Saudade de compras presenciais deve levar público de volta aos shoppings, mesmo com inflação em alta
Por Daniele Madureira
Os shoppings sempre funcionaram como minicidades, um microcosmo à parte em que o consumidor encontra tudo e socializa. Mas, a partir da pandemia, quando os empreendimentos ficaram cerca de seis meses fechados, incluindo as restrições de horário, as redes sociais avançaram nas vendas. Foi preciso rever o modelo de negócio e adaptá-lo para a internet.
“As lojas se tornaram um hub logístico, um ponto próximo à residência do consumidor, o que facilita a entrega do produto comprado online ou a comida que veio do delivery”, diz Ruy Kameyama, presidente da brMalls, a maior administradora de shopping centers do país, com 31 centros de compras no portfólio. Entre eles, Villa-Lobos (SP), Tamboré (SP), Estação BH (MG), NorteShopping (RJ), Tijuca (RJ), Goiânia (GO), Recife (PE), Amazonas (AM), Catuí (PR) e Iguatemi Caxias do Sul (RS).
Em um mundo onde os lojistas passaram a explorar os canais digitais para manter as vendas, interessa para a brMalls fincar o pé na internet (onde já atua por meio do Delivery Center, que faz a operação das vendas digitais para os lojistas) e aumentar os atrativos para o consumidor, alvo de novos programas de fidelidade. O público, por sinal, se mostra cada vez mais interessado em voltar a passear pelos corredores dos centros de compras.
“Na retomada, os nossos shoppings estão ganhando participação em relação ao varejo de rua”, diz Kameyama. “Na pandemia, o varejo nas ruas foi muito mais impactado, porque não tem planejamento de mix, não tem lojas âncoras, não há a mesma experiência em segurança, ambientação. O shopping é o quintal do brasileiro, onde ele se sente em casa.”
O executivo vislumbra que o futuro dos shoppings passa por se tornarem centros gastronômicos. “Os restaurantes são as novas lojas-âncora”, diz Kameyama, que vem investindo em uma bandeira própria da brMalls em gastronomia, o Taste Lab, um espaço que reúne chefs em ascensão que se revezam na oferta de pratos sofisticados em versões acessíveis.
“O shopping é como uma minicidade, conseguimos trazer o que o consumidor quer”, afirma Kameyama, que aposta em espaços de e-sports, como as arenas e circuito de games. “Dentro dos nossos shoppings temos universidades, escolas de ensino primário e fundamental, cursos de línguas, clínicas e até hotéis”, afirma. “É comodidade em um ambiente organizado e seguro, o que é muito importante neste momento, porque a pandemia não acabou”.
Apesar disso e da inflação em alta, Kameyama aposta na retomada no curto prazo. “Esperamos neste quarto trimestre um dos melhores Natais da história”, diz ele. “De um lado, o programa de vacinação vem avançando. De outro lado, a gente percebe essa vontade do consumidor de socializar. Ver e ser visto volta a ser uma realidade”.
Na quinta-feira (11), a empresa apresentou seus resultados do terceiro trimestre: lucro líquido de R$ 57,1 milhões, um salto de mais de sete vezes em relação ao mesmo intervalo de 2020.
As pessoas estão com saudades de bares e restaurantes, de cinemas e de fazer compras em lojas físicas. Mas a renda caiu. Como vê essa retomada mais econômica? O nível de inflação é um ponto de atenção, mas a indústria de shoppings já passou por outras crises antes. Temos um mix adaptável o suficiente, já planejado para diferentes fases do consumo. A incerteza de agora, da retomada econômica, é mais fácil de lidar do que o nível de incerteza que enfrentamos nos últimos 18 meses, de crise sanitária, em que ninguém sabia o que iria acontecer. Há uma clara sensação de que o pior já passou, e que agora estamos em uma trajetória de recuperação.
Além disso, existe uma fadiga digital, as pessoas querem restabelecer conexões humanas. Há uma demanda reprimida enorme por socialização, encontros, passeios. Eu tenho duas filhas pequenas. Uma das coisas que elas mais gostam é de frequentar shoppings –porque associam à diversão, ao encontro com a família, com os amigos. O shopping reúne tudo de bom que tivemos que abrir mão durante a pandemia. As pessoas estão curiosas em ver vitrines, passear, conhecer as novidades, tudo isso em um ambiente organizado e seguro, o que é muito importante neste momento, porque a pandemia não acabou.
A variante delta não preocupa? Acompanhamos de perto a questão da variante delta, especialmente no Rio. Mas vimos que o nível de ocupação dos hospitais se manteve sob controle. Muito disso se atribui ao avanço da vacinação. À medida que a imunização cresce no quarto trimestre, a expectativa é que a variante não tenha um impacto tão relevante.
