Em novembro de 2021, quando a quarta fase da implementação do open banking já estiver em vigor, a expectativa do Banco Central (BC) é que o cliente bancário brasileiro terá acesso a muito mais produtos e serviços financeiros do que atualmente. A quarta fase vai além da experiência britânica, que vem servindo de inspiração para autoridades financeiras em diversos países. Na Inglaterra, o open banking só vai até as fronteiras clássicas dos bancos, afetando crédito e serviços. No Brasil, a troca de informações vai além, e engloba seguros, operações de câmbio e aplicações financeiras. Vai parar por aí?
Quem conhece a dinâmica do mercado financeiro acredita que não. As quatro primeiras fases permitem apenas a participação dos concorrentes óbvios à atividade bancária tradicional, como bancos de nicho e arranjos de pagamento. Porém, a grande aposta é que é apenas uma questão de tempo para que a massa de informações do open banking esteja disponível para participantes que não estão ligados diretamente ao sistema financeiro. É o caso de varejistas, como Magazine Luiza. De processadoras de pagamento, como a Stone. E, a grande preocupação dos banqueiros, também é o caso das big techs, acostumadas a lidar com quantidades astronômicas de informação dos clientes, como Amazon, Google, Facebook, Microsoft e Apple.
Começando pelos concorrentes óbvios. Um bom exemplo é o banco BV, que até pouco tempo atrás chamava-se Banco Votorantim. Ligado ao tradicional grupo industrial da família Ermírio de Moraes e com uma forte participação acionária do Banco do Brasil, o BV se especializou em financiar carros seminovos. “Esse é um mercado sólido e resiliente à crise — quando a situação piora o cliente desiste do zero-quilômetro e escolhe um carro usado”, diz Guilherme Horn, colunista de Época NEGÓCIOS e diretor de estratégia do banco BV.
Segundo Horn, o open banking é uma excelente oportunidade para bancos de nicho, como o BV. Cerca de dois terços das receitas vêm de financiamentos automotivos. Com a mudança nas regras, a intenção é diversificar. O open banking vai permitir crescer em financiamentos imobiliários, crédito educacional e para a instalação de painéis solares. “Além dos dados que eu compartilho com as fintechs parceiras, vou ter acesso aos dados dos clientes em outras instituições financeiras, o que vai permitir uma estratégia muito eficaz na oferta de produtos”, afirma Horn.
As facilidades do open banking não estarão limitadas aos clientes pessoa física. As empresas também poderão se beneficiar do aumento da concorrência, tornando seus dados disponíveis e facilitando a conversa com os bancos. Essa oportunidade não passou desapercebida para Breno Maximiano, sócio da empresa de processamento de transações Stone. A pandemia e suas medidas de isolamento social turbinaram o comércio eletrônico e fizeram explodir a quantidade de transações com as maquininhas, especialmente aplicativos de comida e de entregas. “Com o open banking a competição no setor será maior”, diz ele.
Mas o que preocupa mesmo os bancos são as gigantes tecnológicas. Um banco tradicional realiza três grandes atividades: concede crédito, capta depósitos e movimenta dinheiro entre empresas e pessoas. Com a devida autorização dos reguladores, a movimentação de dinheiro entre partes já pode ser realizada por meio dos aplicativos de troca de mensagem que já estão instalados no seu celular. Essa é uma tecnologia que já está aí.
Ricardo Taveira, fundador e CEO da Quanto, uma empresa de tecnologia que desenvolve sistemas para conectar fintechs e bancos, avalia que o open banking é apenas metade da história. “Se estivéssemos falando de comunicação, o open banking seria apenas a parte da leitura”, diz Taveira. “Ele acessa e interpreta informações que permitem a tomada de decisão, mas não executa nenhuma tarefa.”
No entanto, em novembro deste ano, o Banco Central também deve colocar para funcionar o protocolo PIX, que vai permitir transferências instantâneas de dinheiro e que, no limite, promete tornar obsoletos dois produtos que geram uma fortuna em receita aos bancos, a Transferência Eletrônica Disponível (TED) e o Documento de Ordem de Crédito (DOC). Diferentemente da TED e do DOC, que têm horários bem definidos, o PIX vai funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana.
