12/11/2014 às 05h00
Por Angela Klinke
Você marcou um encontro numa cafeteria, mas esqueceu o endereço. Faz a busca pelo celular e acha sem problemas. O lugar tem manobrista e, como começou a garoar, um atendente “posiciona” um guarda-chuva e o acompanha até a porta. O garçom abre um sorriso ao entregar o menu. As letras do cardápio são grandes, mas há óculos de leitura para quem tem dificuldade. Se o salão estivesse lotado, com mesas vagas só na varanda, haveria um aquecedor e mantinhas nos dias de inverno. O café foi perfeitamente tirado, as xícaras estavam impecavelmente limpas. Quando entra no carro para ir embora, percebe que balas de café foram colocadas no console do carro. Um símbolo de agradecimento pela visita e um prolongamento desta sensação positiva por mais tempo.
O “exemplo da perfeição” foi usado pelo designer de consumo Maurício Queiroz para explicar o significado de “service design” em seminário de inovação em Roma, na última semana. O conceito tem dominado todos seus projetos. O arquiteto Queiroz sabe há algum tempo que a loja física é uma etapa da trajetória de compra. Não é o começo, nem o fim. Tanto o espaço quanto quem presta o serviço como os processos de atendimento e, claro, o consumidor precisam estar contemplados ao mesmo tempo.
Muitos de seus clientes, conta, chegam em seu escritório querendo melhorar a tal “experiência” em suas lojas, mas acreditam que basta um charmezinho e mimos eventuais ou, ao contrário, uma parafernália tecnológica para resolver o assunto. “Todos os pontos de contato do consumidor com a marca precisam ser monitorados e cuidados, da facilidade em encontrar o lugar pelo Waze até o pós-venda, que ganhou uma amplitude muito maior. Nada mais pode ficar de fora.”
Quando a interação com o consumidor está em jogo, o “service design” também compreende aspectos da comunicação. E, nesse sentido, o caso do sorvete Diletto é um exemplo negativo. “Muitos consumidores se sentiram traídos com a história da sorveteria que teria sido criada por um ‘modelo’ de avô que nunca existiu. Engajamento é mais importante que tradição.”
Cada passo deve ser dado para criar um envolvimento de longo prazo com o consumidor. “Veja só o caso da Best Buy, que já foi uma grande varejista americana de eletrônicos. Hoje ninguém mais tem razão para comprar lá. Preço o cliente consegue melhor na Amazon. Nenhum vendedor é capaz de dar explicações mais aprofundadas sobre um produto. E na saída ainda conferem sua sacola para ver se não você não está levando nada sem pagar.”
Em geral, diz, ninguém quer mexer no que está funcionando. Seu esforço é para mostrar que há uma mudança de perspectiva. “É preciso migrar do transacional para o relacional. É a relação com o consumidor que se converte em compra e não mais o contrário”, explica. O desafio é ainda maior quando há uma necessidade de especialização no varejo. O consumidor quer saber mais. Queiroz desenvolveu, por exemplo, a primeira loja de produtos de beleza da Dior na América do Sul, prevista para abrir no começo do próximo ano, no Village Mall, no Rio.
“Tudo é feito para a experimentação. O consumidor pode provar os esmaltes e há o ‘nail bar’. Pode testar os cosméticos e há uma sala de tratamento. Há até um espaço dedicado só ao J’Adore para mostrar que o perfume ganhou dimensão de estilo de vida. Você pode comprar produtos Dior em vários lugares, mas este é um espaço para criar relacionamento que, claro, acaba elevando as vendas.”
Mas enquanto há demanda, a acomodação é a regra. E usa o setor automobilístico como exemplo. ” É indecente o tratamento que o consumidor recebe numa revenda de carro por aqui. A postura é: você quer comprar. Então te oferecem uma cadeira qualquer. O vendedor atrás do balcão te dá duas opções de cores e olhe lá, mesmo que você esteja gastando R$ 100 mil. O mostruário de acessórios fica abandonado até que alguém saia do almoxarifado para te atender. O máximo da inovação em serviço em décadas é o ‘test drive’.” A Nespresso, diz ele, é a exceção que confirma a regra. “Dava para continuar a vender café na gôndola do supermercado. Mas que tal ter o consumidor dentro de outra perspectiva? Ao criar as cápsulas, as máquinas desejáveis, lojas exclusivas, formar um clube com os clientes, lançar tiragens especiais do produto, eles revolucionaram o mercado.”
O “service design” é um desdobramento das metodologias do “design thinking”. “O consumidor muda, os serviços mudam. Mas hoje é preciso ter mais velocidade para captar esses desejos e é por isso que este conceito é eficiente.” O mais importante, contudo, é desenhar cada serviço para o consumidor que vai usá-lo. “O café é o que menos importa na Starbucks. As pessoas vão lá pelos sofás, pelo conceito de sala de estar, para relaxar.” Para o Café do Ponto, por exemplo, um de seus clientes, o X da questão era a rapidez. “O cliente comprava a ficha no caixa e pedia o café. Se no meio do caminho quisesse algo mais, desistia para não pegar a fila de novo.”
Queiroz ampliou o balcão para que o consumidor fosse atendido logo e usasse uma ficha para ir agregando mais itens se desejasse. Colocou mais pontos de pagamento na bancada e um caixa principal no fundo. “O tíquete médio aumentou, o cliente foi melhor atendido e volta mais vezes. Você cria um relacionamento sem ser ostensivo como ‘pague primeiro e depois usufrua’.” Tem gente que acha que “service design” é só um termo diferente para tratar de algo que sempre existiu. Pode ser. Mas há muito se sabe que é preciso “servir bem para servir sempre” e nem por isso a postura de muitas empresas mudou. Até porque não há “servir bem” pronto para viagem.
angelaklinke@uol.com.br
Valor Econômico – SP