Parte dos estabelecimentos tem fila na porta, mas trabalho híbrido ainda atrapalha os localizados em áreas comerciais
Por Lucianne Carneiro
O setor de bares e restaurantes começa 2022 com um horizonte bem mais animador do que enfrentou nos últimos dois anos, a despeito de uma inflação que permanece elevada e pressionando custos, renda média sem ganhos e alguma incerteza com a pandemia e o cenário eleitoral. O avanço da vacinação e a redução das medidas de isolamento social ajudaram os estabelecimentos a reconquistar clientes e os últimos meses foram de recuperação, embora heterogênea.
De um lado, restaurantes de marcas mais fortes, onde a refeição é parte do entretenimento e que cresceram em delivery se saem melhor, enquanto os mais dependentes do movimento corporativo em áreas comerciais seguem em situação mais difícil por causa do modelo híbrido de trabalho adotado por muitas empresas.
Nesse cenário, o emprego ainda não retomou de forma integral, embora venha aumentando nos últimos meses. A perda de postos formais de trabalho desde março de 2020, que chegou a ultrapassar os 300 mil em agosto de 2020, ainda se mantém em 142,8 mil, segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) feito com exclusividade para o Valor a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Ao todo, o setor empregava 1,411 milhão de pessoas formalmente em nível nacional em outubro de 2021, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Já o total de receitas deve crescer 6,8% em 2021, uma sinalização positiva, mas longe de compensar o recuo de 10,6% em 2020, segundo estimativa da CNC. Para 2022, a projeção do economista sênior da CNC Fabio Bentes é de uma expansão de 1,7% no faturamento de bares, restaurantes e similares, diante do baixo crescimento esperado para a economia brasileira como um todo.
Pesquisa recente realizada pela Associação Nacional de Restaurantes (ANR) mostra que mais da metade dos estabelecimentos já recuperou o faturamento nominal da pré-pandemia ou está ganhando mais, sendo 19% para o primeiro grupo e 37% para o segundo. Há uma parcela de 44%, no entanto, que ainda amarga resultados menores. Isso sem nem mesmo considerar a inflação elevada do período, especialmente de alimentos. O endividamento acumulado na pandemia e a inflação – que pesa sobre os custos e também afugenta os clientes – são preocupações já presentes e que permanecem para o próximo ano.
“A retomada está acontecendo, os números estão voltando ao normal, mas os eventos e o turismo de negócios ainda não voltaram”, afirma Arri Coser, proprietário das redes de restaurantes NB Steak e Maremonti, com unidades na capital e no interior de São Paulo e um dos sócios da rede de churrascarias Fogo de Chão até a venda para a GP Investiments.
Com o conhecimento de décadas atuando no setor em meio às crises da economia brasileira desde os anos 80, Coser diz que os clientes corporativos ainda não voltaram inteiramente nem os da faixa etária acima dos 60 anos, mas que para os demais públicos percebe-se uma grande demanda reprimida. Os salões cheios em restaurantes de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e os relatos de empresários confirmam a retomada do hábito de comer fora, especialmente entre os locais voltados para classes de mais alta renda.
“No fim de semana, vemos 100% de recuperação em relação a 2019, mas para voltar ao normal é preciso mais confiança. Os eventos ainda estão tímidos e se percebe uma mudança do cliente corporativo para as famílias. O faturamento como um todo voltou, mas o fluxo de pessoas ainda está cerca de 20% menor”, diz ele, que está com projetos de expansão congelados desde 2020 e vai aguardar até março para decidir se os investimentos serão realmente feitos em 2022.
Diretor-executivo da ANR e presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), Fernando Blower confirma o melhor momento do setor. A pesquisa feita com associados da ANR mostrou, por exemplo, que 73% estimam encerrar o segundo semestre com resultado melhor que o do primeiro, quando ainda vigoravam medidas de restrição para o funcionamento das atividades. Mas ele é cauteloso e defende que é preciso cuidado para não passar ideia de “oba-oba”.
“De fato há uma recuperação, a situação está muito melhor que em outros momentos da pandemia. Mas não dá para passar ideia de ‘oba-oba’, que vai tudo muito bem. É um setor muito heterogêneo, um terço está faturando mais que antes. Em geral, aqueles com marca forte, o nome de um grande chef por trás ou que melhor se adaptaram ao delivery. Não são necessariamente os grandes, mas o que reúnem essas condições”, diz ele, que vê boas perspectivas para 2022, apesar da manutenção do “cenário de imprevisibilidade” por causa da pandemia.
Se a situação sanitária permanecer sem piora, afirma Blower, o próximo ano deve ser de retomada do faturamento do setor para o patamar de antes da pandemia, mesmo com algum “possível tumulto” por causa das eleições. No caso do Rio de Janeiro, espera influência positiva do turismo.
“A situação ainda é incerta, mas 2022 tem tudo para ser um ano melhor se não tivermos nenhuma surpresa com a pandemia. O turismo também deve retomar com mais força, o que ajuda o setor de restaurantes”, aponta ele, que é sócio do Meza Bar, no bairro de Botafogo, no Rio, e acaba de abrir o Yayá Comidaria Pop Brasileira, no Leme.
O que é claro neste momento, explica Blower, é que o cliente pensa cada vez mais onde vai gastar seu dinheiro e que não é possível repassar integralmente para os preços do cardápio o aumento de custos com alimentos, energia elétrica e embalagens, entre outros. “Quase todo mundo teve que repassar custos, mas não se consegue na mesma proporção da alta. É preciso um mix de soluções, que inclua também adaptação de ingredientes, por exemplo”, diz.
Pelas contas do presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, o faturamento do setor no segundo semestre de 2021 deve ser 3% superior a igual período de 2019, mas as realidades são diferentes para os restaurantes mais sofisticados – com os salões cheios e filas na porta – e os que estão em áreas comerciais ou não conseguiram repassar pelo menos uma parte dos custos maiores.
A situação mais emblemática de todo o país, segundo ele, é a observada no centro do Rio de Janeiro, com a perda da demanda de grandes empresas como Petrobras e Vale. Em São Paulo, áreas como Avenida Paulista, Alphaville e Faria Lima também foram afetadas, embora não na mesma proporção.
“Saímos muito machucados dessa crise, mas o pior já passou. Quem ainda mais sofre são os estabelecimentos em áreas comerciais, que precisam se adaptar a um novo formato de trabalho das empresas”, afirma ele, otimista em relação ao desempenho do setor em 2022, mesmo com a pressão da inflação.
O emprego ainda aquém do patamar anterior, no entanto, é uma das sinalizações de que ainda há um caminho a percorrer. Os próprios empresários revelam que há muito temor em avançar com contratações em meio ao ambiente ainda incerto e que, com o endividamento em alta, muitos têm postergado contratações apesar da retomada da demanda.
“O crescimento do nível da atividade descolou do nível do emprego em atividades como serviços e comércio e isso se vê também no setor de restaurantes. Houve uma ruptura entre o crescimento da receita e da ocupação”, diz o economista sênior da CNC Fabio Bentes, autor do estudo que mostra o custo da pandemia para o setor.
Fonte: Valor Econômico