pela Sea Limited, de Cingapura, está enfrentando uma série de problemas em sua logística no Brasil, apurou o Valor. Crescimento acima da capacidade de gerenciamento, excesso de ações comerciais em curto espaço de tempo – para tentar acelerar tráfego de clientes e vendas – e estrutura de transporte e atendimento insuficientes obrigaram a companhia a montar um plano de ação, dizem fontes.
São gargalos na operação num momento em que aumenta a pressão dos rivais sobre os “marketplaces” estrangeiros, inclusive a Shopee, que importam itens da Ásia – numa estratégia liderada pelas principais plataformas on-line brasileiras, como antecipou o Valor semanas atrás.
Nas últimas semanas, o Valor conversou com lojistas, transportadoras, consultores e funcionários da Shopee, sob condição de anonimato, para traçar um histórico dos problemas e das ações tomadas para reduzir o gargalo nos serviços. Uma equipe de gestão de demanda criada pela Shopee trabalha no assunto e há reuniões semanais entre esses funcionários e as transportadoras para ajustar as medidas tomadas.
As dificuldades começaram a aparecer, principalmente, após novembro, quando a empresa decidiu lançar ações comerciais de grande porte em curto espaço de tempo. Foram quatro datas, com frete grátis em certos itens, e promessa de entrega rápida, no intervalo de cerca de 45 dias (campanhas de 11/11 e 12/12, além de “Black Friday” e Natal) que levaram a um acúmulo de pedidos, dizem fontes. “Eles deram um passo maior que a perna, e a situação foi piorando após outubro. Entre novembro e dezembro, foram quatro, cinco vezes mais pedidos [que o ano anterior], e eles não estavam preparados”, diz um prestador de serviço logístico para a Shopee.
A cada data nova criada, em volume de pedidos, era uma espécie de “mini-Black Friday”. “Nós fomos administrando dentro da logística acertada com eles e, de repente foi um ‘boom’. Para a ‘Black’ normal, de todos os anos, a gente se prepara por meses, e isso não é á toa. Porque dá problema se não se programar”, afirmou.
Outro parceiro da Shopee diz que, como a empresa tem alta concentração de encomendas de itens leves (miudezas de baixo preço), eles precisam de grandes quantidades para gerar venda. “A questão é que isso enche galpão, sobrecarrega a equipe e empata a vazão”, afirma ele. Segundo três fontes, pelo menos duas transportadoras – CargoBR e J&T Express – fecharam acordos recentes com a Shopee para acelerar entregas e tentar melhorar o nível de serviços.
A J&T virou parceira neste ano e a CargoBR entrou na segunda metade do ano passado. Além delas, entre as grandes que já operam para a Shopee estão Total Express, Sequoia, Loggi, Rede Sul e Correios (por onde passa a maior parte dos envios). Vendedores têm ido ao site Reclame Aqui, plataforma voltada a consumidores, para pedir solução de atrasos em coletas de pedidos. Eles dizem que boa parte dos problemas com a Shopee se concentra no atendimento da Sequoia. “Eles são o segundo maior contrato da Shopee, só perdem em envios para os Correios, e quando os pedidos dispararam, proporcionalmente quem sentiu o baque mais foi a Sequoia”, diz uma fonte a par dos contratos.
A estratégia que tem sido adotada é congelar a conta da plataforma quando os pedidos de retirada junto à Sequoia se acumulam. “Alguém sabe como faço para tirar a Sequoia da minha conta Shopee?”, diz um deles, num grupo de mensagens formado por vendedores que o Valor teve acesso. “Pus a conta em modo férias [paralisa a chegada de pedidos por certo período] pois não aguentava mais as reclamações no chat. Aparece pedido entregue [ao cliente], mas que não foi enviado pela Sequoia”, diz um lojista, na semana passada, num grupo reunido no Telegram, com 2,2 mil lojistas. Neste domingo, eram 2,9 mil menções no grupo em críticas à Shopee. Mercado Livre tinha menos da metade, sendo bem maior que a rival – bancos calculam que a Shopee venda no Brasil (em valor que passa pela plataforma) entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões ao ano, e Mercado Livre fez R$ 68 bilhões em 2021.
