Diante do avanço do digital, grandes empresas brasileiras correm para crescer e criar seus próprios marketplaces
Por Fernanda Guimarães e Fernando Scheller
Mesmo em um cenário em que o Magazine Luiza se diversificou, apostou no online e vinha trabalhando fortemente para virar um “super app”, parecia haver certa resistência entre as demais varejistas brasileiras em mudar. Pelo que se viu na semana passada, o período de inação ficou para trás. Segundo apurou o Estadão, executivos do ramo viveram dias estressantes e de rápidas definições: de repente, caiu a ficha de que é necessário fazer alguma coisa. Em meio a um cenário de crise, agravado pela pandemia, as empresas parecem ter acordado para a dura realidade: é a hora de crescer ou morrer.
Na semana passada, começou a ficar claro que não existe mais como uma empresa querer dominar apenas no seu “quadrado”. O movimento da Arezzo, que fez oferta agressiva pela Hering, mostra o interesse da calçadista em migrar para as confecções – e não em um negócio especializado, como a Reserva (que já adquiriu), mas com uma grande marca. Ofereceu R$ 3 bilhões à Hering, mas acabou desbancada pelo Soma, que pagou bem mais: R$ 5,1 bilhões.
Ao mesmo tempo, a Renner contratou bancos para uma oferta de ações para arrecadar até R$ 6,5 bilhões. O alvo seria o e-commerce Dafiti – que é forte na internet, meio no qual a todo-poderosa Renner ainda engatinha.
“É um movimento simples. Agora, ou a empresa vai ser a consolidadora ou vai ser consolidada”, define Marcos Gouvêa de Souza, fundador da consultoria em varejo Gouvêa. Para o presidente do banco americano Morgan Stanley no País, Alessandro Zema, a tendência é que as empresas busquem no mercado negócios para reforçar setores em que ainda não são fortes, e não a busca de escala em áreas que já dominam. O raciocínio se encaixa tanto no caso de Arezzo e Hering quanto na aproximação de Renner e Dafiti.
Mas não só. Na semana passada, a Lojas Americanas colocou para dentro de casa a Uni.co, dona de marcas como Puket (moda) e Imaginarium (decoração). Ainda em 2019, o Magazine Luiza comprou a Netshoes em uma disputa acirrada com a Centauro – e fincou bandeira nas áreas de moda e esportes.
Tendo o Magalu como exemplo a ser seguido, um grupo de empresas se movimenta para dominar um mundo multicanal e multissetorial – para não acabarem engolidas por quem teve coragem de partir para o ataque primeiro. “A diferença do Magalu para as outras é que há muito tempo ela não é uma empresa de eletrodomésticos”, diz um executivo de banco.
O desafio também envolve acrescentar tecnologia a negócios de varejo. “A guinada para a tecnologia está ocorrendo em todos os setores, com adequação ao e-commerce e ao delivery”, diz Diogo Aragão, responsável pela área de fusões e aquisições do Bank of America. “As empresas podem decidir entre comprar ou construir, mas, por vezes, é mais vantajoso para a empresa comprar.”
E adquirir um negócio já pronto economiza algo que as empresas hoje não têm: tempo. “Há percepção de que a agenda digital precisa ganhar velocidade no pós-pandemia”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese. “Um negócio isolado é mais vulnerável a ser comprado por um ecossistema, como o do Magalu.”
‘Emergentes’
Se em tese toda empresa quer crescer e se tornar o próximo Magalu ou Amazon, o que determina quais são nomes “emergentes” nesse movimento? Em duas palavras: resultado e credibilidade. Três nomes aparecem com força. A Arezzo está com o caixa cheio para ir às compras; a Renner, que há anos entrega resultados, tem cacife para captar bilhões para aquisições. Já Americanas é uma gigante que está integrando digital e lojas físicas, antiga demanda de investidores (veja perfis abaixo).
