Depois de entrarem em xeque alguns anos atrás e passar por um processo de enxugamento e remodelagem, as parcerias entre bancos e redes de varejo para financiar o consumo voltaram a apresentar bons resultados em 2014. Mesmo nos varejistas que atuam sem uma instituição financeira parceira, os ganhos com cartões e financiamentos aceleraram no ano passado, a despeito do fraco ritmo das vendas.
Nos nove primeiros meses de 2014, o lucro líquido das cinco operações financeiras de varejistas de capital aberto foi de R$ 597,1 milhões, um avanço de 83,2% ante igual período de 2013. A cifra inclui os resultados das empresas de Pão de Açúcar, Marisa e Magazine Luiza administradas pelo Itaú Unibanco e também de Riachuelo e Renner. Outra grande operação de varejo, o Banco CSF, dividido entre Carrefour e Itaú, teve lucro líquido de R$ 186,5 milhões no primeiro semestre de 2014, dado mais recente disponível. O resultado foi quase do mesmo tamanho do obtido em 2013 todo (R$ 212,1 milhões). O Banco Ibi, que nasceu na C&A e hoje pertence ao Bradesco, não divulga mais resultados.
A melhora no desempenho foi produto de uma combinação de fatores. Depois da onda de calote que pressionou o crédito às famílias em 2011 e 2012, bancos e varejistas aperfeiçoaram os modelos estatísticos que simulam a capacidade de pagamento dos tomadores, de modo a torná-los mais assertivos. Com isso, houve redução da inadimplência e das provisões para cobrir perdas com crédito. As instituições também buscaram ganhos de eficiência. Do lado dos bancos, houve corte no número de parcerias. O caso mais icônico é o do Itaú, que, desde a fusão com o Unibanco, encerrou mais de 300 associações de pequenos comércios a grandes redes. Sobraram cerca de 12 operações. O Bradesco também revisou algumas de suas alianças. “As nossas parcerias envolvem um projeto de fidelização que pede uma escala em termos de custos, que algumas pequenas parcerias não tinham”, afirma Marcos Magalhães, diretor da área de cartões do Itaú Unibanco. A visão do executivo é que as associações que restaram são um meio para fidelizar o correntista tanto à loja como à instituição financeira, e não um veículo para tomadores de baixa renda. Ele compara o modelo aos cartões partilhados com companhias aéreas. “É preciso um alinhamento de estratégias e de incentivos entre varejo e banco para a operação dar certo”, diz Magalhães. Um número menor de parcerias ajudou os bancos a manejar melhor a relação por vezes difícil com o varejo. Isso porque é justamente quando o comércio tem dificuldade de vendas, em fases de economia fraca, que as instituições costumam ficar mais rigorosas na seleção dos tomadores. Combinação que cria terreno fértil para conflitos. No caso do Itaú, uma forma de tentar aumentar a aprovação de clientes para crédito sem agravar o risco de calotes foi criar uma espécie de modelo estatístico personalizado para as parcerias. “Há dados que o varejo tem sobre os clientes que podem ser usados para calibrar melhor o modelo de crédito e resultar em algo sob medida para os clientes daquele varejo”, conta Magalhães.
A Luizacred, parceria entre Itaú e Magazine Luiza, é um caso emblemático da melhora de resultados. A operação obteve lucro líquido de R$ 124,3 milhões nos nove primeiros meses de 2014. Em 2012, em igual período, estava no vermelho, com prejuízo de R$ 6,3 milhões. Foram pagos à varejista R$ 298 milhões no acordo firmado em 2009 pelo Unibanco. Se os resultados das parcerias que o Itaú tem com varejo vêm melhorando, seu grande rival, o Bradesco, tem fechado novos acordos. A lista mais recente inclui a rede de agências de viagens CVC, a de materiais esportivos Centauro e, desde novembro, a Lojas Americanas. “Temos grandes redes internacionais que abriram lojas no Brasil e são uma oportunidade para os bancos”, afirma Carlos Giovane, diretor da Bradesco Cartões. Segundo o executivo, o Bradesco passou os últimos anos unificando a gestão das parcerias em uma plataforma única, que evoluiu a partir da compra do Ibi, em 2009, por R$ 1,4 bilhão. Com essa estrutura, o banco saiu em busca de novos lojistas. Além da C&A, o Bradesco também tem parcerias com Casas Bahia, Lojas Colombo e os supermercados brasileiros da Cencosud (GBarbosa, Bretas), e as redes Makro e Angeloni. “Confiamos que o modelo de crédito interno do banco seja capaz de mitigar a manipulação de dados na ponta”, afirma Neves. A manipulação da ficha do cliente, na tentativa de aumentar a aprovação, é um risco maior em parcerias em que o varejo ganha comissão por produto financeiro vendido, mas não arca com a inadimplência gerada. Ou seja, o varejista é uma espécie de correspondente bancário da instituição financeira. É o modelo de associação que o Bradesco tem com a Casas Bahia e agora com a Lojas Americanas. Outra opção é banco e varejo criarem um modelo em que dividem o resultado da operação financeira, embora caiba ao banco a aprovação do crédito. O caso da Lojas Americanas é um exemplo de como a relação entre bancos e varejo mudou ao longo da década. Em fevereiro de 2005, época de ouro das parcerias, o Itaú anunciou que criaria uma jointventure com a rede. O acordo custou R$ 250 milhões para o banco, pagos como uma espécie de adiantamento. Com previsão para durar até 2026, a aliança foi desfeita em 2012, depois de sucessivos prejuízos. Dois anos depois, em novembro de 2014, a Americanas firmou acordo com o Bradesco, mas em condições bem distintas. No lugar de uma jointventure, o banco vai tratar a Americanas como um correspondente bancário e remunerar a varejista por produto financeiro vendido. Ou seja, as receitas e os riscos de crédito ficam apenas com o Bradesco. Mais importante, o banco não pagou qualquer tipo de adiantamento à rede por isso.
Não só as parcerias ligadas a bancos melhoraram seus resultados no ano passado. A Midway, financeira criada pela Riachuelo, registrou lucro líquido de R$ 136,6 milhões nos nove primeiros meses de 2014, cifra 66% superior à de igual período em 2013. Apenas para fins de comparação, no mesmo intervalo de 2013, o resultado caía 1,7% ante 2012. Procurada, a Riachuelo não comentou o tema. Na Renner, o lucro líquido do operação financeira subiu 31,3% na mesma comparação, somando R$ 175,5 milhões. A Renner anunciou recentemente o fim de sua carreira solo no mundo das finanças e firmou uma aliança com o Banco Indusval & Partners para a operação de cartões. Pelo desenho, o banco cuidará da emissão das bandeiras Visa e MasterCard, enquanto a Renner ficará responsável pela distribuição e relacionamento com os clientes. O resultado ficará com o banco, com a garantia de uma rentabilidade mínima sobre o capital envolvido, enquanto a Renner ganhará uma comissão para executar a linha de frente da operação. (Colaborou Fabiana Lopes)
Valor Econômico – SP