A julgar pelo movimento até agora, qual a sua expectativa para as vendas de fim de ano? Esperamos neste quarto trimestre um dos melhores Natais da história. De um lado, o programa de vacinação vem avançando, o que dá segurança aos consumidores. De outro lado, a gente percebe essa vontade de socializar, de entretenimento, em um ambiente seguro como os nossos shoppings. Há um aumento do tempo médio de permanência, mês após mês. O consumidor não vai mais só para uma compra rápida: ele olha vitrine, toma um café, faz um lanche, vai ao restaurante. Antes da pandemia, cada consumidor passava em média 90 minutos no shopping. No ápice da crise, caiu pela metade, foi a 45 minutos. Hoje está em torno de 1 hora. Por essa combinação de fatores, temos ótimas expectativas tanto em relação à Black Friday quanto ao Natal. Em vendas, estamos praticamente no mesmo patamar de 2019.
Mas muitos lojistas, em geral, fecharam as portas durante a pandemia. Como está a taxa de ocupação? Está em 96%, muito próxima também da observada em 2019, de 97%. Chegou a cair a 95% no momento mais agudo da crise. A inadimplência também vem melhorando. Para se ter uma ideia, assinamos mais de 300 contratos com novos lojistas este ano, isso significa 90% do volume assinado no mesmo período de 2019. Há sinais claros de uma retomada acelerada, com ênfase em marcas de gastronomia, serviços e moda.
Quais os segmentos com maior movimentação nos shoppings? Tanto aqui quanto no exterior, as categorias mais procuradas são as experiências, com destaque para os restaurantes. Na sequência, vêm cosméticos (maquiagem, cuidados com a pele, bem-estar), moda (atualizar o look, renovar o guarda-roupa para voltar a circular), joalherias, além de tudo o que envolve saúde e bem-estar (salões de beleza, clínicas de estética, botox, academias). Ver e ser visto volta a ser uma realidade –e isso se reflete no mix dos shoppings neste pós-Covid. A gente se encaixa bem neste retorno com segurança.
O pessoal cansou da comida por delivery? É o que explica o crescimento maior dos restaurantes? Acho que cansou (risos). No retorno pós-Covid, os restaurantes são a preferência número um dos consumidores, eles são as novas âncoras. ‘Food is the new fashion’ [alimentação é a nova moda]. Antes os consumidores escolhiam os shoppings de acordo com as marcas, mas agora escolhem cada vez mais pensando nos restaurantes. A nossa oferta de restaurantes com serviço cresceu 54% nos últimos cinco anos, é bastante expressivo. Gastronomia como um todo já representa cerca de 20% da área dos nossos shoppings, excluindo as âncoras.
Este ano, foi inaugurada no NorteShopping uma unidade de 3.000 metros quadrados do Coco Bambu, o maior restaurante do Rio. No mesmo shopping, inauguramos no final do ano passado o Taste Lab, uma bandeira própria de gastronomia. É um ‘food hall’, um espaço onde reunimos 15 novos chefs em ascensão para oferecer seus pratos em um formato pocket, mais acessível. É uma nova âncora, em um espaço fixo, mas os chefs vão mudando de tempos em tempos para manter a novidade. Alguns chefs que participaram do MasterChef Brasil, por exemplo, estão no NorteShopping. O primeiro Taste Lab foi inaugurado no final de 2018 no Shopping Estação Cuiabá, e o próximo será aberto no ano que vem no Shopping Tamboré, em Alphaville [Grande São Paulo].
Mas, mesmo com a retomada, o delivery continua forte. Antes, era um serviço restrito a algumas categorias, como pizza ou hambúrguer. Mas agora até 30% das vendas dos restaurantes vêm deste canal.
Durante a pandemia, os shoppings perderam espaço para as vendas nas redes sociais, que cresceram muito. Como a brMalls vem reagindo a esse movimento? Estamos em um processo de digitalização dos shoppings que envolve três frentes: omnicanalidade, programa de fidelidade e mídia digital. Na omnicanalidade, a proposta é ajudar lojas físicas a vender nos canais digitais. Quem abre loja no nosso shopping tem soluções de conexão com marketplaces. Por exemplo: um fraqueado pode fazer vendas no iFood, Rappi, Uber Eats, Google Food, Mercado Livre, Americanas.com. Todos os 31 shoppings administrados pela brMalls têm a solução do Delivery Center [startup integradora de canais de venda online; tem como sócias a brMalls e a rival Multiplan]. Também apoiamos as vendas pelo WhatsApp, que devem permanecer no pós-pandemia. Cuidamos da entrega física, usando a loja do shopping como hub logístico, ou a entrega via drive-thru. Para muitas marcas, esta venda multicanal representa até 30% da venda física tradicional.
O modelo de shoppings não vai acabar, está consolidado no Brasil há pelo menos 30 anos. Mas é preciso se adaptar. A omnicanalidade se tornou obrigatória há 20 meses, período em que as prioridades mudaram.
