Os primeiros meses do ano foram uma sucessão de expectativas e revisões de planos para o empresário carioca Roberto Jatahy. Até concluir em julho o IPO que captou 1,3 bilhão de reais, seu grupo de moda Soma já havia entrado em modo de espera, visto a pandemia mostrar o poder de devastação no varejo, e só quando conseguiu comprovar a solidez do modelo de digitalização de seu negócio e a força de suas marcas no inconsciente dos consumidores bateu o martelo na bolsa, ainda sob o olhar reticente do mercado.
Afinal, não bastasse o recuo de 16% nas vendas do varejo no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2019, suas concorrentes Inbrands (Ellus, Richards, VR) e Restoque (Le Lis, John John, Dudalina) também enfrentam sérios problemas.
Nada disso tirou o ânimo de Jatahy e dos sócios fundadores de Animale, Farm, Cris Barros, Foxton e Maria Filó, para citar as marcas mais rentáveis do grupo, que, mesmo com prejuízo de 32,7 milhões de reais no segundo trimestre no comparativo com o mesmo período do ano anterior, acumula valorização de 10% no preço das ações, num cenário claro de retomada.
Em sua primeira entrevista após a oferta, Jatahy explica à EXAME como quer dobrar — ou até triplicar — o tamanho do grupo, com um projeto de no mínimo cinco aquisições de marcas nos próximos cinco anos, nova área de sustentabilidade e um negócio rastreado da cadeia produtiva à distribuição. E não, comprar a Richards não é prioridade no momento, como se especulou logo após o IPO. Leia trechos editados da entrevista.
Você conseguiu ir à bolsa num segmento de marcas especializadas, algo em que o Brasil não tem boas memórias recentes. O que representa esse IPO para a indústria criativa de vestuário e por que negócios de moda como esse não evoluíram no país?
A indústria da moda ficou malvista, estigmatizada como um segmento sem foco em resultados e desenvolvimento sustentável baseado em histórico operacional. Havia, por parte dos donos das marcas, uma confusão entre vaidade e desejo desesperado desses diretores criativos em preservar a alma das grifes. Pelo lado de quem gerenciava o financeiro, havia uma dificuldade de conversar e entender o negócio da moda. Esse foi o problema da primeira onda de consolidação de grupos.
Acho que nosso IPO foi histórico porque traduziu que é possível respeitar o que os criativos entendem como relevante no longo prazo, mas de forma correta, que vise à sobrevida da marca. O negócio tem de ser bonito, bacana, mas primeiro tem de ser rentável. A gente foi mais eficiente nessa comunicação entre o criativo e o financeiro, não no sentido de conteúdo, mas da forma como você trata o criativo. Nesse mercado, é preciso se proteger de movimentos desestruturados de retorno de curto prazo.
Quais foram os erros dos outros grupos?
Não faço críticas ao setor financeiro ou criativo, mas houve falta de entendimento nessa primeira onda de aquisições dos demais grupos, o que trouxe muito aprendizado também. A pior coisa que se pode fazer é não preservar uma marca ao longo do tempo, destruí-la para poder dar resultado no exercício. Isso é muito ruim. Olhando para a gente, nossa missão é olhar em cada exercício quais são os potenciais drives de crescimento sem que as marcas saiam machucadas. Esse modelo tem a ver com nossa história.
Fizemos uma primeira aquisição, da Farm e da Fábula [em 2011], num momento em que a Animale não tinha para onde crescer mais no longo prazo. De forma orgânica, com expansão de lojas e com um digital robusto, a marca foi crescendo e todas as concorrentes dela foram quebrando. Como empresário, não consigo sentar e transformar a operação numa vaca leiteira, isso não me satisfaz como empreendedor. Meu propósito é estabelecer uma cultura de aquisições, provar que moda pode até ser um negócio sensível, mas é altamente rentável.
Entendendo que todas as marcas passam por ciclos. Uma hora ela está robusta, em posicionamento, desejo, o que chamo de gordura de marca. Se ela está bem posicionada em comunicação, é a hora de fazer movimentos de expansão para que ela possa rentabilizar melhor.
É preciso ter sensibilidade para isso. Não posso ser agressivo se ela está em um processo de reposicionamento, querer que cresça igual às outras do grupo num momento em que o desejo por ela, essa gordura, ainda não está estruturado. Ela pode até crescer em número de lojas, mas será que vale o investimento? Isso é mais feeling do que uma resposta numérica, não é algo tão óbvio.
Nosso desafio é mostrar a partir de agora as reais alavancas de risco no nosso negócio. Vamos crescer ampliando nosso market share [hoje em 3%], muito porque a fragilidade do varejo de moda no Brasil está no nível de sua fragmentação. Há uma imensa maioria de marcas, com dez ou 12 lojas, sem uma inteligência tecnológica no digital, com faturamento de 70 milhões a 80 milhões de reais, que, num período de crise, não vai conseguir sobreviver sem receber um aporte. Pelo lado da moda, é triste, mas, do ponto de vista empresarial, torço para que elas estejam perto de mim.
Fonte: Exame