Companhia quer focar no crescimento da marca e no desenvolvimento de uma empresa adaptável
Por Graziella Valenti
Quando o Grupo Soma anunciou a compra da Hering por mais de R$ 5 bilhões, no fim de abril, muitos entenderam que a Shoulder foi a noiva deixada no altar por Roberto Jatahy, o empresário e presidente da plataforma de moda que estreou na B3 no ano passado que teria preferido o grupo catarinense.
Mas a história não é essa. Especialmente para Beny Majtlis, presidente da companhia e filho do fundador Hélio Majtlis. Na verdade, esse é o ponto de partida para o surgimento de uma nova potencial plataforma de moda no país. Não houve um acordo de preço entre as partes e a família Majtlis, que iniciou o negócio há 40 anos, preferiu manter a companhia independente, no lugar de se associar ao Soma, por ver na marca força para crescer sozinha e até para alavancar uma plataforma ela própria.
Fundada no bairro do Bom Retiro, na região central de São Paulo por Helio Majtlis, filho de imigrantes poloneses, a Shoulder deu um salto nos últimos 15 anos: a receita saiu de R$ 40 milhões para R$ 400 milhões, esperados para este ano. A trajetória de expansão ganhou tração com a chegada da segunda geração, Beny e a irmã Monique, diretora de criação.
“Tínhamos na mesa uma transação muito boa, do ponto de vista financeiro e comercial. Ela só não era tão boa quanto manter nosso próprio caminho de crescimento”, conta Beny ao EXAME IN, mas sem revelar valores da negociação com o Soma, na primeira entrevista sobre estratégia em mais de dez anos. “O preço tinha que embutir abrirmos mão desse nosso próprio caminho.”
No mercado, não são poucos aqueles que acreditam que será o próximo alvo da Arezzo, que perdeu a Hering. Em comum com o grupo catarinense só uma coisa: o DNA industrial. A Shoulder nasceu como confecção e hoje ainda é responsável por 1/3 de tudo que vende — o restante é terceirizado, mas criação exclusiva da marca.
A dupla de irmãos quis — e quer — imprimir sua marca como sucessores e deixaram claro aos pais desde sempre que o rumo era crescimento. Além do patriarca, a mãe, Rosanne Azulay Majtlis, também tocou a empresa e os próprios fundadores vislumbraram que partir para o varejo era importante. A primeira loja veio no Shopping Ibirapuera, ainda 1992.
Mas foram os herdeiros que colocaram força total nesse caminho, especialmente a partir de 2006, e mais recentemente fizeram movimentos relevantes como deixar as coleções mais autorais e ainda ajustar a cadeia de suprimentos. A estamparia veio para o Brasil e a importação de tecidos passou a ser feita diretamente, sem intermediários.
Os Majtlis enxergam ainda um grande potencial para a própria marca e entendem que já têm dentro de casa a receita de uma gestão azeitada. A Shoulder entrou e está saindo da pandemia sem demissões, sem fechar loja e sem dívida. Tem os números auditados e uma gestão que, desde 2011, apostou no caminho digital e na omnicanalidade — aliás, esse modelo multicanais que ganhou fama na pandemia já estava totalmente implementado em 2019.
A marca tem 70 lojas, das quais apenas sete não são próprias. No radar, existem outras sete para inaugurações em breve e Beny vê esse total passar de 100 nos próximos anos. Contudo, prefere não dar um prazo exato e encerrar por aí as projeções. “Os canais de venda estão passando por uma enorme revolução”, diz o executivo que foi pioneiro no conversation commerce (venda por WhatsApp) e agora já tem pilotos da nova febre que vem por aí, o live commerce.
Antes da pandemia, as vendas digitais já respondiam por 10% do total direto ao consumidor (sem considerar multimarca, B2C), uma fatia muito acima da média do comércio geral no país. Esse percentual foi de 29% no ano passado e neste ano já estava em 36%. “Experiência de compra está se tornando atributo de marca”, diz Beny. “A área digital nunca foi acessória aqui. Sempre se reportou a mim porque considerei estratégica”, conta.
Panteão
O faturamento de R$ 400 milhões esperado para este ano — R$ 375 milhões, em 2019 — coloca a Shoulder no panteão das maiores marcas de moda do país. A maior é a Farm, do próprio grupo Soma, cuja receita somou R$ 175 milhões nos três primeiros meses de 2021, o que indica um ano entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões, conforme a força da recuperação.
Outros nomes grandes são Animale, também do Soma, e a Le Lis Blanc, da Restoque, apesar de ter encolhido de forma importante com a crise do negócio. Outro nome relevante é a Osklen, que pertence à Alpargatas, mas cuja receita não ultrapassa R$ 300 milhões anuais.
O entendimento de Beny é que se trata de um setor desafiador e que ter uma plataforma de marcas é um bom caminho para o longo prazo, para perenizar a empresa. “Ninguém cresce sem parar, até o céu. Isso não existe. As marcas que tentaram isso acabaram se perdendo.”
O executivo é bastante consciente dos limites no Brasil, um país desigual, para quem atua na classe A. Por isso, o caminho da Shoulder tem potenciais aquisições, aumento de investimento para ampliar exposição da marca e a aposta em ter uma estrutura de gestão pronta para lidar com disrupções constantes. “Temos uma taxa média de crescimento importante para fazer nos próximos cinco anos. Mas pensando dez anos na frente, vai ser importante diversificar o portfólio.”
