Setor tem demanda reprimida e deve fechar o ano com crescimento
Por Raquel Brandão
O forte avanço da vacinação entre a população adulta tem ajudado as vendas do setor de moda. Mais pessoas retornaram ao trabalho presencial, salas de aula ficaram cheias e eventos sociais voltaram. Isso tem se refletido em melhora de desempenho e até progressos das ações das companhias de capital aberto. Mas o cenário macroeconômico deteriorado e o aumento dos juros trazem incertezas para a continuidade dessa trajetória em 2022.
“É um cenário muito desfavorável para consumo discricionário. O tíquete mais baixo das roupas até permite mais compras do que outras categorias de bens de consumo, mas é um item menos necessário”, afirma Danniela Eiger, responsável pela análise de varejo da XP Investimentos.
No curto prazo, com as vendas de Natal, há, sim, a expectativa de melhora. “O quarto trimestre tem espaço para ter resultado positivo pela base, já que não teve Natal nem festas em 2020”, destaca Danniela.
Em 2020, o varejo vendeu 5,5 bilhões de peças de roupas, meias e acessórios, abaixo dos 6,4 bilhões de 2019. Neste ano, a estimativa da empresa de pesquisas IEMI – Inteligência de Mercado é de aumento de 15,1% em volume, somando algo na casa de 6,3 bilhões.
O diretor e economista da IEMI, Marcelo Prado, diz que há uma demanda reprimida por esses artigos. Mas a volta à vida fora do lar não será suficiente, ainda em 2021, para o retorno aos patamares pré-pandemia, previsto para 2022.
Uma pesquisa da IEMI feita com 100 empresas de confecção mostra que 51 delas conseguiram vender suas coleções de primavera-verão 2021/2022 dentro do orçado para volumes e valores, mas 37 ficaram abaixo e só 12 superaram as metas. “O cenário macroeconômico está na conta, mas não pesa a ponto de impedir que o mercado ainda melhore”, diz Prado.
O presidente da Marisa, Marcelo Pimentel, diz acreditar que a rede pode até ser favorecida nessa conjuntura. Em entrevista ao Valor em novembro, o executivo afirmou que a empresa se beneficiava desse cenário por trabalhar com margem menor do que concorrentes. “Assim, podemos traduzir isso em preço”, disse. No terceiro trimestre, a receita líquida da Marisa cresceu 18,7% sobre igual período de 2020, para R$ 530 milhões. Em relação a 2019, houve queda de 3,7%
O diretor de canais e marketing da Riachuelo, do Grupo Guararapes, Elio Silva, também diz estar confiante com o período. A favor, segundo ele, está o primeiro ano de operação da plataforma de ‘marketplace’ (shopping virtual) do grupo, o que “amplia” o portfólio. “Com esse complemento ao nosso mix de produtos existente, os clientes podem encontrar diversificação e preços competitivos. Nos consideramos ainda mais otimistas para o Natal.”
Para Helena Villares, analista de varejo e moda do Itaú BBA, o que se deve observar é que são “dinâmicas diferentes” de mercado. Agora, o consumo está mais forte com a volta à vida social, mas 2022 deve refletir menos a demanda reprimida e mais o retorno das viagens, com compras feitas fora do país.
Ainda, assim, ela diz haver nome pelo qual o banco se mantém “animado”. “Essa categoria é muito fragmentada. O bolo deve diminuir para todo setor, mas tem alguns ‘players’ que ainda podem crescer, como Renner, que tem só 9% de participação de mercado.”
Na B3, muitas das companhias ainda estão com suas ações desvalorizadas ante o período pré-pandemia. Uma amostra de que ainda há receio quanto à recuperação do consumo. As ações de Renner, Guararapes e Marisa acumulam quedas ao redor de 30% no ano – embora já tenham diminuído as perdas sobre março de 2020. Segundo Helena, deve demorar para os papéis retornarem aos patamares de 2019. “A perspectiva era de que 2020 era ‘o ano’. Tínhamos inflação controlada e juros baixos.”
“Nossa visão é que para as empresas começarem a ter recuperação mais forte, depende muito dos fundos. Muitos investidores estão migrando para a renda fixa, fazendo resgates e pressionando os fundos. E aí tem mais resgate em ações de empresas mais expostas ao macro do que empresas expostas a commodities e dólar”, acrescenta a analista do Itaú BBA.
A preferência dos investidores por alguns papéis, no entanto, reproduz outra dinâmica apontada pela analista, a de consumidor-alvo. “A classe AB perdeu menos emprego e ainda ficou em casa, conseguindo guardar dinheiro de fato”, diz. Danniela, da XP, tem visão similar. “A alta renda está mais protegida, por isso, as mais expostas a esse público demonstram resiliência por consumo mais garantido.”
Um exemplo é a Arezzo &Co, que no último ano fez aquisições e deixou de ser exclusivamente calçadista para também atuar no segmento de vestuário. Após um segundo trimestre de 2020 com prejuízo de R$ 82 milhões, o ritmo foi ascendente. De janeiro a setembro deste ano, somou R$ 240 milhões de lucro líquido. As ações na B3 refletem o momento, com alta acumulada de mais de 11% no ano.
Há ainda um efeito pirâmide, diz Helena. “Devem se sair bem as empresas que têm pirâmide de produto.” Na ponta dessa pirâmide estão peças com informação de moda, na base estão os produtos básicos. O artigo de moda sente menos o repasse de preços – o valor mais alto pode ser atribuído pelo consumidor à mudança de tendência, ao tecido do momento.
Nos básicos, a sensibilidade é maior. “Uma camiseta branca é sempre uma camiseta branca. Então, se ela passa de R$ 20 para R$ 30, o consumidor sente. Quem depende muito do básico vai apanhar na margem ou vai ter que repassar e correr risco de perder participação de mercado”, diz Helena.
Fonte: Valor Econômico