O Brasil deve assinar, nas próximas semanas, um acordo amplo de comércio eletrônico com seus três sócios no Mercosul para facilitar transações digitais e blindar esse segmento cada vez mais aquecido da economia contra eventuais barreiras no futuro.
O texto do acordo já foi fechado. Entre os compromissos assumidos pelos países do bloco, está a garantia de que não serão impostos direitos aduaneiros (tarifas de importação) sobre transmissões eletrônicas, como compras on-line de aplicativos ou streaming de filmes. Trata-se de uma “medida profilática”, como afirma Lucas Ferraz, secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia e um dos principais negociadores do lado brasileiro.
Ele lembra que, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), os países têm renovado a cada dois anos, desde 1998, uma “moratória” global na imposição de tarifas sobre o e-commerce. Assim, evita-se que tenha início a cobrança de alíquotas em downloads. Em dezembro do ano passado, já surgiram dificuldades para prorrogar novamente a isenção, diante da resistência de nações como Índia, África do Sul e Sri Lanka.
A chamada “nova geração” de tratados de livre-comércio, assinados nos últimos anos, começou a incluir capítulos sobre e-commerce como forma de assegurar que essas restrições ao segmento não surjam em um futuro próximo. Na ausência de acordo internacional sobre o tema, fica sendo uma proteção bilateral ao comércio eletrônico. É isso que Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai concordaram em ter agora.
Também entrou no acordo um artigo sobre a dispensa de instalação de servidores próprios, em território nacional, por empresas que comercializem serviços digitais. O artigo livra qualquer companhia brasileira de precisar, no futuro, ter servidor instalado na Argentina para atender aos consumidores de comércio eletrônico do país. Apenas instituições financeiras, por exigência dos bancos centrais, não estão contempladas por esse ponto do acordo.
Pode até soar como exagero, diz o secretário Lucas Ferraz, mas países como a China têm um entendimento diferente. Hoje, se uma plataforma eletrônica americana quiser atuar no país asiático, pode ser obrigada a instalar um servidor em território chinês.
Em tese, isso permite que as plataformas sejam “derrubadas” da internet por ordem de autoridades em Pequim e dados pessoais possam ser acessados. Estados Unidos e União Europeia não fazem esse tipo de exigência, segundo Ferraz. “Isso está muito associado à visão chinesa de segurança nacional e forte intervenção do Estado na economia”, afirma.
Ele nota que o texto negociado pelo Brasil com seus três sócios vai além dos compromissos fechados entre o Mercosul e a União Europeia, no tratado de livre-comércio anunciado no ano passado, e tem abrangência semelhante ao acordo de comércio eletrônico feito com o Chile. O tratado do Mercosul com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) não tem um capítulo sobre esse assunto.
Ferraz enfatiza a importância de não olhar mais apenas o acesso a mercados, com negociações sobre tarifas de cotas, nos acordos comerciais: “Na década de 1990, o comércio internacional de bens cresceu a taxas três vezes maiores do que o PIB mundial. Foi o auge da formação das cadeias globais de valor. Do início do século para cá, houve um arrefecimento e essa relação fica perto de um para um. A partir de então, o comércio de serviços cresce mais rapidamente que o de bens. Entre 2005 e 2015, o fluxo de dados aumentou 45 vezes em terabytes por segundo.”
Depois de assinado, o acordo de comércio eletrônico do Mercosul precisará de ratificação parlamentar. Será adotada uma cláusula de vigência bilateral. Ou seja, se dois países promulgarem o texto, as regras já passam a valer entre eles e não é necessário esperar a aprovação dos demais.
Fonte: Valor Econômico