Na corrida pelo bolso do consumidor em época de Black Friday e em ano de pandemia, empresas reforçam capacidade logística com aquisições e entrega por avião
Tão importante quanto o ato de vender produtos pela internet é realizar a última milha (a entrega dos pedidos) de forma eficiente. Em 2020, devido à disseminação do novo coronavírus, o varejo físico teve de suspender atividades, e o meio digital, que antes era visto por algumas das redes como marginal, tornou-se indispensável. Estima-se que a participação do canal online no comércio varejista nacional dobre de 6% para 12% neste ano. De olho na época mais profícua para o consumo, com datas como a Black Friday, que ocorre nesta sexta-feira, 27, e o Natal, as grandes redes do mercado não perderam tempo e lançaram mão de aquisições de startups ou investiram em meios de chegar mais rápido à casa do cliente, que vão desde a transformação das lojas físicas em minicentros de distribuição como até mesmo o aporte em uma frota de aviões, caso do Mercado Livre, com a criação da Meli Air. Tempo é dinheiro e, na internet, o concorrente está a um clique de distância.
Dona de tradicionais redes como as Casas Bahia e o Ponto Frio, a Via Varejo sofreu um baque com o fechamento de seus pontos de venda em março, diante das medidas restritivas adotadas pelos governos estaduais e municipais, mas reagiu rápido para crescer na venda online. Em abril, a empresa adquiriu a Asap Log, uma startup de última milha nascida em Curitiba (PR) e que permite com que motoristas de aplicativos, motoboys e até ônibus entrem no sistema da companhia para coletar e entregar pequenos pacotes a clientes da empresa. Mesmo após a compra, que não teve valores divulgados, a Asap Log continua podendo prestar serviços à concorrência. “Conseguimos multiplicar o volume de entregas pela Asap para algo em torno de 25 vezes”, diz Sergio Leme, vice-presidente administrativo da Via Varejo. “Essa aquisição acelerou o nosso desenvolvimento, mas também foi boa para a Asap, que ganhou escala de crescimento exponencial, algo que muita startup quer”.
Para chegar mais rápido à casa do cliente, a Via Varejo também adotou, em 2018, uma tática que tem se tornado comum entre as grandes varejistas, transformando as lojas em mini hubs de distribuição. Hoje, mais de 500 unidades entregam produtos a partir dos espaços físicos, o que diminuiu o tempo de espera pelo produto de dias para questão de horas. “Conseguimos, com inteligência artificial, ter um bom planejamento da demanda, entendendo quais serão os produtos mais demandados por regiões e até por microrregiões. Isso gera um desenho de quais produtos nós podemos mover dos centros de distribuição para as lojas”, explica Leme. “É uma malha bem complexa de gestão de dados para podermos definir os produtos que serão colocados nesses mini hubs”. Nas últimas semanas, a Via Varejo anunciou a inauguração de um novo centro de distribuição (CD), o 27º da companhia, na região metropolitana de Belém. A operação serve para dar suporte às primeiras lojas da rede Casas Bahia instaladas no Pará nos últimos meses.
Por usarem as próprias lojas para melhorar a distribuição, Via Varejo, Magazine Luiza e as Lojas Americanas saem com vantagem na corrida para chegar ao consumidor. “Como temos boa parte de nossos produtos estocados em loja, a entrega pode ser feita muito rápida na casa do cliente. O estoque das lojas está cada vez mais diverso, com itens de mercado, higiene e moda”, diz Luis Fernando Kfouri, diretor de logística do Magazine Luiza. A empresa investiu, recentemente, na aquisição das plataformas de gestão de processos logísticos SincLog e GFL Logística, além de reforçar o aplicativo de entregas Logbee. “O crescimento da nossa cadeia vai nos permitir coletar produtos com nossos parceiros mais rapidamente, reduzindo o prazo e os custos de entrega. A entrega rápida e barata é fator importante para decisão de compra online”, reitera Kfouri.