Você mencionou programas de fidelidade, mas é isso uma prática dos lojistas, não? A relação do shopping com o consumidor está mudando. Agora cada um dos nossos shoppings tem um programa de fidelidade, foi lançado em 2020. Estamos montando um grande banco de dados. Antes, se você chegasse ao Shopping Villa-Lobos, por exemplo, em São Paulo, eu não sabia quem era você. Agora eu consigo saber o que você comprou, em qual loja, qual a sua recorrência de visita ao shopping. Hoje, por meio de programas de fidelidade, eu enxergo 20% de tudo o que foi vendido em 8 dos nossos 31 shoppings. Até o fim do ano, vamos atingir 30%. Isso significa que estamos conseguindo identificar o consumidor, ser relevante na sua jornada. É o que os players digitais fazem. Se você visita a Amazon, por exemplo, ela vai coletar as suas preferências: se você tem filho, se reforma a casa, qual a sua idade. A partir daí, faz as ofertas adequadas. É o mesmo conceito que queremos aplicar.
Se eu souber que você gosta de sushi, cinema e livrarias, posso customizar os benefícios e as ofertas. Vamos conectar você com a loja certa. Isso também é um diferencial para o lojista. Se você parou de frequentar o shopping, nós temos que te procurar e oferecer benefícios para você voltar –estacionamento ou uma sessão de cinema grátis, por exemplo. Tem muitas formas de ativar ou reativar os consumidores. Quem gastar a partir de tantos reais, tem estacionamento grátis, ou participa de encontros exclusivos com personagens de eventos infantis. Vamos pegar os atributos dos shoppings e criar novas camadas de benefícios. É uma grande evolução do modelo de negócios, que antes era centrado no lojista. Mas agora é no consumidor.
Qual a importância da mídia digital neste novo modelo de negócios? É uma maneira de destacar essas vantagens, facilitar a comunicação ao consumidor. Até pouco tempo atrás, havia aqueles painéis, outdoors internos nos shoppings, assim como propaganda adesivada na porta do elevador ou na escada rolante. Substituímos 100% dos adesivos por painéis digitais, que estão nos corredores, nos pilares, nas praças de alimentação, nos halls de elevadores. É uma comunicação muito mais moderna e relevante para os consumidores. Para as marcas, é uma nova solução de mídia para conexão com o público no momento de compra. A brMalls tem uma operação de publicidade, com a divisão mídiaMalls, que vende mídia digital em diversos shoppings em todo o Brasil, inclusive fora do grupo. Hoje estamos com essa solução presente em 60 shoppings. É um negócio que, junto com a Helloo [empresa de mídia exterior – OOH, do inglês out of home, comprada pela brMalls em setembro], tem potencial para se tornar a nossa segunda maior receita, à frente dos estacionamentos, que hoje respondem por 15% a 20% do total.
Como a compra da Helloo se encaixa nessa estratégia? A Helloo é uma empresa de veiculação de mídia em elevadores residenciais. Quando a gente pensa na jornada do consumidor, o contato com o shopping não acontece só dentro do estabelecimento. Pode começar no elevador do prédio onde ele mora. É uma empresa que faturou R$ 25 milhões em 2020 e vem crescendo cerca de 60% ao ano. Está presente em 20 cidades de São Paulo, Rio, Goiás, Bahia e Paraná. Do universo brasileiro de elevadores residenciais, só 8% têm elevadores de mídia. Esse tipo de mídia é forte em poucos países do mundo, entre eles o Brasil. Instalamos as telas nos elevadores sem custos para o prédio. É um canal que facilita a vida do síndico, na comunicação com os condôminos, e cria um novo ponto de conexão dos consumidores com o shopping e suas marcas.
Este contato segue ao longo do dia por meio do aplicativo do shopping –quando ele faz uma compra e pede para entregar em casa ou no escritório, por exemplo. Fazemos a entrega no mesmo dia, dentro de um raio de 15 quilômetros. No aplicativo, ele também pode acessar o programa de benefícios, saber das promoções. Tudo contribui para o shopping ficar mais perto do dia a dia do consumidor.
Ruy Kameyama, 44
Graduado em Economia pelo IBMEC-Rio, tem MBA pela Harvard Business School. Desde 2017, é presidente da brMalls, onde entrou em 2007, como principal executivo de operações (COO). Antes disso, foi executivo da área de novos negócios do Spoleto Franchising e associado do banco de investimentos Dresdner Kleinwort.
Raio-X da brMalls
- Fundação – 2006
- Funcionários – 2.250
- ABL (área bruta locável) – 1,274 milhão m²
- Shoppings – 31 (26 com administração própria e 5 com participação)
- Presença – Amazonas (1), Espírito Santo (1), Goiás (2), Maranhão (2), Mato Grosso (1), Mato Grosso do Sul (1), Minas Gerais (4), Paraná (4), Pernambuco (1), Rio de Janeiro (4), Rio Grande do Sul (1) e São Paulo (9)
- Faturamento* – R$ 983,1 milhões
- Prejuízo*– R$ 293,8 milhões
*Dados de 2020.
Fonte: Folha de S. Paulo