Se em boletos, cheques e pagamentos com cartão a compensação das transações pode levar até alguns dias, com o PIX o processo será instantâneo: o dinheiro tem de chegar à conta de quem recebe em, no máximo, dez segundos após o envio. E, mais importante de tudo, o PIX será gratuito. Apesar de operado pelos bancos, ele pode substituir uma conta corrente. “Só isso já terá um impacto enorme no mercado”, diz Taveira. Por enquanto, essas mudanças estão restritas ao sistema financeiro. Porém, é questão de tempo para que as gigantes brasileiras do varejo e as gigantes globais da tecnologia se interessem por esse negócio.
Recentemente no Webinar, em A Entrada das Big Techs no Brasil — Perspectivas e Desafios, Reinaldo Le Grazie, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e sócio da Panamby, lembrou que, em um passado não muito distante, dizia-se que as techs não concorriam com os grandes bancos. “Não sei se era verdade, mas se era ou não, essa demarcação está acabando. E as big techs ensaiam sua entrada no mercado financeiro”, comentou. “Agora elas dão esse passo e enfrentam o desafio da regulação. Enquanto as fintechs digitalizaram o dinheiro, as big techs estão monetizando os dados.” Para Alexandre Barreto, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a chegada das empresas de tecnologia ao mercado financeiro é motivo para comemorar: “Não tenho dúvida de que a atuação tanto das fintechs como das big techs, no setor financeiro, pode sim, trazer benefícios para o cidadão comum, medidos em termos de maior competição. O bem-estar do consumidor é o objetivo final do nosso trabalho”.
Como exemplo, ele cita o caso recente da parceria entre o WhatsApp e a Cielo. Em 30 de junho, o Cade revogou medida cautelar que suspendeu a parceria entre Facebook e Cielo para viabilizar pagamentos por WhatsApp. Por meio da parceria, anunciada no dia 15 de junho, Facebook e Cielo pretendem ofertar a estabelecimentos comerciais e pessoas físicas o serviço de recebimento de pagamentos pelo aplicativo de mensagens.
“Diversas preocupações de ordem concorrencial acenderam o sinal amarelo, sendo elas: a Cielo possui uma elevada participação no mercado nacional, 40% de share; por outro lado, o WhatsApp tem 100 milhões de usuários no Brasil, o que poderia garantir já de pronto a sua entrada, com um poder de mercado significativo”, lembrou Alexandre. “E a principal preocupação: por oferecer exclusividade no serviço, as concorrentes da Cielo dificilmente poderiam recriar algo parecido. Seria a instituição de um modelo que, de pronto, já seria dominante e excludente, podendo matar a concorrência futura neste mercado.
Por esse motivo, o Cade determinou a suspensão até que houvesse um melhor entendimento da natureza da parceria.” Apresentadas as informações, segundo o presidente do Cade, a mais importante é que o arranjo não seria exclusivo à Cielo, inclusive com contratos assinados com outras empresas que ainda não tinham vindo a público. “Baseado nessas informações, o Cade entendeu que a principal preocupação concorrencial não se justificava, podendo retirar, portanto, a decisão cautelar para impedir a concretização do negócio. Por outro lado, permanece aberto o procedimento para saber se o ato deve ser notificado ou não ao Cade.”