“De todas as marcas líderes atuais, eu sei que somos a menos conhecida. Portanto, com maior potencial de expansão. Passamos a ser conhecidos nos últimos dez anos e ainda há terreno para ganhar.” Se vai ser pela via digital, com loja de rua ou multiformatos, tudo isso está em transformação e análise constante. O consumidor está mudando, os canais de venda e as plataformas de marketing. São muitas disrupções. E vejo muitas oportunidades.”
Na pandemia, a marca ajustou processos e viu no canal multimarcas, importante fora das grandes capitais, um parceiro para lá de relevante. “Nesse ano, nossas vendas nesse canal estão 30% maiores do que eram em 2019.”
Beny prefere sempre falar do futuro da Shoulder, mas não se furta a responder algumas questões sobre a conversa com o Soma de forma bem objetiva. As marcas já se namoraram no passado, entre 2014 e 2016. Mas foi logo após o IPO do Soma que as conversas foram retomadas. E terminaram uma semana antes, mais ou menos, do anúncio do acordo com a Hering. Beny enfatiza que a decisão de comprar o grupo catarinense não teve nada a ver com a recusa à proposta. “O mercado conhece o Roberto tem meses apenas. Mas eu conheço há muito tempo. Ele é muito bom e certamente me convenceria de que a operação [com Hering] faria sentido.”
Na visão de Beny, sua marca era bastante complementar ao portfólio por ser uma moda mais urbana e didática, dentro de uma cesta com nomes como Farm, dona de um nicho próprio, e da Animale, mais glamourizada.
— Didática, Beny? “Sim, didática. A mulher urbana faz muitas coisas. Está sempre ocupada. Ela quer se manter na moda mesmo não sendo uma fashionista e quer alguém que resolva e adapte isso para ela”, responde ele. Além disso, o executivo destaca que a marca é bastante inclusiva, em tamanho e estilo. “A gente nunca carregou aquela arrogância da moda de corpos esculturais e modelo de beleza inatingível. Somos para as mulheres reais.
O empresário não gosta, porém, de ser profundamente específico sobre seu público consumidor. “De certa forma, eu sou o underdog do setor que deu certo. Da forma como eu vejo a moda, minha cliente tem nome e CPF. É a pessoa e o cuidado que tenho com ela. Essa coisa de criar um avatar é perigosa, porque esse personagem pode não existir na vida real.”
Depois de finalizar o capítulo com a Soma, Beny e Monique, com apoio dos pais, vão partir para fortalecer as estruturas de governança da Shoulder, com certificações, formação de conselho de administração e até mesmo uma possível transformação em uma sociedade anônima — de capital fechado, em um primeiro momento.
O executivo, formado em administração de empresas e desde os 20 anos na companhia, entende que dessa forma terá mais flexibilidade para aquisições — tanto porque pode captar dinheiro, quanto porque pode usar ações como moeda (ainda que de uma S.A. fechada). Mas, se fizer sentido, não descarta emissão de títulos e até mesmo uma oferta pública inicial (IPO) na B3, no futuro.
“Fazer um IPO não é um objetivo, um fim em si próprio, mas pode ser parte do caminho”, diz. “Desde que faça sentido.” Nesse momento, vê mais desvantagem do que vantagem em ser uma empresa listada, pois acredita que as pressões do mercado podem fazer a gestão da companhia — de qualquer uma — desviar o foco do que importa para tentar responder aos anseios dos investidores. Por isso, é importante que seja na hora certa.
No entendimento do empresário, a marca está em um momento importante de maturidade, com muita segurança sobre sua personalidade, e a empresa está com a cultura e os processos bem desenvolvidos.
Confira a seguir o que pensa Beny Majtlis, o CEO da Shoulder, sobre os temas quentes do momento:
Crescimento e escala
“Quem não cresce, encolhe. E que não cresce, perde talentos. No passado, falávamos em ser os mais eficientes e os melhores. Hoje, queremos ser a empresa mais adaptável. Achamos que os próximos dez anos no varejo serão de muita disrupção. Para a gente, ser adaptável é muito importante.”
“A escala gera valor marginal hoje em dia. No século passado, havia economias muito relevantes. Existe ainda alavancagem operacional, mas você incha em outras áreas, perde agilidade. Com toda essa questão da indústria 4.0 e toda tecnologia disponível, não somos mais refém da escala.”
Não vemos valor em dobrar a empresa de tamanho só para dobrar o lucro. Em possíveis aquisições, vamos priorizar novas habilidades.”
Tecnologia
“Temos um pensamento diferente do que tem predominado. Todo mundo quer ter “um lab”, um centro de desenvolvimento interno, tecnologia proprietária. Não sei se esse é o melhor caminho. O que eu faço de melhor é roupa, linguagem, estilo. A tecnologia está no ecossistema. Não param de surgir startups de tecnologia e há capital para irrigar isso. O conceito de prateleira infinita nasceu aqui.”
“É possível comprar tecnologia e com custo baixo. Temos um histórico de muita robustez na implementação de coisas novas. Muitos produtos de tecnlogia já nasceram aqui e vamos buscar criar mais valor com isso. Estamos bolando um jeito de alavancar inovação com isso dentro da companhia com essa nossa facilidade.”
ESG
“De forma geral, acredito que o consumidor ainda não sabe exatamente o que ele quer. Mas sei de uma coisa: o consumidor quer verdade, transparência. De qualquer forma, essa é uma questão que teremos de trazer cada vez mais para dentro dos negócios, para além de ter uma cadeia de produção rastreável.”
Fonte: Exame