Controle da pandemia, repaginação do Bolsa Família e possível criação de um novo programa de auxílio serão essenciais para sustentar a retomada do setor no ano que vem
O crescimento de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, em relação aos três meses anteriores, foi puxado pelo consumo das famílias. Esse impulso, porém, deve perder força já no quarto trimestre, com o auxílio amergencial reduzido a R$ 300. Mesmo com o discurso do governo, de que o movimento de poupança do trimestre deve sustentar o consumo sem ajuda pública, especialistas dizem que sem o auxílio e reformas para equilibrar as contas federais, o setor de consumo deve ter um ano difícil pela frente.
“Por enquanto, não há planos para a continuidade do auxílio emergencial e há alto nível de desemprego no País. Assim, 2021 deve ser um ano difícil para o varejo“, diz o economista e professor do Insper, Fábio Astrauskas. Ele afirma que a situação fiscal do Brasil não permite a continuidade dessa ajuda governamental em um patamar que garanta a aceleração da retomada econômica, sem a criação de novos impostos. “Outro caminho seria a privatização de empresas públicas, que o governo não conseguiu fazer”, diz.
Para o economista da Associação Comercial de São Paulo (ASCP), Marcel Solimeo, são três os pilares que podem sustentar a retomada econômica em 2021, trazendo-a de volta aos patamares de 2019: uma melhora na pandemia, a criação de um Bolsa Família repaginado e a recomposição de renda da população.
Para ele, dos três pontos, o principal é o andamento da pandemia. Novas restrições ao comércio, por exemplo, são colocadas como empecilhos à tímida retomada. Além disso, a criação de um programa de continuidade ao auxílio emergencial parece lógico a Solimeo. “É uma questão lógica, mesmo que seja para cancelar outros benefícios e concentrar em um Bolsa Família com outro nome”, afirma.
Concentração
Mesmo no trimestre em que os números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstraram recuperação em relação ao ápice da crise, o mercado assistiu a uma concentração de mercado no varejo. Enquanto grandes empresas com comércio eletrônico desenvolvido apresentarem resultados de vendas superiores aos do mesmo período do ano passado, comércios como os do centro de São Paulo lutavam para reduzir as perdas em relação ao ano anterior. “Veremos no pós-pandemia um fenômeno de concentração de riqueza ainda mais acelerado do que antes”, diz Astrauskas.
O pesquisador do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo (Ibevar), Marcos Piellusch, também diz que o desempenho entre os varejistas foi desigual. Para ele, daqui para frente, a recuperação econômica será de forma lenta. Diz ainda que reformas como administrativa são fundamentais para garantir a continuidade dessa retomada.
Segundo a economista da Veedha Investimentos, Camila Abdlmalack, esse é o ponto central para garantir que as varejistas da Bolsa continuem a apresentar um bom rendimento. Ela diz que um auxílio emergencial mantido em menor patamar não seria suficiente para garantir a continuidade do consumo das famílias, já que – com aumento da inflação -, o poder de compra dessa camada da população diminui. Assim, resta apenas o consumo básico, que não resolve o problema do fraco consumo de serviços apresentado no resultado do PIB deste terceiro trimestre.
“O País precisa fazer reformas econômicas para equilibrar as contas públicas, atrair investimentos e gerar empregos. Isso sim vai fazer com que as empresas de varejo atinjam seu potencial de crescimento”, afirma. Para ela, a melhora nos índices de poupança – para 17,3% do PIB, no maior valor para o período desde 2013 – não é suficiente para perpetuar o consumo das classes que receberam o auxílio emergencial. “Essa poupança veio da classe média, das classes mais ricas, que deixaram de consumir serviços”, diz.
Para que essas classes voltem a gastar o que pouparam, porém, deve haver um cenário mais estável. Para Piellusch, do Ibevar, um ponto importante para determinar a velocidade da recuperação econômica em 2021 é a confiança do consumidor, que está intimamente ligada ao andamento da pandemia. “Se o consumidor que poupou durante a pandemia se sentir mais seguro, esse consumo pode ajudar a manter a demanda aquecida”, diz.
Fonte: Estadão