Lojas Americanas, tradição desde 1929
A Lojas Americanas tem esse nome porque foi fundada no Rio por três americanos, justamente no ano do “crash” da Bolsa: 1929. A empresa também é uma das pioneiras no mercado de capitais brasileiro, tendo aberto seu capital em 1940, em plena Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, nos anos 1980, foi comprada pelo extinto Banco Garantia, do bilionário Jorge Paulo Lemann (que, aliás, está no negócio até hoje). Ao longo do tempo, fez parcerias com o Walmart e a rede de locadoras Blockbuster. A companhia foi uma das primeiras a investir pesado no e-commerce, com Americanas.com e Submarino.
É nesse histórico de inovações que se ancora para, mais uma vez, se reinventar. Apesar do pioneirismo na internet, a companhia viu o Magazine Luiza se tornar a referência em atuação multicanal e multissetorial. A empresa, que sempre vendeu de tudo, agora corre para ter suas próprias marcas. Na semana passada, comprou a Uni.co, dona de marcas como Imaginarium, Puket e Mind para ampliar sua oferta nas áreas de moda e decoração.
Durante muitos anos, as operações da B2W, seu braço digital, foram separadas das redes físicas. Essa linha imaginária, que foi apagada pelo Magalu, também está prestes a virar coisa do passado para as Americanas – o que tem animado investidores.
Lojas Renner, de sócia da JC Penny a ‘corporation’
A gigante Renner, líder no setor de varejo de moda no País, é hoje um mamute corporativo com valor de mercado de R$ 36 bilhões e fôlego suficiente para formar rapidamente um consórcio de bancos em torno de uma oferta de ações bilionária. Com os R$ 6,5 bilhões que pretende arrecadar, ela pretende expandir mercados e se aventurar em novos segmentos e, principalmente, no e-commerce. O alvo seria a Dafiti – a empresa não comenta.
Seria uma mudança de paradigma: por todo o sucesso que colecionou ao longo das últimas décadas, a companhia veio apostando no ganho de escala do negócio de moda que sempre a caracterizou. Mas isso não quer dizer que seja estranha a movimentos ousados do ponto de vista corporativo.
A Renner nasceu em 1965, mas, até o início dos anos 1990, a empresa gaúcha era uma rede restrita à Região Sul. As coisas começaram a mudar quando a gigante americana JC Penney se tornou sócia da companhia. Ao fim daquela década, o grupo estrangeiro embolsou os lucros de seu investimento, deixando o negócio. A Renner, ao abrir o capital, se tornou uma das primeiras “corporations” (empresa sem controle definido) do mercado brasileiro.
Desde então, a companhia prevaleceu em um mercado com fortes concorrentes nacionais, como Riachuelo, e internacionais, como a C&A. A empresa fechou o ano de 2020 com 594 lojas no País, incluindo as marcas Camicado e YouCom.
Arezzo, do salto de juta à briga pela Hering
Fundada em 1972, em Belo Horizonte, pelo empresário Anderson Birman, o primeiro “pulo do gato” da Arezzo veio no fim daquela década, quando a lançou a sandália “Anabela” com salto de juta – foi aí que a empresa começou a dominar o setor de calçados femininos.
Desde então, a empresa cresceu e, há pelo menos uma década, é uma “queridinha” da Bolsa. Hoje, seu valor de mercado é de R$ 7,9 bilhões. Essa confiança do mercado é reflexo de uma operação que se reinventou ao longo do tempo. Embora tenha surgido como indústria, a Arezzo logo se voltou para a criação e desenvolvimento, terceirizando a produção. Criou uma robusta rede, marcas secundárias (como Schutz e Anacapri) e concluiu a sucessão, com Alexandre Birman assumindo o comando.
Agora, é a hora de dar um novo salto. Depois de começar pelas bordas, incorporando a Vans e a Reserva, fez uma proposta – hostil, na visão de parte do mercado – pela Hering. Acabou sendo superada pelo Grupo Soma, dono da Farm e da Animale.
Fonte: Estadão