21/11/2014 às 05h00
Por Claudia Safatle
O governo que toma posse dia 1º de janeiro começou no dia 27 de outubro e já se encontra em meio a três conflitos de grande dimensão: um desentendimento com a base aliada no Congresso, o alcance inimaginável da Operação Lava-Jato que investiga atos de corrução na Petrobras e uma economia estagnada, retração dos investimentos, inflação no teto, contas públicas sob descontrole e juros em alta. Tudo conspira para elevar as incertezas na economia, que não são pequenas, agravando mais a situação e comprometendo 2015.
Trata-se de uma tempestade que só não é perfeita porque os investidores estrangeiros continuam, alheios aos problemas domésticos do país, em busca dos juros altamente positivos que o Brasil oferece, na esperança de que, ao fim e ao cabo, tudo vai se acertar. Se não acertar, há aplicações financeiras de curto prazo que podem sair a qualquer momento.
Dilma foi reeleita sem traçar planos para os próximos quatro anos e, passados 25 dias do segundo turno, ela deu alguns poucos e ambíguos sinais.
Dilma terá apenas uma bala, sem tempo para errar
No discurso em que comemorou a reeleição, a presidente renovou o confronto com o Congresso ao propor o plebiscito já rejeitado sobre a reforma política. As investigações sobre corrupção na Petrobras durante o período em que ela foi presidente do Conselho de Administração da companhia estatal deixam Dilma vulnerável. E, na economia, o cardápio de medidas que se apresenta à presidente – que atravessou toda a campanha eleitoral sem dar uma visão de futuro – contém as mesmas ações dolorosas que ela atribuiu aos seus adversários.
Na primeira entrevista à imprensa, já reeleita, a presidente anunciou que terá que cortar gastos, mas que o fará de forma que os empregos e a renda sejam preservados.
No domingo, na Austrália, Dilma disse que cortará o gasto público que não afeta a demanda. Não explicou, porém, o que isso significa. Qualquer corte de despesa efetivo afetará a demanda e, portanto, o emprego e a renda. A não ser que ela esteja se referindo a cortes em relação à proposta orçamentária para o próximo ano. Aí é passar a tesoura em vento.
Na área fiscal, até o momento, a presidente decidiu apenas passar uma borracha no orçamento deste ano, retirando da Lei de Diretrizes Orçamentárias a meta de superávit primário e transformando déficit em superávit.
O escândalo da Petrobras assombra o Palácio do Planalto. A presidente desde março vem tentando se blindar dos respingos da corrupção. Primeiro, costurou as mudanças na diretoria da estatal “por dentro”, declarou que só aprovou a compra da refinaria de Pasadena por desconhecer cláusulas contratuais e, agora, diz que não vai proteger ninguém que tiver culpa no cartório.
Mas o fato é que há um grande receio do governo em relação à eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara, exatamente porque, apesar de ser da base, não o considera fiel, confiável, um aliado a qualquer custo.
Nessa avaliação Cunha, portanto, seria capaz de dar ritmo à tramitação de algum pedido de impeachment de Dilma que eventualmente surja no parlamento por causa do “Petrolão”. O presidente da Câmara tem todas as condições de engavetar ou levar à votação um processo como esse. Aécio Neves (PSDB-MG), quando presidente da Câmara, arquivou em 2001 um pedido de impeachment de Fernando Henrique Cardoso. Inocêncio Oliveira (PR-PE) arquivou outro sobre José Sarney. Outros fizeram o mesmo no passado.
Com três crises distintas rondando o seu segundo mandato, Dilma recebeu de Lula o conselho para que acelerasse a definição de nomes para conduzir a área econômica nos próximos quatro anos. Assim, poderia criar uma agenda positiva que ocupasse o noticiário daqui para a frente, tirando das primeiras páginas dos jornais o caso Petrobras.
A presidente, segundo aliados, tem apenas “uma bala”. Se errar, não terá tempo para corrigir rumos e acertar. Não bastará fazer um ajuste fiscal para que a economia volte a crescer. É preciso um programa de governo mais completo, que aponte um futuro para o parque industrial do país, que privilegie as exportações e, para isso, não dificulte as importações, que coloque o país nas cadeias globais de produção. Enfim, que dê direção e reconquiste a confiança de empresas e consumidores. Caso contrário, um corte de gastos públicos, sozinho, será insuficiente e poderá vir a ser responsabilizado como a fonte do insucesso, por forças políticas que cultivam preconceito a qualquer coisa que considerem de cunho liberal.
As primeiras iniciativas de Dilma para a formação do ministério do segundo mandato não deram certo. Sob o incentivo de Lula, ela convidou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para ser o ministro da Fazenda em substituição a Guido Mantega. O executivo esteve na quarta feira em Brasília, com a presidente, disposto a aceitar o convite. Mas, estranhamente, recusou. Há 25 dias outros nomes como os de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, e Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda até o ano passado, estão sob intensa especulação sem que nada seja oficializado.
Ontem, após a inesperada recusa de Trabuco, novos arranjos para a área econômica começaram a surgir. Alexandre Tombini, que foi confirmado na presidência do Banco Central, seria remanejado para a Fazenda e Joaquim Levy, secretário do Tesouro no governo Lula e hoje presidente da Bradesco Asset Management, iria para o comando do BC ou vice-versa.
Levy, aliás, era um dos nomes que Trabuco cogitava para a Secretaria do Tesouro Nacional, caso aceitasse o convite.
Na história contemporânea do país não há notícia de um governo reeleito, com todo o viço comum a uma nova administração, que tenha, como esse, uma face já envelhecida, na defensiva política e o mandato sob ameaça.
Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação e escreve às sextas-feiras
E-mail: claudia.safatle@valor.com.br
Valor Econômico – SP