Alta real das vendas fica abaixo de 1% e cenário de incerteza ganha força neste fim de ano
Por Adriana Mattos
A inflação em alta, de dois dígitos, tira dinheiro do bolso do consumidor – vendas nas lojas físicas tiveram queda real nesta temporada de Natal — Foto: Guito Moreto/AgÃência O Globo
Indicadores de desempenho do Natal mostram resultados fracos para o mês de dezembro, sem sinais de retomada na demanda nas últimas semanas. Pelos dados divulgados ontem, o crescimento real nas vendas na semana do Natal foi baixo, inferior a 1%, indicando volume vendido sem expansão relevante no total geral (on-line e lojas físicas). Este desempenho reforça o cenário de incerteza para os planos e projeções das empresas em 2022 – ano eleitoral que historicamente traz forte componente de instabilidade aos mercados.
Entidades empresariais, analistas e consultores afirmam que, apesar de existir maior circulação de recursos na economia em períodos eleitorais, isso vem perdendo força na última década, com menor efeito sobre o consumo. E dizem que o orçamento anual das companhias, já aprovados, podem ser revistos caso os primeiros meses de 2022 mostrem tímidas vendas “mesmas lojas” (pontos com mais de 12 meses, que descontam o efeito de inaugurações).
“A Black Friday já não foi boa e dezembro não teve nada de recuperação. E o começo de ano há muita saída de caixa das varejistas, com pagamento de impostos, o que é preocupante nesse cenário”, disse ontem Marcelo Silva, presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), com mais de 70 redes associadas de grande porte.
“O segundo semestre é uma grande incógnita para o setor. Há investimentos que estão sendo represados para 2022 pelo nível de insegurança ‘macro’ e pelo calendário com muitas incógnitas. Temos a eleição, a Copa do Mundo, que até aquece vendas, mas só acontece em novembro e dezembro, e ainda há o risco das novas variantes da covid”, completa ele.
Segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), publicado ontem, houve alta de 11,1% nas vendas nominais de 19 a 25 de dezembro, versus mesmo intervalo em 2020. A Cielo não deflaciona a taxa. No acumulado de 12 meses (janeiro a dezembro), o IPCA-15 está em 10,42% – maior índice desde 2015. Ao se descontar essa pressão nos preços, o ganho real é de menos de 0,7%.
“Temos que lembrar que a inflação do varejo está maior que o IPCA, e pode chegar a 12%, 13% em dezembro, o que acaba levando até a uma queda real nesse índice. Não é fácil vencer uma inflação de dois dígitos no Brasil”, diz Fabio Bentes, economista sênior da confederação nacional do comércio e turismo (CNC).
Nas lojas físicas, a alta ficou em 8,8% em termos nominais, logo, com queda real. No comércio eletrônico, a elevação nominal foi mais forte, de 38,6%, informa a Cielo, para uma inflação de quase 19% de janeiro a outubro, segundo o índice e-flation, do Ibevar, instituto de executivos do varejo.
Outro dado publicado pela Alshop, a associação de lojistas de shoppings, informa alta real de 10% nas vendas sobre 2020 – a entidade não informa a base pesquisada ou a comparação sobre 2019.
Segundo relatório da consultoria Virtual Gate, obtido pelo Valor, no acumulado de dezembro até o Natal, há recuo no tráfego de clientes em lojas de 25% em relação a 2019. Em relação a 2020, a alta é de 10%. São pesquisadas 2,7 mil lojas de moda, móveis, construção e perfumaria diariamente. Quando a circulação cai dois dígitos, para a venda crescer, a conversão (em compras) e o gasto por pessoa precisa subir de forma acelerada.
A queda sobre 2019 pode refletir a migração de consumidores das lojas físicas para o on-line, mas as consultorias ouvidas informam que não há dados que confirmem que a queda de tráfego foi necessariamente compensada pelo digital. “O problema dessa migração entre canais é que nem sempre a loja física perde o cliente para o seu próprio site e ‘app’. Ele pode estar perdendo para os marketplaces estrangeiros, o que só concentra mais a venda do comércio em períodos de crise”, afirma Heloisa Cranchi, diretora da Virtual Gate.
O Natal morno obrigará as empresas a acelerarem ações comerciais em janeiro e fevereiro, mas é preciso avaliar os desempenhos por setor do varejo e região. Além disso, a indefinição sobre a realização do Carnaval atrapalha o planejamento de compra e venda das redes nesses primeiros meses do ano. “Vestuário e calçados devem divulgar um Natal positivo por causa da base fraca de 2020. Mas eles são exceção, e tendem a sentir mais um Carnaval fraco”, diz Eduardo Terra, sócio-diretor da BTR Consultoria e conselheiro de redes varejistas.
Ele diz que os orçamentos anuais são validados pelos grupos em novembro, mas todo o mercado já entendeu, após a Black Friday, que será um 2022 difícil e adotou postura mais comedida. “A busca é por um equilíbrio entre gestão de caixa, custo do capital e oportunidades de compras no mercado. Redes mais saudáveis já estão olhando compras pontuais, mas quem sentiu a alta na Selic em suas despesas, e tem caixa limitado, vai segurar os planos”.
Segundo o IDV, historicamente o varejo cresce próximo da taxa de expansão do PIB, e a expectativa é que isso aconteça em 2022, caso a inflação perca o vigor – em 2021, o PIB crescerá mais que o comércio porque a alta de preços freou o varejo.
“Estamos ouvindo projeções de 5% a 10% de inflação no ano que vem, e com o varejo subindo talvez um pouquinho mais que o PIB [que pode variar de 0,5% a 1%]. Seria uma alta muito pequena”, diz Silva. “Ninguém está se movimentando muito nesse sentido [de montar orçamentos muito robustos para 2022]. Temos visto indústrias recebendo mais insumos, o que levaria maior equilíbrio da cadeia produtiva e preços mais estáveis nas lojas, mas os preços não recuam, e o dólar se mantém alto. Quem conseguiu desovar estoques em 2021 e fez caixa terá um começo de ano melhor”.
Fonte: Valor Econômico