De acordo com Anderson Candido, dono de uma loja de produtos naturais na Shopee, há falhas de processos. “O cliente vê a demora para entregarem, cancela o pedido e pede estorno. Só que a encomenda chega dois, três dias depois. E aí, o cliente fica com o produto e o dinheiro. E nós ficamos com o prejuízo”, diz.
Reclamações de lojistas não são incomuns – muito menos relativos à entregas on-line no Brasil. Mas as reações conjuntas das empresas a isso só ocorrem quando o cenário é mais crítico. O Valor apurou que a Sequoia vem tratando há meses dos problemas junto à Shopee – há reuniões semanais sobre o assunto. Foi criada área específica de atendimento na Sequoia, com cerca de 70 pessoas, para lojistas da Shopee por causa dos problemas. Vinte e cinco equipamentos de separação de pedidos, que seriam distribuídos para toda a base de clientes da Sequoia, hoje estão voltados só para dar vazão às encomendas da Shopee.
A ação da Shopee nesta semana, quando o varejo realiza campanha promocional batizada de Semana do Consumidor, foi desenhada com prazo de entrega (em dias) até duas vezes maior daquele do fim de 2021, apurou o Valor. Isso tende a reduzir as pressões na sua estrutura. “Houve melhora no nível de serviço nas últimas semanas, depois que montaram uma equipe focada, mas não normalizou ainda. Eles foram agressivos e subestimaram a demanda. O trabalho que dá para entregar um fone de ouvido é o mesmo de entregar um celular, que vale muito mais. Só que eles entregam muito mais fones que celulares”, disse um parceiro logístico.
Vista como uma ameaça às plataformas brasileiras, a Shopee incomoda as grandes cadeias locais pelo seu crescimento e também pelo volume de importados oriundos da Ásia. Em 2021, o Procon-SP questionou a Shopee sobre a autenticidade de seus produtos. A empresa disse na época que está comprometida com a lei.
Fontes próximas à empresa negam gargalos e citam “transformações para se adequar à expansão”. Dizem que as reuniões entre transportadoras e a empresa são normais e que 85% das vendas no Brasil são de lojistas locais. E vai manter os Correios como parceiro, apesar de estar migrando, desde janeiro, parte dos lojistas atendidos pela estatal para a sua operação de entrega própria, a Shopee Express.
Migrações desse tipo levam um tempo para ficar redondas, mas fonte próxima à empresa diz que a evolução é boa. Em nota ao Valor, a Shopee afirma que à medida que cresce, está oferecendo “mais opções de parceiros logísticos aos vendedores brasileiros para otimizar a coleta e a entrega de produtos aos consumidores”. Afirma que em breve terá “novas opções logísticas” e que todos os parceiros logísticos devem seguir os altos padrões de serviço” da empresa. Diz ajudar no empreendedorismo e “oferecer uma experiência segura, fácil e divertida de compras”.
O CEO da Sea, Forrest Li, disse a analistas em março que a Shopee Brasil registrou mais de 140 milhões de pedidos no quarto trimestre, avanço de 400% frente a 2020, e cerca de US$ 70 milhões de receita, alta de 326%. Também destacou que, apesar dessa melhora, atingiu um prejuízo antes de juros, impostos, amortização e depreciação de cerca de R$ 10 (US$ 2) por pedido no Brasil, uma melhora de 40% em um ano. No mundo, a perda por pedido foi de US$ 0,45.
Entre novembro e dezembro, a empresa começou a operar, inicialmente na fase de testes, a sua primeira área de “cross-docking” no Brasil. O local fica em Barueri (SP) e faz a armazenagem para despacho em poucas horas, diferente de um centro de distribuição. A ideia com o espaço é acelerar as entregas, mas ele ainda opera em fase de testes. Com novos pontos de armazenagem de apoio, a Shopee quer criar por aqui uma espécie de Mercado Envios, o modelo próprio de entregas do Mercado Livre. Não à toa, quem lidera a logística na Shopee é Rodrigo Calderaro, que saiu do Mercado Livre em junho para ir para a Shopee, para montar uma estrutura local.
Procurada, a Sequoia não se pronunciou.
Fonte: Valor Econômico