Na Americanas, as 1.700 unidades físicas da Lojas Americanas atuam como mini hubs no país. A varejista, figurinha carimbada no e-commerce, entrega 41 milhões de pedidos ao ano – cerca de 33% disso em até 24 horas. Por meio da plataforma de logística Ame Flash, a B2W conecta entregadores independentes (com motocicletas ou bicicletas) e possibilita a entrega de produtos em até duas horas. O app, atualmente, conta com 22.000 entregadores cadastrados. Nessa lógica, quanto melhor a logística, mais vendas.
Pelos ares
Um dos principais players do comércio eletrônico, o Mercado Livre também se movimentou. Sem lojas físicas, decidiu adquirir uma fatia minoritária da startup de logística Kangu, em agosto. A plataforma habilita pequenos lojistas como pontos de coleta e de retirada de produtos comprados na internet. O investimento, que não teve valor divulgado, foi feito por meio do fundo de investimentos da empresa, o MeLi Fund, que também apostou em outra startup de logística, a Mandaê. O objetivo, com os aportes nesse segmento nos últimos anos, é diminuir a dependência dos Correios para fazer a última milha. “Há três anos, mais de 90% das encomendas do Mercado Livre eram entregues pelos Correios. Hoje, a gente cresceu a nossa rede própria e passou a diversificar o número de empresas que trabalhamos. Já estamos na casa das centenas de transportadoras espalhadas pelo país inteiro, o que tem nos ajudado a melhorar o nível de serviço”, afirma Stelleo Tolda, presidente do Mercado Livre na América Latina. A empresa é uma das postulantes no certame que definirá a privatização ou concessão por região dos Correios no país.
A grande ação do Mercado Livre veio nos últimos dias. Para reforçar o braço logístico Mercado Envios, a empresa anunciou o lançamento da Meli Air, uma iniciativa formada por quatro aviões que será operada por diferentes companhias aéreas e que tem o objetivo final de aumentar a capacidade de entregas para o dia seguinte em todo o país. Nos Estados Unidos, a Amazon utiliza um método similar para maximizar a eficácia de sua distribuição -– a frota de aviões de carga da empresa no país chama-se PrimeAir. Os investimentos se fizeram necessários graças ao avanço considerável de concorrentes no e-commerce este ano. Na avaliação de Tolda, o mercado deve focar mais na entrega de última milha e menos em multicanalidade, com a adaptação das lojas físicas como local de entrega dos produtos comprados pela internet. “A maior parte do volume de entrega de produtos pelo comércio eletrônico é a domicílio. Apenas uma minoria das pessoas, por alguma conveniência que possa ter, como trabalhar próximo a uma loja, preferem retirar o produto em um espaço físico”, reitera. Entre a criação da Meli Air, abertura de novos CDs e outras ações, o Mercado Livre deve investir cerca de 4 bilhões de reais no Brasil este ano.
Novos postos de trabalho
Todos esses investimentos se refletem na geração de empregos. Segundo o Banco Nacional de Empregos (BNE), houve aumento de 21% no número de vagas na área de logística neste ano. De janeiro a outubro, foram 14.063 posições, um avanço de 21% em relação ao mesmo período do ano anterior. Na Amazon, por exemplo, a inauguração dos novos CDs representa a geração de mais de 1.500 empregos diretos. Para reforçar sua cadeia logística no fim deste ano, a Via Varejo contratou 1.500 pessoas — o número salta para cerca de 8.000 quando é adicionado os contratados para as lojas do grupo e para a gestão e desenvolvimento de tecnologia interna. A B2W espera fechar o ano com cerca de 4.000 contratações para a área logística. Num momento em que o desemprego cresce, os números de contratações para o setor são um alento. As coisas poderiam ser ainda melhores, caso o Congresso tivesse colocado em pauta a tão esperada reforma tributária, que visa simplificar a arrecadação de impostos por parte das empresas. Mas ainda não há uma proposta clara sobre isso. Deve ficar para 2021.
Fonte: Veja SP