18/11/2014 às 05h00
Por Luis Oliveira
A revolução digital tem alterado radicalmente a forma de fazer negócios nos últimos anos, a ponto de Marc Andressen, cofundador do Netscape, afirmar que varejistas eventualmente deixariam o comércio tradicional, uma vez que todas as pessoas passariam a comprar por meio do e-commerce.
De fato, as novas tecnologias causaram mudanças profundas em diversas indústrias, não apenas no varejo. Entretanto, as pessoas são entes físicos e sociais, isto é, gostam de interagir, ver e tocar produtos. Assim, é muito mais provável que as transformações, em vez de substituir os modelos de negócio tradicionais pelos digitais, tendam a associar o mundo digital ao físico, redesenhando não só a forma como as pessoas vivem, como também o modo como as empresas atuam. Esse fenômeno é chamado pela Bain & Company de “digital transformation”.
Exemplos dessas mudanças não faltam. Na indústria de aviação, embora a entrega do serviço seja presencial, a reserva, o pagamento e o check-in do voo são feitos online. Já no setor médico, cada vez mais se utilizam equipamentos de diagnóstico digital combinado com interações físicas entre médicos e pacientes.
Essas inovações físico-digitais estão afetando todas as indústrias, em maior ou menor escala. Em mídia, telecomunicações e tecnologia, as mudanças são muito mais rápidas e intensas do que em petróleo e gás, por exemplo.
O varejo está mais próximo desse primeiro grupo. As empresas tradicionais estão enfrentando a concorrência de competidores puramente online e muitas já investiram milhões em plataformas de e-commerce. Entretanto, há ainda muitas áreas com potencial de investimento: displays interativos em lojas, aplicativos de compras que permitem receber os produtos em casa, radio frequency identification (RFID) em centros de distribuição e lojas, análise avançada de dados de Customer Relationship Management (CRM) e entre outros.
É um grande desafio responder à “digital transformation” pela falta de pessoas dentro das empresas com conhecimento específico no assunto. Confrontadas com essas tecnologias pouco familiares e com uma concorrência muito maior, algumas companhias ignoram as ameaças, acreditando que basta continuar fazendo bem seu negócio tradicional, enquanto outras investem um valor muito elevado em inovação, sem visão de longo prazo.
Porém, as organizações mais bem sucedidas são aquelas que percebem que a resposta a essas transformações vai evoluir junto com o acúmulo de experiência e o aperfeiçoamento de competências estratégicas. Elas desenvolvem inovações de forma experimental, inicialmente em uma unidade separada para que esta possa crescer sem as restrições de uma grande organização. Ao mesmo tempo, essas empresas buscam reforçar as atividades tradicionais. Eventualmente, elas unem as inovações ao core business, capitalizando as vantagens competitivas que já possuíam e as que adquiriram.
Um exemplo de empresa que conseguiu ser bem sucedida nesse processo foi a fabricante de material esportivo Nike. Em 1999, a companhia americana lançou uma de suas primeiras iniciativas, o programa de customização NikeiD, a partir do qual os compradores podem, pelo site, customizar e comprar seu próprio calçado da marca. Ao longo dos anos, a organização buscou consolidar a plataforma de e-commerce e, percebendo a importância dessas inovações em sua estratégia de negócio, criou, em 2010, uma divisão específica, a de Esportes Digitais (Digital Sports).
Entretanto, a empresa nunca abandonou seu “core business” – ao contrário, conseguiu integrar as inovações a ele. Em 2012, a Nike ofereceu o sapato Free Run+ 3 no NikeiD antes de lançá-lo nas lojas físicas, de modo que os usuários criaram mais do que um milhão de designs em poucos dias, gerando um grande “buzz” em torno do produto quando este chegou às prateleiras, o que ajudou a alavancar as vendas.
No Brasil, há também exemplos de organizações que conseguiram unir inovação digital ao “core business”, como a Magazine Luiza. O crescimento do e-commerce no Brasil nos últimos anos representou uma oportunidade de crescimento para a varejista de móveis e eletrodomésticos, mas também um desafio, uma vez que a empresa tinha experiência apenas com lojas físicas.
A empresa brasileira investiu um valor considerável para desenvolver vendas pelo site e um dos resultados é o programa Magazinevocê, no qual qualquer pessoa pode criar sua loja virtual e vender até 60 produtos da varejista pelas redes sociais, recebendo uma pequena comissão por cada compra. Em 2012, no primeiro ano de funcionamento do programa, 70 mil usuários criaram suas próprias lojas virtuais, superando as expectativas.
Ao mesmo tempo, a companhia não abandonou seu “core business” e aproveitou a extensa rede de lojas físicas para que seus consumidores online pudessem obter serviços de pós-vendas, permitindo o contato presencial com o cliente se necessário.
De forma semelhante à Magazine Luiza, a Marisa permite que consumidores virtuais troquem peças nas lojas físicas. Ao desenvolver seu e-commerce, a varejista de moda viu-se diante de um desafio adicional: a dificuldade das consumidoras em saber o tamanho certo das roupas sem poder prová-las. Para contornar esse obstáculo, a empresa desenvolveu uma plataforma online em que a cliente informa suas medidas e o sistema indica a numeração adequada em cada categoria.
Nike, Magazine Luiza e Marisa são exemplos de empresas que conseguiram integrar as inovações digitais ao negócio tradicional. Entretanto, nunca é tarde para experimentar e inovar – a “digital transformation” é um processo recente e estamos apenas no começo. Uma empresa que adote essas mudanças neste momento ainda pode desenvolver estratégias e ativos para competir no futuro.
Luis Oliveira é sócio da Bain & Company.
Valor Econômico – SP