Iniciativas globais
O Brasil pode ser considerado ambicioso em comparação com os demais países que começaram a colocar em prática iniciativas de open banking
O open banking está avançado no Reino Unido, que foi o pioneiro, na Austrália e em Cingapura. Há iniciativas no México e na Alemanha, Itália e Luxemburgo, mas estão menos avançadas. O quadro mostra onde foram feitos os maiores progressos
(Fontes: Bancos Centrais, Delloite, EY)
MÉXICO
Início do processo: 2018 (aprovação da Lei das Fintechs)
Começo dos testes: 2020
Entrada em vigor: 2021 (previsão)
REINO UNIDO
Início do processo: 2016 (criada a Open Banking Implementation Entity, Obie)
Começo dos testes: outubro de 2017
Entrada em vigor: janeiro de 2018
CINGAPURA
Início do processo: 2018 (a regulação das fintechs começou em 2014)
Começo dos testes: 2019
Entrada em vigor: não há prazo definido, a adesão dos bancos é voluntária
AUSTRÁLIA
Início do processo: maio/2017
Começo dos testes: julho/2019
Entrada em vigor:
– Informações sobre movimentação financeira:
– Grandes bancos: julho/2020
– Demais bancos: fevereiro/2021
– Informações sobre empréstimos: novembro/2020
Implementação total: julho/2021
Um oceano verde
Lideradas pelas Big 5 (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft), gigantes de tecnologia encontraram no open banking o ultimato necessário para mergulhar de cabeça no mercado de serviços financeiros. A seguir, confira as principais iniciativas das cinco maiores empresas de tecnologia do mundo no campo das finanças. Atenção, os peixes grandes estão no mar
GOOGLE
Lançado em fevereiro de 2018 no Brasil, o Google Pay surgiu como um sistema de pagamento virtual do Google. A premissa da aplicação era simples: um sistema capaz de substituir as carteiras virtuais Google Wallet e Android Pay, facilitando transações financeiras via internet por meio da centralização das informações do usuário em um só aplicativo. Desde então, o app ganhou atualizações, como pagamento por aproximação por meio do próprio aplicativo. A empresa também anunciou o lançamento do Google Card, que funcionará como um cartão de débito, além de demonstrar interesse em lançar contas digitais em parceria com bancos ao redor com mundo, como BBVA USA e Bank Mobile. Outra investida da empresa é o Project Cache, projeto de conta corrente operado em parceria com o Citigroup, uma cooperativa de crédito da Universidade Stanford, BBVA USA, BMO Harris, Coastal Community Bank e First Independence Bank. A empresa espera lançar a novidade até a metade de 2021.
MICROSOFT
Embora a Microsoft não tenha mostrado interesse direto em oferecer serviços financeiros, a companhia fundada por Bill Gates tem atrelado seus serviços e aplicativos ao mercado das finanças. Recentemente, fechou uma parceria com a fintech Plaid, resultando numa ferramenta que permite às pessoas importar automaticamente suas contas bancárias e seus extratos de cartão de crédito em uma área do Microsoft Excel chamada Money.
APPLE
Declaradamente interessada na oferta de produtos financeiros, a Apple fechou uma parceria com o Goldman Sachs e a Mastercard para lançar o Apple Credit Card, um cartão de crédito diretamente integrado ao iPhone de seus usuários. A empresa também criou o Apple Pay, uma carteira digital igualmente inserida no smartphone da companhia, permitindo que consumidores adicionem “créditos” e usem o celular para os pagamentos “contactless” e transferências online.
FACEBOOK
Em agosto deste ano, o Facebook anunciou a criação da divisão Facebook Financial — ou F2 — para supervisionar e expandir seus negócios de pagamentos eletrônicos. A divisão englobará projetos como o Facebook Pay, serviço lançado em 2019, uma carteira digital que permite aos usuários fazer transações financeiras pela rede social; mas também priorizará as operações de pagamentos por WhatsApp Pay — tema de discussão entre os órgãos reguladores brasileiros e a empresa de Mark Zuckerberg. Por meio da ferramenta, é possível que contas pessoais ou comerciais do WhatsApp Business possam transferir e receber dinheiro pelo próprio aplicativo.
AMAZON
Nos últimos anos, a gigante do varejo lançou produtos e serviços capazes de praticamente “construir” um sistema financeiro próprio dentro de seu complexo ecossistema. Na arte abaixo, inspirada em um quadro da consultoria CB Insights, é possível ver como a empresa internalizou processos antes dominados por players do mercado financeiro. Para isso, não somente tem trabalhado em parceria com instituições financeiras como também está adquirindo fintechs ao seu portfólio. Um exemplo é o Amazon Pay, carteira digital capaz de realizar transferências, pagamento de contas e até recarga de créditos em aparelhos celulares. Não apenas — a empresa de Jeff Bezos também investiu em serviços de concessão de crédito, disponibilizando US$ 5 bilhões em 2019, em parceria com Bank of America e Goldman Sachs.
No quadro abaixo, veja os serviços oferecidos pela Amazon em comparação aos serviços de um banco:
Serviços:
> Verificação de contas
> Cartões de crédito
> Linhas de crédito e empréstimos
> Cartões pré-pagos
> Empréstimos para compra de veículos
> Empréstimos imobiliários
> Seguros
Fonte: Epóca Negócios